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Cana invade zona biodiversa do cerrado

FSP, Ciência, p. A19
12 de Abr de 2008

Cana invade zona biodiversa do cerrado
Levantamento indica que 142 mil hectares de áreas prioritárias para a conservação viraram canavial na safra 2006/2007
Em Sertãozinho, interior de SP, duas áreas classificadas pelo governo federal como altamente prioritárias para conservação têm plantações

Pablo Solano
Da agência Folha

Uma total de 142 mil hectares de cerrado -o equivalente ao tamanho da cidade de São Paulo- considerados prioritários para abrigar unidades de conservação foram transformados em canavial na safra 2006/2007. Os dados são de estudo do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).
O cerrado é o segundo bioma mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil. Com 39% de sua área desmatada, fica somente atrás da mata atlântica, da qual restam de 7% a 24% (dependendo da conta que se faça). Ambientalistas temem que a febre dos biocombustíveis acelere a devastação do cerrado e empurre a pecuária de lá para a Amazônia.
O Ministério do Meio Ambiente atualizou em 2007 seu mapa das áreas dos vários biomas brasileiros que devem receber prioridade para o estabelecimento de unidades de conservação pelo Instituto Chico Mendes. Foi nesse mapa que se baseou o estudo do ISPN.
Os dados da atualização foram cruzados com informações do Canasat, um sistema de sensoriamento remoto criado para mapear as áreas com canaviais em oito Estados brasileiros.
A lista é liderada por São Paulo (86 mil hectares desmatados), seguido por Minas Gerais (25 mil), Goiás (13 mil), Mato Grosso (12 mil) e Mato Grosso do Sul (6.000).
Para o coordenador de política públicas do ISPN, Nilo D'Avila, a solução para o problema depende de políticas do governo federal para incentivar a expansão da cana em áreas subutilizadas por outras culturas.

Sertãozinho
Segundo o estudo do ISPN, 60,5% do desmatamento em áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade no cerrado ocorreu no Estado de São Paulo -maior produtor de açúcar e álcool do país.
Na região de Sertãozinho, por exemplo, duas áreas consideradas prioritárias para a preservação, uma classificada pelo Ministério do Meio Ambiente como "extremamente alta" e outra como "muito alta", estão sendo ocupadas pela cana.
Dentro da área de prioridade "extremamente alta" funciona uma usina. Além disso, outras duas usinas funcionam nas proximidades, o que impulsiona a devastação. De acordo com D'Avila, as áreas podem receber parques de suporte à reserva biológica de Sertãozinho, uma unidade de conservação já estabelecida no local.
Ambas, de acordo ele, poderiam ser ligadas à atual reserva biológica por meio das matas ciliares e dos rios da região e colaborariam para preservar as espécies locais.
D'Avila também afirma que a região é importante para a preservação de características da transição entre a mata atlântica e o cerrado.

Goianésia
Apesar de São Paulo concentrar o maior índice de desmatamento do estudo, o Centro-Oeste é apontado por D'Avila como a região onde existem mais áreas com características originais de cerrado que podem ser desmatadas.
Ele aponta como exemplo as proximidades da cidade de Goianésia, no Estado de Goiás, onde o avanço dos canaviais coloca em risco atividades agroextrativistas na região.
"Lá existe uma série de produtos muito consumidos regionalmente e que sustentam quantidade significativa de famílias", afirma D'Avila.

Efeito sobre a Amazônia é indireto

Da agência Folha

O avanço do álcool não deve atingir diretamente a Amazônia, mas pode colaborar para o seu desmatamento, afirma o coordenador de políticas públicas do ISPN, Nilo D'Avila.
A alta incidência de chuvas na floresta é considerada pelo setor agrícola como um fator desfavorável para a produção de cana.
De acordo com D'Avila, a expansão canavieira no Centro-Oeste, onde há condições favoráveis para o cultivo, está valorizando áreas ocupadas pela pecuária, o que incentiva os criadores de gado a vender terras para canavieiros.
Capitalizados, os pecuaristas teriam como opção comprar terras na região amazônica. Áreas no Pará estão livres da febre aftosa, o que favorece a pecuária.
Sobre o potencial da migração da pecuária do Centro-Oeste para a Amazônia, D'Avila lembrou da brincadeira que aponta Paragominas, no Pará, como "a segunda maior cidade goiana". (PS)

outro lado

Desmatamento causado pelas usinas é "insignificante", diz entidade do setor

Da agência Folha

O desmatamento provocado pela produção canavieira foi classificado como "insignificante" pelo assessor da comissão nacional de cana-de-açúcar da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), José Ricardo Severo.
De acordo com ele, a maior parte das novas plantações de cana-de-açúcar foram implantadas em áreas antes destinadas para a pecuária. No restante, afirma, a cana aproveitou terras da produção de grãos.
Severo afirma que a CNA não foi procurada para evitar o avanço da cana nas áreas prioritárias para a criação de unidades de conservação.
Entretanto, a CNA afirma atuar em parceria com o governo federal para implantar o zoneamento agroeconômico pelo Brasil, o que definirá as áreas em que a agropecuária receberá incentivos públicos.
Ele diz não acreditar que a cana ponha em risco o cerrado e afirma que gado e grãos podem continuar cedendo terras para o setor sucroalcooleiro atingir sua meta de ocupar 15 milhões de hectares até 2015.
Severo cita dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) que apontam que a atual safra da cana ocupa 6,96 milhões de hectares no Brasil. Enquanto isso, afirma ele, as pastagens ocupam 120 milhões, e os grãos, 50 milhões.
O assessor também diz não concordar que a cana possa causar a migração da pecuária para a região amazônica. Ele afirma que a febre aftosa ainda é um problema na região e que as dificuldades de transporte inviabilizam o deslocamento da atividade.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciou sobre o assunto. (PS)

FSP, 12/04/2008, Ciência, p. A19

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