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Camara russa aprova Protocolo de Kyoto

FSP, Ciencia, p.A17
Autor: GOLDEMBERG, José
23 de Out de 2004

Acordo internacional depende agora da assinatura do presidente Vladimir Putin para entrar em vigor em 2005
Câmara russa aprova Protocolo de Kyoto
Da redação
A Duma, Câmara Baixa do Parlamento russo, aprovou ontem o Protocolo de Kyoto, acordo ambiental internacional que prevê a redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa.
A proposta foi sancionada por 334 votos contra 73, com duas abstenções. Ela deve ser analisada pela Câmara Alta no dia 27, segundo a agência de notícias Interfax, e então seguirá para o presidente Vladimir Putin, que terá 15 dias para assinar o texto.
Caso a Rússia confirme sua participação, o acordo passa a vigorar no ano que vem, com 61% das emissões registradas pelos países ricos em 1990. O protocolo precisa ser aprovado como lei por pelo menos 55 países que respondam por 55% das emissões do mundo industrializado registradas em 1990. Atualmente, tem o apoio de 126 nações, entre elas o Brasil, que se comprometem a reduzir as emissões até 2012.
A Rússia -terceiro maior emissor de dióxido de carbono do mundo- detém o poder de salvar o tratado ou deixá-lo escorregar pela mesa de negociações desde 2001, quando os EUA, principal nação poluidora, rejeitaram Kyoto ao alegar dano à economia.
Putin usou a posição favorável como ferramenta política a partir de então. A comunidade internacional já cogitava acordos alternativos ao protocolo -como planos unilaterais europeus- para reduzir o impacto dos gases poluentes no ambiente.
Em maio, o presidente russo demonstrou interesse em apressar a ratificação do acordo em troca do apoio da União Européia para a entrada russa na Organização Mundial do Comércio. Em setembro, pediu a seus ministros que aprovassem os termos e agilizou a votação na Duma, majoritariamente governista.
A aprovação, apesar de esperada, foi comemorada pelos ambientalistas. "Brindaremos à Rússia com vodca", disse Steve Sawyer, do Greenpeace. "Os inimigos de Kyoto devem estar imersos em desgosto", afirmou Jennifer Morgan, do WWF (Fundo Mundial para a Natureza).
Na sede da União Européia, na Bélgica, o resultado foi comemorado com champanhe russo. O presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, disse que o protocolo "pode não ser perfeito", mas o defendeu como a "única ferramenta efetiva disponível" para combater o efeito estufa.
Para o diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Klaus Töpfer, a decisão é um incentivo aos esforços globais para alcançar as metas do acordo, ainda que "o objetivo de estabilizar o clima e assegurar o equilíbrio do planeta esteja distante".
O efeito estufa é um dos motivos apontados para explicar a elevação das temperaturas globais. Críticos afirmam que trilhões de dólares serão gastos para que Kyoto seja colocado em prática sem que o problema ambiental seja contido -especialmente se países em desenvolvimento, como a China, não forem incluídos.
"Há problemas muito mais importantes para serem resolvidos, como Aids, malária e má nutrição", disse o dinamarquês Bjorn Lomborg, autor do livro "O Ambientalista Cético".
Em Washington, o Departamento de Estado anunciou que não tem intenção de mudar de posição. "Não acreditamos que o Protocolo de Kyoto seja adequado para os Estados Unidos", afirmou o porta-voz Adam Ereli.
Com agências internacionais

Analise
Enfim, o Protocolo de Kyoto!
José Goldemberg
Especial para a Folha
A ratificação do Protocolo de Kyoto pela Câmara Baixa da Rússia, por 334 votos a favor e 73 contra, encerra de forma vitoriosa uma luta que já dura sete anos e que muitos de nós já considerávamos perdida.
A entrada em vigor do protocolo significa que os países industrializados -com exceção dos EUA- vão reduzir suas emissões de gases que provocam o efeito estufa de modo a reduzi-las em 5% (abaixo do nível de emissões de 1990) até 2012. Para que eles consigam fazer isso são necessárias medidas tomadas em cada um deles, como economizar energia e usar fontes renováveis, substituindo combustíveis fósseis.
Com a entrada em vigor do protocolo, começam a funcionar três mecanismos que vão ajudar muitos deles a cumprir as metas de redução acordadas em Kyoto, em 1997. Esses mecanismos são a troca de certificados de emissões e a implantação conjunta de certas ações que só poderão ser usadas pelos países industrializados.
O terceiro deles é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que vai beneficiar também os países em desenvolvimento. Projetos realizados nesses países -entre os quais o Brasil-, tais como plantar árvores em áreas degradadas (que retiram carbono da atmosfera), poderão dar origem a certificados a serem comprados pelos países industrializados. Estima-se que retirar uma tonelada de carbono da atmosfera valha US$ 10, o que significa que vários bilhões de dólares poderão ser obtidos dessa forma.
O Protocolo de Kyoto se deve em boa parte aos negociadores brasileiros que apresentaram proposta de atribuir um valor financeiro ao carbono emitido. Os países industrializados que ultrapassassem suas cotas teriam de pagar uma taxa e os recursos arrecadados (bilhões de dólares) seriam usados para ajudar os países em desenvolvimento a adotarem "tecnologias limpas". A proposta foi substituída pelos mecanismos listados acima, que eram mais atraentes aos proponentes de um "mercado de carbono". Os EUA, que aceitaram a solução, acabaram por não ratificar o acordo.
O fato de ele ter conseguido apoio suficiente isola os EUA, que vão ficar fora de um mercado que pode ser dinâmico e lucrativo. Essa deve ser a razão que convenceu os russos a aderirem, assim como a forte pressão exercida pela União Européia.
Abre-se agora uma nova fase em que se começa a implementar Kyoto e a discutir sua ampliação. As reduções de emissões previstas não bastarão e para 2025 limitações maiores terão de ser impostas, bem como negociar a participação da China, Índia e Brasil.
O Brasil tem muito a lucrar de imediato com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e esperamos que a pesada burocracia da comissão interministerial que cuida desse assunto seja removida. Caso contrário, China e Índia se apropriarão do mercado.
Além disso, o Brasil pode e deve exercer um papel de liderança na discussão do que se deve fazer no futuro, como fez em Kyoto. O Brasil é um dos grandes emissores de carbono devido ao desmatamento da Amazônia, o que significa que tem um papel central em qualquer negociação. Não convém desperdiçar a oportunidade.
José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

FSP, 23/10/2004, p. A17

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