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Carta de Olinda reivindica ações imediatas contra a pobreza e a fome

O Globo, O País, p. 4
22 de Mar de 2004

'Carta de Olinda' reivindica ações imediatas contra a pobreza e a fome

Letícia Lins

Instalada na última quarta-feira com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sete ministros, a 2 Conferência Nacional de Segurança e Nutrição Alimentar terminou ontem, em Olinda, com críticas contundentes ao "modelo de política macroeconômica vigente", que juntamente com o custo da dívida pública foi identificado como "a principal causa da insegurança alimentar e nutricional e da exclusão social". Cerca de 1.300 pessoas - inclusive 150 representantes de ministérios - participaram do encontro.

"Esse modelo causa a insuficiência de renda, o elevado nível de desemprego, a concentração da terra, a mercantilização da água, a precarização da educação, limita o acesso à alimentação e nutrição e impede uma vida digna para toda a população brasileira", afirma a Carta de Olinda.

País tem 53 milhões de miseráveis

O documento lembra que "53 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza" e, portanto, em regime de "desnutrição e insegurança alimentar". A Carta de Olinda aponta outras causas do problema: a fragilização da produção de alimentos oriunda da agricultura familiar, a desigualdade de renda, a degeneração dos hábitos alimentares que compromete o patrimônio cultural alimentar, o modelo social discriminatório.

"Reverter esse quadro adverso implica em adotar uma política social e econômica com efetiva distribuição de renda, a imediata redução das taxas de juros e a negociação soberana nos acordos internacionais", sugere a Carta.

Os participantes sugeriram que se submeta "as políticas econômicas e setoriais ao cumprimento de metas sociais, em especial à geração de emprego, trabalho e renda e acesso à moradia digna". Também exigiram a instituição de um sistema nacional de segurança alimentar, com lei orgânica, pois aí a preocupação passaria a ser legalmente obrigatória nos futuros governos.

O Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, destacou que esses problemas não são de hoje:

- O Brasil acumulou ao longo de cinco séculos uma dívida social que nos desafia e nos envergonha. Herdamos um país com 11 milhões de famílias abaixo da linha de pobreza e é este Brasil que estamos tentando redirecionar. Ele defendeu a área econômica:

- O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem muita sensibilidade e muita disposição para buscar alternativas.

O encontro sugeriu ainda uma revisão na política de exportação e importação de alimentos e o fortalecimento da agricultura familiar agroecológica. Decidiu ainda encaminhar duas propostas polêmicas ao presidente Lula: que o governo assuma uma posição contrária à produção e comercialização de alimentos transgênicos, e a revogação da medida provisória que proíbe o Incra de fazer vistorias para fins de reforma agrária em áreas rurais invadidas.

MP de Fernando Henrique permanece no governo Lula

A medida provisória, instituída no governo Fernando Henrique, permanece vigorando no governo Lula. Sua revogação é exigência da maior parte dos movimentos sociais que agem no campo, como o MST e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. As duas sugestões integram um documento com 48 propostas de diretrizes para a Política Nacional de Segurança Alimentar.

A conferência encerrada em Olinda também propôs que o governo se posicione contra os transgênicos "porque ferem a soberania alimentar dos povos e não fornecem garantias que confirmem que esses alimentos não fazem mal à saúde, à agricultura e ao meio ambiente".

Conheça o documento

A seguir, trechos da Carta de Olinda:

"A insegurança alimentar, a desnutrição e a obesidade atingem parcela significativa da população; 53 milhões de brasileiros e brasileiras vivem abaixo da linha da pobreza.

"O modelo de política macroeconômica vigente e o custo da dívida pública são identificados como as principais causas da insegurança alimentar e nutricional e da exclusão social.

"Este modelo causa a insuficiência de renda, o elevado nível de desemprego, a concentração da terra, a mercantilização da água, a precarização da educação, limita o acesso à alimentação e nutrição e impede uma vida digna para toda a população brasileira.

"(...) O modelo social gera discriminação e afeta com maior intensidade a segurança alimentar e nutricional os povos afro-descendentes e indígenas.

"Reverter esse quadro adverso implica em adotar uma política social e econômica com a efetiva redistribuição de renda, a imediata redução das taxas de juros e a negociação soberana dos acordos internacionais.

"(...) A II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional reafirma o direito do povo brasileiro de produzir e consumir os seus próprios alimentos, segundo o princípio da soberania alimentar, de forma a se ver livre da fome, da miséria e da injustiça social."

O Globo, 22/03/2004, O País, p. 4

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