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Brasil vai aderir ao GPS europeu

CB, Mundo, p.18
21 de Jan de 2004

TECNOLOGIABrasil vai aderir ao GPS europeuSistema de localização por satélite será uma alternativa ao monopólio norte-americano no setor e deve começar a operar em 2008. Governo quer participar do projeto com engenheiros e apoio material

Samy Adghirni Da equipe do Correio
O que têm em comum a navegação aérea, a pesca em alto mar e a prática de esportes radicais em lugares inóspitos? Todas essas atividades dependem hoje do GPS (Global Positioning System), equipamento que permite a localização precisa de um ponto em qualquer lugar do planeta, graças a uma rede de satélites. O problema é que, por trás desse sistema tão útil, está o exército norte-americano. O Pentágono tolera o uso civil do GPS, mas pode interromper seu funcionamento onde e quando bem entender. Isso aconteceu na Guerra do Golfo (1991) e no conflito de Kosovo, na Iugoslávia (1999). Os europeus tiveram então de recorrer aos velhos mapas de papel e bússolas.   Para pôr fim a essa dependência estratégica dos EUA, a União Européia (UE) resolveu desenvolver o seu próprio sistema de posicionamento por satélite. O projeto Galileu, que pretende ser mais preciso do que o GPS (leia o Para Saber Mais nesta página), foi oficialmente lançado em 2000. Seu custo exorbitante — 3,5 bilhões de euros — deixou muita gente cética. Mas, diante da imprevisível política externa da Casa Branca, os europeus voltaram a pensar sobre sua defesa comum e aceleraram os preparativos do Galileu, que conquistou aliados no governo brasileiro.   O Brasil, por sua força econômica na América Latina e experiência na área tecnológica, foi convidado a participar do projeto revolucionário. Na segunda-feira, o comissário de Relações Exteriores da UE, o britânico Chris Patten, esteve em Brasília para tratar do assunto com autoridades brasileiras. Reuniu-se com o chanceler Celso Amorim e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seguida, conversou durante quase uma hora a portas fechadas com o ministro da Defesa, José Viegas Filho.   Ao sair do encontro, Patten explicou que Galileu é um sistema voltado para fins civis e que a UE faz questão da participação do Brasil no projeto. O ministro Viegas deixou claro que o país está bastante interessado na tecnologia. Disse também que o Brasil não pretende se contentar em ser apenas um cliente do novo sistema. Contribuição Concordamos com a necessidade de que haja um programa alternativo e de igual vigor tecnológico em relação ao já existente (GPS). Temos capacidade para não sermos apenas clientes, mas também para trazer uma contribuição tecnológica e industrial nessa área. O propósito é desenvolver uma participação brasileira diretamente relacionada às nossas necessidades e capacidades, disse o ministro.   Em outras palavras, o Brasil contribuirá com engenheiros e conhecimentos técnicos. A participação brasileira envolveria recursos humanos e apoio material, como centrais que possam enviar sinais de satélite, centros científicos e tecnológicos, afirmou o embaixador da UE em Brasília, Alberto Navarro. O país dificilmente concederá ajuda financeira direta, como a China — que se comprometeu a investir 200 milhões de euros na Agência Espacial Européia, encarregada de desenvolver o Galileu. Preocupados com a perda do monopólio sobre o uso civil do rastreamento por satélite, os EUA manifestaram várias vezes receio em relação ao projeto Galileu. Alegaram que o GPS satisfaz às necessidades do planeta e ameaçaram se opor a qualquer regra que estipulasse o uso obrigatório do sistema europeu. Diante da insistência da UE, os EUA mudaram o discurso e se comprometeram a colaborar com os europeus.   Fontes da UE disseram ao Correio que o bloco está desenvolvendo os parâmetros técnicos do Galileu em parceria com os EUA. A intenção é tornar o sistema compatível e comunicante com o GPS, para que receptores do futuro recebam os dois sinais. Mesmo assim, a Europa deixou claro que o sistema Galileu não dependerá do concorrente — e ao mesmo tempo parceiro — americano para funcionar em caso de crise.   A UE também continuará cooperando com a China para desenvolver o Galileu, apesar da lei norte-americana que proíbe ajuda tecnológica ao regime de Pequim. A intenção do bloco europeu é lançar os primeiros minisatélites da rede em 2006 e tornar o sistema operacional em 2008. No momento, a Comissão Européia busca parceiros para dividir despesas e dar maior consistência política ao projeto.

Aliança estratégica
Temos capacidade para não sermos apenas clientes, mas também para trazer uma contribuição tecnológica e industrial nessa área José Viegas Filho,ministro da Defesa Sabemos da ambição do Brasil na área espacial e de sua importância geopolítica, por isso queremos sua parceria Chris Patten, comissário de Relações Exteriores da União Européia

PARA SABER MAISRede é mais precisaA constelação de satélites Galileu competirá com o sistema norte-americano GPS (Global Positioning System) e o russo Glonass — também financiado e controlado por autoridades militares e só disponível na Rússia. A rede criada pela União Européia (UE) oferecerá três tipos de serviço: um livre e gratuito, disponível para quem possuir um receptor; outro de maior precisão, mas pago; e um terceiro, exclusivamente reservado a serviços públicos, como salvamento e defesa militar.   O GPS, por sua vez, só oferece dois serviços. Um é militar e restrito. O outro é civil e gratuito, mas tem uma margem de erro proposital de vários metros para que não seja usado com propósitos militares. Com isso, o usuário comum do Galileu leva vantagem em matéria de precisão. A margem de erro do GPS civil é de 20 metros na localização de um ponto na superfície terrestre. A do sistema europeu será de apenas um metro.   Outra especificidade do Galileu é sua melhor cobertura em latitudes extremas, como o norte da Europa e o sul do Brasil. Tecnicamente, isso se explica pelo fato de o grau de inclinação dos satélites Galileu ser maior em relação à linha do Equador. Os pólos sul e norte da Terra também beneficiarão de uma cobertura total.   Ao contrário do GPS, o Galileu possui uma opção chamada mecanismo de integridade, que avisa ao usuário quando a margem de erro torna-se maior — áreas muito isoladas onde a cobertura dos satélites é menos eficiente.   Mas a maior garantia do Galileu resulta do fato de ele ser controlado por civis, e não por militares. Com isso, fica eliminada a possibilidade de ruptura de serviço em caso de necessidade de algum governo. O sistema GPS já saiu do ar sem aviso prévio diversas vezes, deixando aviões e barcos sem rumo.   Para evitar atritos políticos e estratégicos com os Estados Unidos, os fabricantes do Galileu insistem que o sistema será compatível com o GPS e que, se uma das redes falhar, a outra manterá a cobertura. (SA)

Sábio e heregeGalileu Galilei (1564-1642) foi matemático, filósofo, astrônomo e inventou a luneta. Já no século 17, fundamentou a noção de que a Terra orbita em torno do Sol. A Igreja, que proclamava a Terra como centro imóvel do universo, condenou-o em 1633 na Inquisição. Galileu abjurou, para escapar da fogueira, mas reza a lenda que teria saído dizendo: No entanto, ela se move. Mais de 500 anos depois de sua morte, em 1983, a Igreja reviu o processo e o absolveu.

CB, 21/01/2004, p. 18

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