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'Caixa d'água' do Brasil, Cerrado encolhe 43%

O Globo, País, p.13.
23 de Mar de 2018

'Caixa d'água' do Brasil, Cerrado encolhe 43%
Bioma abriga nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul

POR PATRIK CAMPOREZ
23/03/2018 4:30 / ATUALIZADO 23/03/2018 15:09

NOVA CANAÃ (DF) - O produtor rural Lindomar Vieira de Souza, de 46 anos, é testemunha da destruição de diversos rios e córregos do Distrito Federal provocada pelo desmatamento e pela ocupação desordenada do solo.
- Os leitos morreram e a água nunca mais brotou - lamenta.
A preocupação de Lindomar aumentou, nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, quando o entorno da comunidade onde mora, a Nova Canaã, passou a ser invadida por loteamentos irregulares. Isso significou mais uma ameaça ao já castigado Córrego do Reino, de onde ele retira água para irrigar dois hectares de hortaliças. É que, junto com a ocupação desordenada do solo, começou uma corrida por água na região. Moradores recém-chegados têm perfurado poços cada vez mais profundos para retirar o recurso do subsolo.
- O córrego que nossa comunidade usa há décadas vai desaparecer também - teme Lindomar, que, nas duas últimas décadas, presenciou a vegetação nativa do Cerrado ser substituída por imensas áreas de pastagens e plantações de soja.
A realidade de Lindomar e da comunidade onde ele mora, no entorno do Distrito Federal, vai de encontro a uma grave constatação da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): o Cerrado brasileiro, considerado o segundo maior bioma da América do Sul, está desaparecendo do mapa. Pesquisas dessas instituições descobriram que o Cerrado, que originalmente ocupava 22% do território nacional, tem perdido por dia aproximadamente 1,7 mil hectares. A área devastada já representa 43,42% de sua área original.
No Cerrado, estão as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata). O bioma também guarda nascentes que abastecem rios de 10 das 12 maiores bacias hidrográficas do Brasil. Não por acaso, o bioma que atravessa a metade dos estados brasileiros é chamado, por ambientalistas e pesquisadores, de "caixa d'água do Brasil".
Professor do departamento de Zoologia e coordenador da pós-graduação em Ecologia na UnB, Ricardo Bonfim Machado explica que a vegetação do Cerrado funciona como uma esponja, absorvendo e liberando aos poucos a água da chuva. Por isso, a remoção da vegetação implica a redução da disponibilidade hídrica para o país.
- O Cerrado é a caixa d'água do Brasil, pois a maior parte dos rios do país nascem aqui. Além disso, tem um regime de concentração de chuva muito marcado, que faz com que a remoção da vegetação altere a forma como a água é armazenada.
Segundo pesquisas da UnB, o Cerrado tem sofrido uma processo de devastação mais intenso do que a Amazônia. A vegetação nativa deu lugar principalmente a pastagens, plantações de soja e a áreas degradadas. Onde havia abundância de água, agora predomina um cenário de disputa e tensão para sugar o maior volume possível dos mananciais para irrigar as plantações.
A agropecuária de baixa produtividade, a expansão urbana, o desmatamento, as queimadas e a mineração são as atividades que mais colocam em risco a vegetação e os animais. A vegetação nativa também deu lugar a pastagens e a áreas degradadas. Onde havia abundância de água, agora predomina um cenário de disputa e tensão para sugar o maior volume possível dos mananciais.
- Existe uma expansão desordenada, não planejada, muitas vezes invadindo áreas de grandes concentração de nascentes, importantes para a captação. São áreas prioritárias para proteção e preservação, mas que os governão não dão a devida importância - afirma Bonfim Machado.
O pesquisador alerta que a curva do desmatamento tem aumentado, depois que o cerrado foi identificado como ambiente favorável à expansão da agricultura.
- Isso tem gerado problemas na regulação do ciclo hídrico. No Distrito Federal, a gente tem observado a queda no nível dos reservatórios, que em boa parte é associado à remoção da vegetação nativa.
Para Rodrigo Silva Pinto, coordenador do Centro Nacional de Avaliação da Biodiversidade e de Pesquisa e Conservação doCerrado (CBC), falta de água nos grandes centros não culpa apenas das secas, nem apenas responsabilidade exclusiva dos desmatamentos.
- A causa do desabastecimento é multifatorial. É claro que o período de seca influencia, mas a retirada da vegetação também não permite que a água da chuva seja captada. Aí quebra o ciclo de recarga de aquíferos, de nascentes. Como é removido a vegetação, a chuva cai diretamente no solo, causando erosão e o assoreamento dos rios - explica.
O pesquisador ressalta que assentamentos urbanos irregulares têm agravado o impacto contra as áreas protegidas do cerrado. _ Mas, certamente, o agronegócio e sua expansão desmedida é o problema mais importante atualmente. Sem excluir o fato de que, sem dúvida, o agronegócio é uma atividade de suma importância para a economia do país. Mas precisa ter um planejamento conjunto para que certas áreas sejam preservadas - avalia.
Tanto Rodrigo como Machado concordam que falta uma política clara de preservação do cerrado. _ A preocupação e os olhares voltados para a Amazônia deixam o Cerrado em segundo plano. Nosso modelo tradicional de preservação não funciona mais. Não tem dinheiro do governo, e ainda há muita resistência em proteger o errado - completa o professor da UnB.
Já Rodrigo Silva Pinto defende que propriedades rurais sejam tratadas como empresas, já que elas fazem parte da cadeia produtiva, para que se possa exigir a devida responsabilização das mesmas por crimes cometidos contra o cerrado.
- O governo está estimulando a expansão do agronegócio, mas devia estimular os bons proprietários e punir os maus proprietários - completa ele.

O Globo, 23/03/2018, País, p.13.

https://oglobo.globo.com/brasil/caixa-dagua-do-brasil-cerrado-encolhe-4…

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