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Caos de Jirau choca operários calejados em grandes obras

FSP, Mercado, p. B9, B11
27 de Mar de 2011

Caos de Jirau choca operários calejados em grandes obras
Ex-funcionário de Tucuruí diz que chefes sabiam que greve estava para estourar, "mas pagaram para ver'
Para soldador com 32 anos de atividade, alojamentos do Madeira são uma "gambiarra'; consórcio vê "distorção"

RODRIGO VARGAS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO

Eles ajudaram a construir refinarias de petróleo no Sul, abriram caminho para a passagem de gasodutos na fronteira com a Bolívia e ergueram barragens sobre rios intocados da Amazônia.
A experiência em algumas das mais importantes obras de infraestrutura do país, no entanto, não preparou esses "ciganos" da construção civil para o caos no canteiro da usina de Jirau, em Rondônia.
No último dia 15, uma briga entre motoristas de ônibus e operários deu início a uma sequência de tumultos que incendiou 70 alojamentos, 43 ônibus e 15 carros no canteiro da hidrelétrica.
A crise ocorreu em meio a uma disputa por espaço entre dois sindicatos.
O Sticcero é ligado à CUT e acusa o rival Sintrapav, vinculado à Força Sindical, de "contribuir" para o caos na obra. O Sintrapav nega.
Com longa carreira pelo país, o soldador Francisco Assis de Medeiros, 53, diz que já presenciou "muita greve" e até briga de soco. "Mas aquilo [Jirau] foi como se tivesse caído uma bomba. Nunca vi nada igual."
Nascido em Natal (RN), sua coleção de crachás conta 32 anos de andanças, no rastro de empreitadas como o gasoduto Bolívia-Brasil e a refinaria de Araucária (PR).
Para ele, alojamentos como os de Jirau, que abrigavam até 12,5 mil pessoas, tendem a intensificar o risco. "Obra boa é quando é possível colocar todo mundo em casa, pousada e hotel. Alojamento daqueles é gambiarra. É muita gente junta", diz.
O gaúcho João Batista Cardoso, 47, chegou a Jirau depois de trabalhar com terraplenagem em três hidrelétricas catarinenses.

VANDALISMO
Viver em canteiro, segundo ele, é "para quem gosta de fila". "É fila para comer, para tomar banho, para receber salário. Sem paciência, você fica louco por lá."
Ele chamou de "vandalismo" o que ocorreu em Jirau, mas criticou a atuação dos funcionários designados pela empreiteira Camargo Corrêa para chefiar as cerca de mil equipes de operários.
"O funcionário fazia um pedido e ninguém ouvia, ninguém corria atrás. Sem apoio, o funcionário fica descontente. E deu no que deu."
Para o presidente do consórcio Energia Sustentável, Victor Paranhos, muitas das queixas foram descritas de "forma distorcida" pela imprensa (leia à pág. B11).
Ex-operário da usina de Tucuruí (PA), um eletricista de 48 anos, que não quis se identificar, afirma que os chefes sabiam que "uma greve estava para estourar, mas pagaram para ver".
Apenas na margem direita do rio Madeira, havia 93 alojamentos com 16 quartos cada uma. Oito trabalhadores dividiam cada quarto.
O grande contingente não gera apenas demandas lícitas: já houve apreensão de maconha e crack e ao menos um homicídio relacionado a dívidas de tráfico.

Outro lado

Imprensa distorceu queixas, diz consórcio
Executivo de Jirau afirma que obras são monitoradas por auditores internos, fiscais e trabalhadores

DO ENVIADO A PORTO VELHO

Victor Paranhos, presidente do consórcio Energia Sustentável, responsável por Jirau, disse à Folha que muitas das queixas dos trabalhadores da usina foram descritas de "forma distorcida" pela imprensa.
"A questão das horas extras, por exemplo. Pelo que saiu nos jornais, parecia que o cara fez hora extra e não recebeu. E isso não é verdade."
O que os trabalhadores queriam, de acordo com o diretor, era a possibilidade de trabalhar mais do que o limite de 40 horas extras mensais previstas em lei.
"Em todas as obras, barrageiro [como é chamado esse tipo de trabalhador] vai para ganhar dinheiro. Então ele quer ficar aqui no domingo fazendo o quê? Horas extras, para ganhar mais. Mas existe o limite previsto na lei."
Paranhos disse que as obras da usina de Jirau são acompanhadas não apenas por auditorias internas e a fiscalização de órgãos públicos mas também pelos próprios trabalhadores e seus telefones celulares.
"A Vivo vendeu 30 mil celulares na região. Se você buscar no YouTube por "Jirau", o que aparece de foto e vídeo de peão tirados aqui é uma grandeza", disse.
Segundo Paranhos, a obra passa por auditoria interna a cada três meses, a última foi em outubro, afirmou.

FISCALIZAÇÃO
Em novembro e março, segundo ele, a obra recebeu a visita de equipes técnicas do Ministério de Minas e Energia, que avaliaram o status da obra e o andamento de programas sociais. Em dezembro, houve fiscalização do Ministério do Trabalho.
"Não falta fiscalização, nem nossa como empreendedores, nem das autoridades, nem do ministério, nem da Aneel", afirmou.
Paranhos voltou a cobrar que o governo federal forneça segurança a obras privadas de grande porte. Jirau está sob a guarda de 160 homens da Força Nacional.
"A Camargo tem segurança patrimonial. Se ela apanhar um sujeito com crack, não tem o direito de prender a pessoa. Perde-se o flagrante e você não consegue cortar o tráfico", disse.
(RV)

FSP, 27/03/2011, Mercado, p. B9, B11

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2703201109.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2703201110.htm

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