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Brasil tem dívida com seus índios

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Cynthia Garda
25 de Ago de 2002

Mortalidade e doenças dizimam tribos, que há 12 anos aguardam votação de seu estatuto no Congresso

O pataxó Géssio de Melo acredita que há desvios: "Dizem que o ministério está passando dinheiro, mas na Bahia a situação é terrível"

Dentro do Brasil vivem cidadãos que compartilham índices de saúde assustadores até para os baixos padrões nacionais. Só no ano passado, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) registrou 88 mil casos de infecções intestinais e 87 mil de parasitoses entre os 374 mil índios brasileiros. A taxa de mortalidade infantil das três mil aldeias do país é de 56 óbitos em mil nascimentos. A média brasileira é de 29 por mil. A incidência de malária é 10 vezes maior que a taxa nacional. A de tuberculose, cinco.
No papel, os índios gozam dos direitos humanos fundamentais como outros brasileiros. É decisão do Senado, de junho passado, com aprovação da Convenção 169 da Conferência Internacional do Trabalho (OIT). O documento, que tramitou nove anos, vai para a Câmara dos Deputados. Ali, já dormita, há 12 anos, o Estatuto das Sociedades Indígenas.

A inércia legislativa é emblemática. ''Grande parte das comunidades ainda sofre da absoluta ausência do Estado'', diz a procuradora Déborah Duprat, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, que trata das questões indígenas. ''E há situações-limite, onde o processo de genocídio está em curso''.

No centro do desafio está manter a auto-sustentação desses povos, cuja alimentação se baseia em extrativismo e caça. ''Com a degradação ambiental, precisamos de alternativas'', diz Pedro Pareci, da etnia que reúne 1,8 mil pessoas no Mato Grosso. Ele quer uma audiência com o ministro da Saúde, Barjas Negri. Entre as dificuldades da Funasa, uma é rotatividade de profissionais, que nem sempre se adaptam ao trabalho nas reservas. ''Os médicos deviam passar cinco dias, mas só ficam dois'', diz Géssio de Melo, 40 anos, líder Pataxó-hã-hã-hãe, no sul da Bahia. ''Dizem que o ministério passa dinheiro, mas na Bahia a situação é terrível''.

Em 2001, a verba para Saúde indígena foi de R$ 202 milhões. Bem mais que os R$ 21 milhões de 1998 e da escassez que a Fundação Nacional do Índio dispunha quando cuidava da saúde das tribos. Para o coordenador da área na Funasa, Ubiratan Moreira, esses povos não conseguem exercer a mesma pressão sobre a agenda pública que doentes de Aids, por exemplo. ''A ignorância dos brasileiros sobre os índios, de certa forma, permitiu que chegássemos ao final da década com essas estatísticas'', diz.

As 291 etnias, que falam 180 idiomas, estão em todos os Estados, exceto Piauí e Rio Grande do Norte. Entre 2000 e 2001, os índices de malária e tuberculose caíram 50% e 12%, respectivamente. A taxa de mortalidade infantil caiu de 74/mil para 56/mil. A qualidade das estatísticas é questionada, mas indicam melhora rápida. Compreensível, segundo Ubiratan, quando as maiores causas de mortes entre crianças são diarréias e infecções respiratórias, combatíveis com assistência básica. ''Isso expõe a omissão que havia'', diz Paulo Daniel Moraes, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Com R$ 7 milhões de convênio com a Funasa - 85% da verba vai para ONGs -, o CIR tem 80 médicos e enfermeiros, e 400 agentes. Há 12 anos entre índios, o médico critica a debilidade da fiscalização, com denúncias de desvios por prefeituras e ONGs. E o despreparo cultural dos profissionais, que desrespeitam a medicina tradicional e os costumes indígenas.

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