OESP, Vida, p. A17
13 de Jun de 2007
Brasil tem 90 dias para decidir sobre lei de pneus
OMC determina que governo opte entre abrir o mercado a qualquer país fornecedor ou barrar totalmente a importação do produto usado
Denise Chrispim Marin e Jamil Chade
A decisão da arbitragem da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o recente contencioso entre o Brasil e a União Européia deixou o governo brasileiro em uma encruzilhada: em 90 dias, contados a partir de ontem, o Executivo terá de abrir o mercado nacional a todos os fornecedores do mundo de pneus reformados ou acabar com as brechas legais que permitem o ingresso desse material no País.
Concentrado na segunda opção, o governo se vê de mãos atadas. Dependerá de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garanta o fim das liminares em favor dessa importação (principalmente de países do Mercosul). Se fracassar, terá de recorrer à tramitação de uma lei pelo Congresso.
"Se o Brasil pretende efetivamente manter a proibição da importação dos pneus usados, terá de fechar a porta para as liminares", resumiu ontem o ministro Roberto Azevêdo, subsecretário-geral para Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty. "Ou fechamos a importação dessas carcaças ou teremos de abrir nosso mercado para o pneu reformado. Juridicamente, será impossível manter a atual situação."
Divulgado ontem pela OMC, o relatório do comitê de arbitragem considerou improcedente a queixa da UE de que a proibição das importações de pneus usados pelo Brasil era discriminatória e injustificável. O Brasil respondeu a essa reclamação valendo-se de argumentos de saúde pública - a disseminação de doenças por conta do acúmulo ou da queima de pneus usados - e de prejuízos ao meio ambiente. Ambas as alegações foram aceitas como "justificáveis e necessárias" pela OMC.
"O Brasil não usou subterfúgios para se defender. Quando há um argumento legítimo de ordem ambiental e de saúde pública, a OMC o considera com seriedade. Temos de comemorar", afirmou João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente. "O Brasil recebeu com satisfação a decisão do painel", reforçou Azevêdo.
Mas a comemoração não foi completa. As liminares concedidas pela Justiça aos importadores de usados deixaram um flanco aberto. O comitê de arbitragem advertiu que o Brasil não aplica efetivamente a proibição e pratica "discriminação injustificada e restrição disfarçada ao comércio internacional".
Ou seja, privilegia a indústria reformadora nacional, em detrimento da concorrência européia. Essa falha permitiu, ontem, que Bruxelas cantasse vitória. O Itamaraty informou que não vai apelar da decisão da OMC.
CONTRA O TEMPO
O prazo para o governo apresentar à OMC seu plano e seu prazo para acabar com essas brechas legais vencerá no dia 10 de setembro. Na correria, o Itamaraty deverá remeter hoje ao Supremo o relatório final do painel traduzido para o português. A expectativa é que a ministra Carmem Lúcia tome sua decisão "o mais urgente possível".
Carmem Lúcia foi designada relatora da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 101, assinada pelo presidente Lula e enviada ao STF em setembro de 2006. Se aprovada, a ADPF gerará uma jurisprudência sobre a proibição da importação de pneus usados e acabará com a concessão de liminares pelas instâncias jurídicas inferiores ao STF. Caso contrário, o caminho será a articulação do governo em favor da aprovação de medida provisória ou projeto de lei que elimine essas brechas.
De 1990 a 2004, 34 milhões de pneus usados estrangeiros entraram no País, a maioria vindos da UE, onde há 2 bilhões de pneus acumulados em aterros ou disponíveis para reforma. Só em 2005, as compras externas atingiram 10,4 milhões de unidades - cerca de 20% do mercado brasileiro.
Para o presidente da Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABR), Francisco Simeão, a controvérsia deu vitória à UE e não acabará com as importações. "O governo tenta, há 15 anos, uniformizar a legislação sobre o tema, sem sucesso. Também vamos lutar no Congresso, aonde levaremos a nossa verdade", afirmou. "Se nos proibirem de importar, vamos nos mudar para o Paraguai ou para o Uruguai e enviaremos 4 milhões de pneus por ano para o Brasil."
De fato, o painel da OMC abre a possibilidade de mudança da indústria brasileira de reformadores para os países vizinhos porque seu relatório não tocou na importação vinda do Uruguai, entre outros motivos porque a quantidade importada pelo Brasil do vizinho foi considerada irrisória - 164 mil unidades em 2006.
Bruxelas se considera vitoriosa
Jamil Chade
Apesar de Brasília festejar a decisão da OMC, em Bruxelas, a União Européia (UE) também garante que saiu vencedora. "A decisão do painel confirma nossa avaliação de que a proibição de importação do Brasil é incompatível com as regras da OMC", afirmou Stephan Adams, porta-voz de Comércio da Comissão Européia. "A UE defende fortemente a proteção ao meio ambiente e à saúde pública. Mas as medidas brasileiras não servem para esses objetivos e são protecionistas e discriminatórias", afirmou Adams. Segundo ele, Bruxelas ainda não decidiu se irá apelar da decisão da OMC.
O argumento europeu é de que a proibição brasileira "não gerou redução do volume de lixo causado pelos pneus". "Diante da qualidade baixa dos pneus usados do Brasil, o País produz a maioria de seus pneus recauchutados a partir de pneus importados da UE", explica a comissão, que aponta que 10,5 milhões de unidades foram compradas em 2005.
"Em termos ambientais, isso é equivalente a importar pneus recauchutados, exceto que o processo de recauchutar o pneu ocorre no Brasil", diz Bruxelas, que afirma ter "evidências" de que a proibição tem motivos protecionistas. "Pneus recauchutados não são lixo nem são pneus usados, mas um novo produto resultado de processo industrial, regulado e comparável a um pneu novo em termos de durabilidade e segurança. E isso não foi contestado pelo Brasil", concluiu a UE.
OESP, 13/06/2007, Vida, p. A17
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