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Brasil tem política indígena racista, diz relatora da ONU convidada para sínodo

Valor Econômico - https://valor.globo.com
Autor: Lucas Ferraz
08 de Out de 2019

A filipina Victoria Tauli-Corpuz disse estar especialmente preocupada com a situação brasileira.

Pela primeira vez, um sínodo organizado pelo Vaticano convidou uma autoridade da ONU para as discussões. Trata-se da filipina Victoria Tauli-Corpuz, relatora das Nações Unidas para o direito dos povos indígenas, um dos principais temas abordados pela igreja no evento sobre a Amazônia.

Ela é uma das 12 especialistas envolvidas nos debates - participará da primeira semana do sínodo, que acontece em Roma até o próximo dia 27.

Em entrevista ao Valor, Tauli-Corpuz disse estar especialmente preocupada com a situação brasileira, sobretudo por causa da postura adotada pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), que ela classificou de "abertamente racista" ao encorajar a entrada de corporações e produtores rurais nos territórios indígenas para cultivar e explorar recursos minerais.

"Quando você diz que os índios têm um grande número de terras e que elas não são utilizadas, isso é muito racista, porque eles usam a terra. Eles não usam para extrair ou explorar economicamente os recursos mineiras, mas utilizam esses recursos de forma sustentável. É uma discriminação contra o modo de viver dos indígenas dizer como eles devem ou não devem viver em seus territórios. Não se pode impor um pensamento ou um tipo de comportamento, isso é racismo."

Essa postura, ressaltou, é uma nova forma de colonização, ecoando as palavras ditas na abertura do sínodo pelo papa Francisco.

Um dos aspectos mais sensíveis no Brasil, frisa a filipina, é cuidar da integridade dos índios isolados, que podem ser seriamente impactados por cortes e contingenciamentos promovidos pelo governo e por invasões de suas terras por madeireiros e grileiros, como já vem ocorrendo. O coordenador-geral da área na Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Pereira, que estava no cargo havia pouco mais de um ano, foi exonerado na última sexta-feira, sem qualquer explicação.

"Se a situação continuar dessa maneira, com o processo de invasão em curso, veremos um genocídio. Os índios isolados são muito vulneráveis com a entrada de outras pessoas em suas terras, eles podem ficar doentes, pois não têm imunidade contra doenças muitas vezes simples".

Críticas a Moro

Indígena da etnia Kankanaey, originária do norte das Filipinas, e relatora da ONU desde 2014, Tauli-Corpuz diz que é muito triste ver pessoas sem "nenhuma competência" sendo nomeadas pelo governo para lidar com o tema. Ela também chamou de "lamentável" o descaso do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, com a questão indígena. A Funai, parte da estrutura do ministério, vem sendo esvaziada nos últimos anos, processo que se acentuou sob Bolsonaro.

Tauli-Corpuz conta que já enviou questionamentos para Brasília, mas que as repostas oficiais não são frequentes: "Eles não ficaram muito felizes comigo, porque eu falei bastante a respeito e eles pensaram que eu não deveria fazer isso. Mas essa é minha função. Proteger os índios deveria ser uma obrigação, o Brasil ratificou convenções internacionais nesse sentido. E a Constituição brasileira também prevê a defesa dos direitos dos indígenas."

Em Roma, na noite da última segunda-feira, a relatora da ONU participou de um debate organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) numa igreja próxima do Vaticano com índios brasileiros de diversas etnias - ela já visitou o Brasil, a última vez há dois anos. Eles expuseram situações e ameaças que também estão sendo discutidas no sínodo, como o uso de terras indígenas para exploração mineral.

Tauli-Corpuz disse que eventos como o organizado pelo Vaticano são essenciais para mobilizar a opinião pública. "Há uma limitação da ONU sobre o que pode ser feito. É preciso engajar outros atores nessa questão, e a Igreja tem uma influência muito grande na população", conta.

Entre os nove países amazônicos abordados no sínodo, ela aponta o Equador como outro caso que apresenta atualmente uma situação delicada, com prisões e invasão de terras dos índios, um dos grupos protagonistas da crise política que eclodiu no país nas últimas semanas por causa dos protestos contra o presidente Lenín Moreno - os atos se iniciaram após ele eliminar os subsídios dos combustíveis.

Maior autoridade do assunto presente nos debates em Roma, Victoria Tauli-Corpuz disse estar muito impressionada com a documentação reunida pelo Vaticano, que, segundo ela, "é clara e retrata muito bem os problemas enfrentados pelos índios na Amazônia".

"A Igreja demonstra um verdadeiro respeito pela espiritualidade e religiosidade dos indígenas e parece saber como atuar com eles em suas terras. Isso me surpreendeu. Os indígenas têm uma grande expectativa de que o evento realmente os ajude a mudar a situação de abandono na floresta."

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/10/08/brasil-tem-politica-i…

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