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Castanha-do-para, so no nome: agora e da Bolivia

OESP, Economia, p.B12
27 de Ago de 2004

Castanha-do-pará, só no nome: agora é da Bolívia
Bolivianos aproveitaram declínio da produção brasileira e são os novos líderes do mercado
Larry Rohter
The New York Times
MARABÁ - Ao longo do século 20, a maior parte da castanha-do-pará consumida ao redor do mundo veio da selva que cerca Marabá, movimentada cidade comercial a 438km de Belém, no Pará. Mas a piada amarga contada aqui, hoje em dia, é que o único lugar onde ainda se pode encontrar um castanheiro-do-pará é no brasão municipal.
Para desgosto dos brasileiros, as exportações de castanha-do-pará despencaram de quase 19 mil toneladas em 2000 para cerca de 7 mil toneladas em 2003, permitindo que a vizinha Bolívia se tornasse líder do mercado. As áreas de castanheiros-do-pará estão desaparecendo em toda a Amazônia brasileira, motivando um acalorado e crescente debate sobre quem é responsável pelo declínio.
Economistas, cientistas e outros estudiosos tendem a apontar para uma única família, baseada em Marabá, que domina o setor há três gerações e controla centenas de milhares de acres nesta região do encontro dos rios Araguaia e Tocantins. Mas membros do influente clã dos Mutran dizem estar sendo atacados injustamente e reclamam de concorrência desonesta e contrabando.
Há dez anos, a Bolívia mal figurava como fornecedor de castanha-do-pará. Em um esforço para afastar os camponeses do cultivo de coca para produção de cocaína, o governo boliviano encorajou os fazendeiros na região amazônica, no norte do país, a cultivar, processar e exportar a castanha-do-pará.
"No Brasil, o setor está diante de uma grande crise, porque não temos o mesmo tipo de subsídios e isenções fiscais dos bolivianos, e não por causa de algo que a família Mutran tenha feito", reclamou Benedito Mutran, presidente da Associação dos Exportadores de Castanha do Brasil. "Não somos a parte culpada. Somos as vítimas dessa catástrofe, desse furacão chamado Bolívia."
Os Mutran, de origem sírio-libanesa, chegaram ao Brasil no fim do século 19 como mercadores, oferecendo crédito aos catadores de castanha-do-pará em termos lucrativos. Nos anos 30, eles já eram grandes proprietários de terras e mais tarde entraram na política. Muitos elegeram-se prefeitos e parlamentares, que protegiam os crescentes interesses comerciais da família.
"Em seu auge, os Mutran tinham monopólio sobre tudo o que era ligado à castanha-do-pará, da colheita ao transporte e às exportações", disse Marília Emmi, professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. "Grande parte de sua produção estava em terras que pertenciam ao Estado, mas inicialmente foram arrendadas para eles por uma ninharia, como resultado de acordos políticos nos bastidores."
Os Mutran chegaram a estender seus domínios até o Acre, que faz fronteira com a Bolívia e fica a mais de 4 mil km de Marabá. Esforços recentes para a formação de cooperativas independentes, lá e em outros Estados amazônicos, até agora fracassaram por causa de greves de trabalhadores portuários - provocadas pelos Mutran, acusam os críticos -, incêndios ou somente motivos econômicos.
Membros da família não negam o domínio sobre a castanha-do-pará, mas apontam que trouxeram prosperidade à região. "Há só três exportadores importantes de castanha-do-pará no Brasil, e todos nos chamamos Mutran", disse orgulhosamente Aziz Mutran, em um passeio por sua fazenda em Marabá, que inclui uma área de 10 mil acres de castanheiros-do-pará - segundo ele, a última desse tipo na região. "Damos emprego a muitas pessoas e criamos riqueza para o Brasil."
Os críticos contam uma história diferente. "Por causa do monopólio, os Mutran pagavam um preço tão baixo que a produção saiu do mapa", afirma Zico Bronzeado, antigo colhedor de castanha-do-pará que hoje representa o Acre na Câmara dos Deputados. Os preços baixos levaram cultivadores a abandonar o negócio, dizem os críticos, vendendo suas terras a madeireiros e criadores de gado, num processo que desflorestou vastas áreas da Amazônia e enriqueceu ainda mais a elite brasileira.
Para ajudar a quebrar o domínio dos Mutran, o governo do Acre apoiou a construção de uma fábrica de processamento de castanha, que começou a operar recentemente, para competir com fábricas na Bolívia. "Queremos que as exportações partam deste lado da fronteira, para que tenhamos os benefícios aqui", disse Bronzeado, membro do PT.
Pelos cálculos de Bronzeado, o preço pago aos produtores locais de castanha no Acre triplicou desde 2000, graças ao desafio que a Bolívia representou para o monopólio dos Mutran. Como resultado, ex-seringueiros e colhedores de castanha estão abandonando fazendas de gado e voltando à selva para retomar sua atividade - o que tem reduzido o ritmo do desmatamento na região.
No reduto tradicional dos Mutran, Marabá, onde não há competição de forasteiros como os bolivianos, a produção quase desapareceu. Como a maioria dos proprietários de terras na região, os Mutran expandiram as atividades para a criação de gado, derrubando a floresta e seus campos de castanheiros para abrir pastos e evitar que invasores ocupem terras e reivindiquem a posse, argumentando que elas são improdutivas.
Sob a lei brasileira, os proprietários de áreas de castanheiros-do-pará que originalmente pertenciam ao Estado só podem cortar as árvores que foram certificadas como mortas ou "não produtivas". Mas, na corrida para transformar áreas de castanheiros em pastos, a restrição tem sido pouco respeitada ou imposta.
Aqui e ali, ao longo de uma estrada cheia de caminhões transportando madeira e gado, alguns poucos castanheiros-do-pará ainda se erguem solitários nos pastos, desamparados e ressecados. Sem a proteção de outras árvores ao redor, e depois que a densa fumaça espantou as abelhas que os polinizam, eles são facilmente derrubados pelos fortes ventos e tempestades que atingem a área com freqüência.
"O problema é que não há um único monitor para vigiar isso", diz Alfredo Kingo Oyama Homma, biólogo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Belém, a capital estadual. "Assim, isso é um virtual convite à destruição."

OESP, 27/08/2004, p. B12

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