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Calor irreversível

O Globo, Ciência, 40
22 de Nov de 2012

Calor irreversível
Relatório da ONU diz que aumento de temperatura será de no mínimo 2 graus Celsius

DEMÉTRIO WEBER
demetrio@bsb.oglobo.com.br

BRASÍLIA- O mundo está mais longe de atingir a meta de redução da emissão de gases-estufa traçada para 2020 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). No atual ritmo, projeta o novo relatório da entidade, o planeta chegará a 2020 com níveis de emissão capazes de elevar, até o fim do século, a temperatura global em mais de 2 graus Celsius.
Para que os termômetros não subam este nível até o fim do século, o Pnuma estabeleceu uma meta a ser alcançada em 2020, quando se espera que entre em vigor um novo acordo internacional sobre emissão de gases. O cálculo foi feito com base em quantos gases podem ser liberados sem prejuízo à temperatura global.
Elaborado por 55 cientistas de 22 países, entre eles o Brasil, o Relatório sobre as Emissões Excedentes de Gases de Efeito Estufa 2012 estima que foram emitidos 50,1 gigatoneladas (Gt) de gases em 2010, sendo 1,6 Gt pelo Brasil. A meta do Pnuma é que a marca mundial caia para 44 Gt em 2020. Este índice equivale a 11 milhões de Maracanãs cheios de CO2, num dia em que a temperatura seja de 25 graus Celsius.
O relatório alerta, porém, que os atuais compromissos firmados pelos países para reduzir emissões não serão suficientes para atingir este objetivo.
De acordo com as projeções do Pnuma, mesmo no melhor cenário, a emissão de gases ficará em 52 gigatoneladas em 2020. Caso nenhuma nova medida seja adotada, o volume de gases emitidos atingirá 58 Gt.
- Se não reduzirmos essa distância, caminhamos para o risco de que a temperatura média aumente de 3 a 5 graus Celsius - calculou o professor da Uerj Ronaldo Seroa, um dos brasileiros responsáveis pela elaboração do documento.
Seroa participou da apresentação do documento em Brasília, na sede do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o texto, a emissão de gases do efeito estufa cresceu 20% desde 2000. E a demora dos países em intensificar medidas mitigatórias elevará de 10% a 15% os custos com redução de emissões após 2020, estima o relatório.
RISCO DE DEPENDER DE AVANÇOS INCERTOS
Enquanto a maioria dos países ricos está disposta a reduzir emissões, a Rússia é destacada no relatório como exemplo negativo, na medida em que se projeta que a quantidade de gases que emitirá em 2020 será maior do que a atual.
O documento mostra que há caminhos para reduzir a emissão de gases-estufa, como o uso de energia limpa (que cortaria até 3,9 Gt), maior eficiência na indústria (até 4,6 Gt) e evitando o desmatamento (4,2 Gt) - nesta área, o Brasil é apontado como exemplo mundial.
Seroa observou que o mundo até poderia se dar ao luxo de postergar as ações mitigatórias para depois de 2020, considerando que a preocupação com o aquecimento global se estende até o fim do século. O problema, porém, é que, quanto mais adiar a solução, mais a Humanidade dependerá de novas tecnologias e avanços ainda incertos. Ele deu o exemplo da técnica de soterramento de CO2, que retira o gás da atmosfera e o aprisiona debaixo do solo.

Europa diz que já sofre efeitos do aquecimento global
Danos provocados por eventos extremos dobrou em 20 anos, segundo novo levantamento

Os efeitos das mudanças climáticas já são evidentes na Europa, e a situação deve piorar, segundo alerta da Agência Europeia do Ambiente (AEA). Em seu novo levantamento, a instituição demonstrou que a última década foi a mais quente desde o início da medição de temperaturas no continente.
Também de acordo com o documento, o prejuízo causado por extremos climáticos está aumentando. O custo destes eventos pulou de US$ 8,4 bilhões nos anos 80 para US$ 15,6 bilhões na década passada. Os números serão anunciados na próxima semana, durante a 18ª Conferência do Clima, em Doha, no Qatar.
O levantamento junta-se a outro estudo, também lançado ontem, que mostra um crescimento perigoso na "lacuna de emissões" - a diferença entre o atual nível de liberação de carbono para a atmosfera e aquele necessário para evitar as mudanças climáticas.
- Todos os indicadores disponíveis que podem nos dar um panorama sobre as mudanças climáticas e o crescimento de nossa vulnerabilidade aponta resultados muito fortes - observa a diretora-executiva da AEA, Jacqueline McGlade. - É algo que também acontece aqui, não são apenas as temperaturas globais. E que pode se manifestar em aspectos da saúde humana, nas florestas, no nível do mar, na agricultura e na biodiversidade.
Assinado por mais de 50 pesquisadores de diversas organizações, o documento lista uma série de medidas-chave a serem tomadas pelos Estados europeus, como reconhecer que as mudanças climáticas já provocam uma enorme gama de impactos nos sistemas ambientais, e que estas transformações podem aumentar as vulnerabilidades já observadas - como enchentes recentes e a inundação recorde de Veneza - e aprofundar o desequilíbrio socioeconômico.
MAIS PESSOAS E INFRAESTRUTURA EM RISCO
A Convenção das Mudanças Climáticas da União Europeia estabeleceu como meta limitar o crescimento da temperatura média global em 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.
Mas, para os autores do novo relatório, mesmo que as recomendações sejam seguidas, o continente deve experimentar "impactos substanciais na sociedade, na saúde humana e nos ecossistemas". Para limitar estes abalos, os especialistas aconselham a criação de estratégias de adaptação para que os danos à infraestrutura, à habitação e aos negócios de cada país sejam minimizados.
A Comissão Europeia deve publicar medidas de adaptação no ano que vem, esboçando normas que ajudariam os 27 países do bloco a lidar com futuras mudanças climáticas.
Algumas das recomendações seriam aumentar a eficiência no uso de recursos hídricos e a adaptação de códigos de construção, para que novas edificações resistam a condições meteorológicas extremas.
Para Jacqueline, as medidas são essenciais para o bloco reagir à "prova do clima".
- A Europa e outras localidades do mundo estão descobrindo que, além de ser importante entender o que acontece no globo, precisamos saber o que está acontecendo aqui, em nível regional - alerta Jaqueline. - Isso é o que realmente determinará como as economias vão resistir à tempestade.
Andre Jol, um dos autores do relatório e diretor do grupo de vulnerabilidade e adaptação do AEA, acrescenta:
- Uma das principais mensagens deste trabalho é que, no futuro, com os aumentos projetados na frequência e na intensidade dos eventos extremos, as mudanças do clima contribuirão para elevar os custos e os danos decorrentes destes fenômenos naturais. Haverá cada vez mais pessoas e infraestrutura em áreas expostas a algum risco ambiental.

O Globo, 22/11/2012, Ciência, 40

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