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Cafezais em meio à mata nativa

O ECO - www.oeco.com.br
Autor: Felipe Lobo
08 de Jun de 2009

O Pontal de Paranapanema compreende 21 municípios e é uma das regiões mais pobres e desmatadas do estado de São Paulo. Situado na divisa com o Paraná, o local recebeu ocupação desordenada e, graças ao avanço desordenado da agropecuária e da cana-de-açúcar, guarda hoje menos do que 2% de sua cobertura original de mata nativa. O restante é basicamente usado por seis mil famílias, assentadas pela reforma agrária em 104 lotes.

Entre os poucos fragmentos restantes, o maior deles encontra-se no Parque Estadual Morro do Diabo, com 37 mil hectares. A grande maioria dos outros pedaços não passa de dois mil hectares. Para tentar reverter o isolamento das áreas de vegetação e os problemas ambientais associados, o Instituto de Pesquisa Ecológica (Ipê) criou o projeto Café com Floresta. Oito anos depois, o que se vê são terrenos em que cafezais e cultivo de mudas da Mata Atlântica caminham lado a lado, ou muitas vezes, entrelaçados.

A história de luta por terras e desflorestamento no Pontal começou a mudar em 1996, quando o geógrafo Jefferson Lima foi convidado a atuar com trabalhadores sem terra no local. Ao montar a comissão de meio ambiente dentro da equipe técnica do grupo, Lima conheceu Patrícia Médici e Laury Cullen, funcionários da não-governamental Ipê. Não demorou muito e, ao pedir demissão do antigo emprego, foi convidado a atuar na entidade, justamente no trânsito entre produtores rurais e preservação ecológica.

"Comecei a criar ilhas de biodiversidade a partir de um programa elaborado pelo ProBio (programa oficial de Conservação e utilização Sustentável da Diversidade Biológica), mas elas eram muito pequenas", diz ele, que também é mestre em agroecologia e desenvolvimento rural sustentável. Como as conexões eram quase imperceptíveis, já que poucos proprietários aceitavam plantar mudas nativas, havia enorme pressão de atividades econômicas penetrando pelas bordas das florestas e interferindo em ciclos naturais.

A sorte do projeto se inverteu quando uma produtora local perguntou a Jefferson se poderia plantar café. "Respondi que sim, mas só se ele fosse sombreado por árvores da Mata Atlântica", explica. Depois de alguma recusa, ela topou e, quase sem querer, fez uma estratégia-piloto do trabalho que em dois anos completará uma década. "Já em 2001, participamos de um edital da Fundação O Boticário e ganhamos. Assim, conseguimos recursos para o projeto durante os quatro anos seguintes. No final deste período, atingimos 40 lotes", completa Lima.

Benefícios climáticos

O processo é simples: cada um dos lotes pode usar, para o projeto Café com Floresta, até um dos cerca de trinta hectares disponíveis. Neste espaço, são plantadas quatro mil mudas de café e 800 de espécies nativas da Mata Atlântica. Além disso, árvores frutíferas são colocadas ao lado de exóticas, que crescem mais rápido e ajudam a sombrear a cultura em um curto espaço de tempo. "O ideal para o café, sem dúvida, é a meia sombra", diz Lima.

Os benefícios para o meio ambiente e os agricultores não param por aí. Ao plantar mudas nativas próximas aos fragmentos originais ainda de pé, um dos pré-requisitos básicos do projeto no momento de escolher os lotes de assentamentos, o Café com Floresta auxilia no fluxo de animais e plantas por formar corredores ecológicos onde antes existia monocultura de cana-de-açúcar. Além disso, potencializa o recebimento de água dos lençóis freáticos em função da absorção da chuva pelas raízes e fornece matéria orgânica para oxigenar o solo.

O resultado da equação é um café muito saboroso e com baixíssimo custo, uma vez que os insumos necessários ao plantio são obtidos dentro dos próprios lotes. Basta ver o adubo, por exemplo, orgânico e criado a partir de esterco de gado e pó de rocha. "Antigamente, eu plantava café com adubo químico, passava veneno agrotóxico para matar praga, e no final não tínhamos lucro algum. Já havia até deixado a cultura de lado. Mas agora não temos despesa, só lucro", avisa José Santiago, um dos produtores que adotaram a idéia. "As minhas árvores já estão enormes, parece uma reserva natural. E fica só a mil e duzentos metros do morro do diabo", finaliza.

O maior benefício ambiental, no entanto, talvez seja o seqüestro de carbono. De acordo com Jefferson, o Ipê está agora trabalhando em um levantamento para mensurar o volume do gás retirado da atmosfera. "Mas temos certeza que é bastante", diz.

A mesma impressão tem o engenheiro agrônomo Eduardo Assad, da Embrapa. Para ele, a mistura de café com vegetação original pode gerar resultados positivos no Pontal, já que se trata de uma região muito quente e capaz de interromper a produção. "A flor aborta e acaba com a colheita se a incidência de sol e calor for alta", afirma.

Assad explica que o sistema de agroflorestas é uma das alternativas para o futuro e deve ser levado em consideração nas políticas públicas. E não apenas o café. "Essa cultura pode ter saído na frente, mas é possível haver uma integração entre grão, pasto e árvore. E pode auxiliar não só o Pontal, mas também em outras regiões que estejam perdendo produtividade em virtude do calor", assegura.

Enquanto isso, o Café com Florestas segue firme na divisa entre São Paulo e Paraná, com patrocínios da Natura e do PDA Mata Atlântica (Projetos Demonstrativos do Ministério do Meio Ambiente). Hoje com 90 hectares espalhados pelo mesmo número de lotes, o programa do Ipê também gera recursos extras para o produtor, que pode manejar as madeiras nativas conforme elas crescem, para manter a meia sombra necessária ao café e sempre com suporte técnico dos especialistas da entidade. O bolso e a natureza agradecem.

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