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Canudo universitário vira trunfo no duelo entre índio e fazendeiro

O Globo, País, p. 9
16 de Jun de 2013

Canudo universitário vira trunfo no duelo entre índio e fazendeiro
Proporção de indígenas com nível superior mais que dobrou em 10 anos

Sérgio Roxo

SÃO PAULO - O canudo universitário virou arma no conflito de terras entre fazendeiros e índios no Mato Grosso do Sul. Nos dois lados, a busca por uma melhor formação tem sido, em muitos casos, o caminho para obter mais argumentos no embate que se arrasta há anos, mas ganhou destaque nas últimas semanas.
Entre os índios são muitos os casos dos que foram para a universidade. Um deles é o da guarani caiová Valdelice Veron, professora da Universidade Federal da Grande Dourados. Filha do cacique Marcos Veron, assassinado em 2003, na Fazenda Brasília do Sul, na cidade de Juti, área reivindicada por sua tribo, Valdelice é hoje uma das principais lideranças de sua etnia, a maior de Mato Grosso do Sul, com 37,6 mil integrantes.
No lado dos fazendeiros, chama a atenção a história da fazendeira Roseli Ruiz, que, depois de ter a sua propriedade invadida no final dos anos 90, foi estudar Direito e, em seguida, Antropologia. Hoje, faz estudos que contestam relatórios da Funai sobre a ocupação de índios em várias regiões do estado.
O Censo do IBGE mostra que o número de indígenas com nível superior mais que dobrou na década passada, passando de 8 mil para 17 mil. Mas ainda são apenas 2% do total dessa população em 2010 (era 1% em 2000).

'Hoje não se engana mais o nosso povo', diz líder terena

"No passado, os nossos avós foram muito ludibriados. Hoje, não se engana mais o nosso povo". A declaração é do pedagogo Alberto Terena, de 46 anos, que na semana passada esteve em Brasília e em Campo Grande para representar a sua etnia em reuniões com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
- Agora, quando querem nos enganar, a gente sabe como agir - afirma.
Alberto faz parte da tribo que, em maio, invadiu a Fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS). Na ação de reintegração de posse da área pela Polícia Federal e pela Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, no dia 30, o terena Oziel Gabriel foi morto com um tiro.
- Eu pude ter esse conhecimento e ajudo o meu povo - afirma Alberto, que se formou em 2004, no campus de Aquidauna da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Hoje, 75 dos seis mil índios da reserva indígena Buriti cursam universidade.
- Faltavam muitos professores na aldeia e decidi cursar Pedagogia - conta o terena, que é professor do 5o ano na escola da aldeia Buriti.
Nas reuniões em Brasília, Alberto teve ao seu lado um índio que foi ainda mais longe na carreira acadêmica. Tonico Benites, de 42 anos, faz doutorado em Antropologia na UFRJ. Integrante da etnia guarani caiová, começou com a graduação em Antropologia Social na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. No mestrado, já no Rio, pesquisou a educação escolar entre os indígenas. Agora, no doutorado, vai estudar os movimentos dos índios e a sua participação política.
Tonico hoje também é professor da Universidade Federal da Grande Dourados. Mesmo vivendo fora da aldeia Jaguapiré, na cidade de Tacuru, onde nasceu, ele manteve a sua ligação com as reivindicações da etnia. Diz que sempre está presente aos congressos dos guarani caiová, que são realizados a cada três meses.
- São grandes congressos em que são discutidas educação, condições de saúde e questões fundiárias. Sou requisitado para fazer traduções e redigir documentos, já que muitas lideranças mais velhas falam só a nossa língua e não o português - afirma.
Uma das principais reivindicações da etnia é a demarcação de 36 áreas no estado. Foi para debater essa questão que Tonico esteve em Brasília junto com os terenas:
- No passado, falava-se que a escola apagaria a identidade e a memória dos índios. Mas, na verdade, serve para conhecermos e valorizarmos mais a nossa cultura.

O Globo, 16/06/2013, País, p. 9

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