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Casas de veraneio invadem área indígena

FSP, Cotidiano, p.C8
30 de Jan de 2005

Casas de veraneio invadem área indígena
Justiça deve decidir nesta semana o destino dos imóveis; Funai quer que as residências sejam entregues aos índios

Eduardo de Oliveira
Da agência Folha, em João Pessoa e Marcação

O Ministério Público Federal e a Funai (Fundação Nacional do Índio) travam desde 1999 uma disputa na Justiça contra não-índios acusados de construir ilegalmente casas de veraneio na praia de Coqueirinho, localizada dentro da Terra Indígena dos Potiguaras, na região norte da Paraíba.
Uma audiência marcada para quarta-feira deve encerrar o caso na Justiça Federal paraibana, mas caberá recurso da decisão.
Cinco ações civis públicas foram movidas em maio de 1999 contra 36 pessoas identificadas como réus nos processos.
Os dois órgãos públicos argumentam que os não-índios desrespeitaram o artigo 231 da Constituição, que assegura aos índios usufruto exclusivo de terras indígenas homologadas, que pertencem à União e não são passíveis de qualquer tipo de negociação.
Os autores da ação sustentam ainda que os acusados agiram de má-fé. "Logo, a ocupação ou posse dos réus e respectivas edificações vêm a ser de má-fé, por ocorridas mesmo cientes dos obstáculos pertinentes à condição de terra indígena, representando agressões ao bem da União e aos direitos indígenas", afirma nas ações o procurador da República Antônio Edílio Magalhães Teixeira.
"Quem comprou sabia que não estava comprando nada. Na verdade estava apenas sendo autorizado a usar aquela praia", disse.
Segundo a denúncia que deu início ao processo, feita pela Funai, os não-índios cooptaram integrantes da aldeia Camurupim para comprar casas já construídas por índios ao longo da orla ou para que pudessem erguer construções sem que houvesse a interferência da população local.
O cacique da aldeia Camurupim, Robson Cassiano Soares, disse que houve acordos feitos por "debaixo do pano" e que os índios "foram enganados por falsas promessas de ajuda".
O chefe do Serviço de Assistência da Funai na Paraíba, Luís Carlos Sitônio, afirmou que o órgão só tomou conhecimento da irregularidade depois de denúncias feitas pelos índios, quando os acordos já haviam sido feitos.
Segundo levantamento feito pela fundação, há 60 casas ao longo da orla, das quais apenas nove servem atualmente de moradia a índios da aldeia.
Na ação, o Ministério Público e a Funai pedem que as casas sejam revertidas para uso coletivo da comunidade dos potiguaras, sem direito a qualquer tipo de indenização daqueles que hoje se declaram donos dos imóveis.
A praia de Coqueirinho faz parte dos domínios da aldeia Camurupim, onde vivem 160 famílias de índios, segundo estimativa da Funai. Além de terra indígena, a área também abriga uma APA (Área de Proteção Ambiental) destinada à conservação do habitat do peixe-boi marinho na região e de áreas remanescentes de mata atlântica e do manguezal, formado pelo encontro das águas do rio Sinimbu com o mar.
Apesar de se declarar contra a posse das casas por não-índios, o cacique da aldeia disse que é favorável ao turismo na região.
"Defendo aquele turismo ecológico, que não agrida o ambiente e que traga dinheiro para melhorar a vida da nossa população", disse. O chefe do Serviço de Assistência da Funai disse que a atividade não é proibida, desde que tenha o consentimento dos índios.

Cacique reclama de falta de espaço
Escolhido cacique pelo conselho da aldeia Camurupim há duas semanas, Robson Cassiano Soares, 27, disse que a comunidade está se preparando para proibir o acesso de não-índios às casas da praia de Coqueirinho caso a decisão da Justiça seja contrária aos índios. "Por enquanto só a caneta está sendo usada, mas não sei até quando", afirmou.
Robinho, como o cacique é conhecido, disse que a ocupação da praia de Coqueirinho por não-índios tira espaço para a expansão da comunidade. "O que incomoda é esse pessoal dizer que é dono, enquanto nossa aldeia está inchando e estamos ficando sem espaço. Além disso, eles interferem na nossa harmonia", afirmou.
Para o cacique, índios da aldeia foram iludidos para permitir as construções ou mesmo para vender casas que haviam construído à beira da praia. A mesma versão é defendida pelo ex-cacique Manoel Cassiano Soares, 51, pai de Robinho. "Diziam que iriam nos ajudar, com coisas como posto de saúde. Mas eles [não-índios] não trouxeram nenhum benefício para nós", disse.
Apesar da posição contrária à posse das casas ao longo da orla, Robinho disse que acha justa a indenização dos proprietários declarados caso a Justiça decida contra eles. "Queremos apenas o nosso direito de poder circular livremente dentro da reserva, sem passar pelo constrangimento de encontrar espaços cercados."
Indenização
O corretor de seguros Domingos Chagas, 43, disse que há dez anos freqüenta a praia de Coqueirinho ao menos uma vez por mês com a mulher e o casal de filhos. Chagas afirma ter negociado com um índio a compra da casa já pronta e não possuir nenhum documento que sirva de base legal para o negócio.
Questionado pela reportagem sobre a validade da transação, Chagas disse que deixa a casa para trás, desde que receba por ela. "Quero que paguem pela casa e pelas benfeitorias que fiz, como a fossa. Se o governo me indenizar eu vou embora no mesmo dia." E qual valor seria justo? "Acho que uns R$ 20 mil", respondeu. Chagas diz que beneficia os índios, pagando por pequenos trabalhos e distribuindo cestas básicas.
A reportagem percorreu a aldeia na quarta-feira passada e não encontrou outros posseiros para falar sobre as ações na Justiça.

Aldeia tem influência de não-índios
A aldeia Camurupim lembra uma pacata cidadezinha do interior. Localizada na zona rural do município de Marcação, localizado a 72 km ao norte de João Pessoa, ela abriga, de acordo com a Funai, 160 famílias (aproximadamente 700 habitantes).
A idéia de uma aldeia com índios nus ou seminus circulando entre ocas se desfaz logo na chegada ao local.
Praticamente todas as casas são de alvenaria. Apesar de algumas serem rústicas e mal conservadas, a maioria das residências dispõe de serviços de água e luz.
Na casa do ex-cacique Manoel Cassiano Soares, a televisão colorida sobre a estante de madeira na sala demonstra a influência de não-índios sobre os costumes dos potiguaras. "É preciso estar bem informado", disse o ex-cacique.
Para evitar que o tupi, que é a língua original dos potiguaras, seja completamente substituída pelo português, o idioma é ensinado às crianças nas escolas das 22 aldeias espalhadas pela Terra Indígena dos Potiguaras, que possui 21,2 mil hectares.
Além da posição privilegiada, as casas construídas ao longo da orla são maiores e mais bem acabadas em relação às outras da aldeia.

FSP, 30/01/2005, Cotidiano, p. C8

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