VOLTAR

Burocracia faz concessão de usina da Votorantim vencer antes de gerar energia

OESP, Economia, p. B1
16 de Fev de 2014

Burocracia faz concessão de usina da Votorantim vencer antes de gerar energia

Na divisa entre SP e PR, a usina foi concedida por decreto presidencial em 1988 à Companhia Brasileira de Alumínio e, desde então, passou por três estudos de impacto ambiental, uma licença prévia suspensa e muitas mudanças no projeto

Renée Pereira, de O Estado de S. Paulo

RIBEIRA (SP) E ADRIANÓPOLIS (PR) - Em quatro anos, a concessão da Hidrelétrica de Tijuco Alto, na divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná, vai acabar sem que nenhum centímetro de barragem tenha sido erguido e nenhum megawatt de energia, gerado. Concedida em setembro de 1988, por meio de decreto presidencial, a usina é o exemplo do quanto é complexo e burocrático o processo para conseguir levantar um projeto no Brasil.

Durante 26 anos, a hidrelétrica - da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim - fez parte de uma verdadeira novela, com idas e vindas. Foram três estudos de impacto ambiental, uma licença prévia suspensa e várias mudanças no projeto para se adequar às exigências de órgãos ambientais, de patrimônio histórico e das comunidades. Ainda assim, não há uma posição concreta sobre a obra de R$ 600 milhões.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o processo está com a análise técnica encerrada, mas a emissão da licença prévia depende de manifestação positiva da Fundação Cultural Palmares. Em 2012, a instituição deu parecer favorável ao empreendimento, de 144 MW. Mas, no mesmo ano, voltou atrás sob a alegação de que novas consultas deveriam ser feitas com as comunidades quilombolas na área de influência da usina. As reuniões, previstas para janeiro, ainda não foram feitas. Procurada, a fundação não respondeu à reportagem.

Calcula-se que a empresa já gastou mais de R$ 50 milhões em projetos, audiências públicas e compra de propriedades. Sem saber da dificuldade que enfrentaria para tirar o projeto do papel, a CBA comprou 60% (5.511 hectares) da área necessária para a construção da usina. Além disso, comprou equipamentos para a hidrelétrica, como grades das comportas do reservatório. Uma parte do material se perdeu. Outra está à espera da liberação da usina.

O canteiro de obras, onde cerca de 80 pessoas trabalharam para elaborar os estudos na década de 90, continua intacto na beira do Rio Ribeira de Iguape. Os escritórios ainda guardam materiais informativos da época das audiências públicas e os mapas com a localização da barragem, da casa de força e de toda a área de influência da usina.

Histórico. Os entraves na construção da hidrelétrica começaram em maio de 1994, três meses depois de a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo conceder a licença prévia. O Ministério Público Federal suspendeu a decisão, alegando que o licenciamento teria de ser feito pelo Ibama. A partir daí, teve início a novela que virou o empreendimento.

A cada ano que passava, uma nova exigência era feita e as posições iam mudando. Enquanto um órgão aprovava, o outro dava um passo atrás. Em 2007, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu parecer favorável ao projeto, enquanto o Instituto Chico Mendes, à época recém-criado, pediu mudanças para preservar as cavernas localizadas na região. No ano seguinte, o Iphan mudou de ideia e também solicitou novos estudos sobre as cavernas.

Um dos pontos de discórdia era a Gruta do Rocha, famosa na região e que foi classificada como grau máximo de relevância por ser hábitat de uma nova espécie de escorpião. Mas, segundo o presidente da Votorantim Energia, Otavio Rezende, esse problema já foi superado. Uma nova solução de engenharia foi criada para evitar que as cavernas fossem inundadas com a construção da hidrelétrica. Ele explica que um muro será construído para evitar qualquer tipo de prejuízo às grutas.

A solução, no entanto, não convence o exército de ambientalistas contrários ao empreendimento. O coordenador do Programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA), Nilto Tatto, diz que há na região cerca de 500 cavernas com grande biodiversidade e que poderiam ser afetadas.

Na avaliação dele, o solo da região é sensível e, portanto, a solução de construir muros pode não ser eficaz. "Tijuco Alto tem uma série de problemas. Na origem, o termo de referência emitido pelo Ibama não contemplou o rio todo e, portanto, a empresa só fez os estudos ambientais de um trecho." Além disso, diz ele, as comunidades não foram informadas sobre todos os riscos do projeto, como o caso de contaminação da água por causa das antigas explorações de chumbo na região.

Para a CBA, projetos e programas especiais foram desenhados para resolver o problema e evitar a contaminação. "Todas as pendências foram resolvidas. Não há mais nenhum óbice ao projeto", diz Rezende, lembrando que a usina resolverá um dilema antigo dos moradores da região, que são as constantes enchentes no período de chuva.

Aneel negou extensão do prazo de concessão

Para iniciar a construção da Hidrelétrica de Tijuco Alto, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) teria de ter um novo prazo de concessão. Se fosse iniciada hoje, a obra só estaria concluída em cinco anos - após o fim da contrato. No início do mês, no entanto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou o pedido da empresa para recompor o prazo.

Segundo o diretor da Aneel José Jurhosa Junior, enquanto a companhia não conseguir a licença prévia, não é possível pensar em revisão de prazo. "Já se passaram 26 anos e ela não conseguiu resolver a questão ambiental. Se prorrogar por mais um período, vamos ficar estendendo o processo", pondera.

O executivo afirma que, se a CBA conseguir a licença, a Aneel encaminhará o pedido ao Ministério de Minas e Energia, já que a agência não poderia decidir sobre o assunto. Além disso, a solução não seria uma recomposição do prazo, mas uma nova concessão da hidrelétrica, com novo cronograma.

O presidente da Votorantim Energia, Otavio Rezende, afirma que vai recorrer da decisão da Aneel. "Entendemos que cumprimos todas as obrigações e, portanto, podemos pleitear essa revisão do prazo."
A construção de Tijuco Alto sempre foi uma meta do empresário Antônio Ermírio de Moraes, que usaria a energia nas fábricas do Grupo Votorantim. Apesar das adversidades, ele nunca perdeu as esperanças de concluir o projeto. Um dos entraves à construção da usina é o fato de o rio Ribeira ser o único de São Paulo que não tem barragem. O temor dos ambientalistas é que a autorização de uma hidrelétrica desencadeará a construção de outras duas. / R.P.

População ainda crê que usina trará progresso
Moradores esperam que região se desenvolva como aconteceu com a construção de Itaipu

RIBEIRA / SP, ADRIANÓPOLIS / PR - O Estado de S.Paulo

Apesar dos 26 anos de tentativas, muitos moradores ainda acreditam que a construção da Hidrelétrica de Tijuco Alto possa trazer progresso para os municípios da região, carentes de infraestrutura, emprego e renda - a região deve receber R$ 3 milhões em royalties por ano "Tenho fé que a barragem vai sair para ajudar todo mundo", diz o catarinense Adir Dall Agnol, de 58 anos.
Dono de uma casa de produtos agrícolas, ele chegou à região pouco antes de a Companhia Brasileira de Alumínio obter a concessão da usina. Sem emprego, chegou a fazer ficha para trabalhar na construção da barragem, assim como seu irmão. "Só não pude esperar tanto tempo", brinca ele.
Antes de chegar a Adrianópolis, no Paraná, ele morou em Medianeira, no oeste do Estado, próximo ao lago da Hidrelétrica de Itaipu. "Vi o desenvolvimento rápido das regiões por causa da construção de Itaipu. Acredito que aqui seria igual." Agnol reclama dos problemas de Adrianópolis, como as enchentes que atrapalham a vida da população e a péssima qualidade da energia entregue aos moradores da cidade. "Aqui, pelo menos, três vezes ao dia sofremos com a queda da energia. Não ficamos muito tempo sem luz, mas a cada corte um equipamento queima. Já perdi geladeira, ar-condicionado e um fax", reclama o morador.
A cinco minutos de Adrianópolis, já em São Paulo, o morador de Ribeira, Altamiro Bonete dos Reis, também defende a construção da usina. Nascido em Curitiba, chegou na cidade aos 17 anos em busca de trabalho numa fábrica de calcário que havia na região. Hoje é funcionário da prefeitura. "Eu estou empregado, mas o povo daqui não tem onde trabalhar. A usina seria uma salvação."
Ele conta que a maioria da população sobrevive da agricultura de subsistência. O restante presta serviços para a prefeitura, fazendo artesanato ou trabalhando na indústria de cimento da Camargo Corrêa.
Prós e contras. Outro defensor de Tijuco Alto é o morador de Apiaí, o agricultor Thomas Tordson Linden, um sueco que chegou ao Brasil em 1977 e descobriu Apiaí em 1984. Ele sempre acompanhou de perto o vaivém da hidrelétrica. Quando a reportagem perguntou sobre a usina, ele logo perguntou: "Tem alguma novidade que ainda não sei?". Na avaliação dele, a usina beneficiaria não apenas a região, mas todo o País.
Mas ele confessa que, da mesma forma que tem muita gente favorável à construção, também há pessoas que temem os impactos negativos. A principal preocupação é daqueles que estão mais próximos de onde será construída a barragem. "Eles temem que ocorra algum acidente com a barragem e os municípios sejam alagados. Mas o efeito deve ser o contrário, já que a usina vai contribuir para o controle das cheias", diz Linden. / R.P.

OESP, 16/02/2014, Economia, p. B1.

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,burocracia-faz-c…

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,populacao-ainda-cre-que-usi…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.