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Brasil exporta executivos para ONGs globais

O Globo, Economia, p. 49
19 de Ago de 2007

Brasil exporta executivos para ONGs globais
Preocupação maior com o ambiente reduz rivalidade entre terceiro setor e empresas e estimula troca de experiências

Liana Melo

Está cada vez mais frágil o muro que separa as organizações não-governamentais (ONGs) das empresas brasileiras. Depois de muitas batalhas e enfrentamentos - nem sempre pacíficos, a ponte da amizade foi construída. Não bastasse o trânsito estar livre nos dois sentidos, os executivos do terceiro setor e das empresas privadas compartilham da mesma linguagem e ainda trocam experiências. É que o Brasil virou um celeiro de profissionais, que saem de grandes corporações para enfrentar o desafio de ocupar cargos de executivos em ONGs globais.

O médico Frank Guggenheim trocou a Roche do Brasil, onde era diretor da Divisão Farmacêutica, pela direção-executiva do Greenpeace. Aos 47 anos, o paulista Roberto Waack deixou a presidência da Orsa Florestal para assumir uma das câmaras técnicas do Conselho de Manejo Florestal (FSC, sigla em inglês).
Ele vive na ponte-aérea São Paulo-Boon, na Alemanha.

Executiva trocou carro em SP por bicicleta em Amsterdã
Já Nelmara Arbex abriu mão do seu cargo de gerente da Natura para assumir a direção da Global Reporting Initiative (GRI, que tem a função de transformar os balanços socioambientais em algo tão freqüente no mundo dos negócios como os relatórios financeiros). Ela trocou o carro pela bicicleta, e São Paulo por Amsterdã, na Holanda.

- Vivo levando cantada - brinca o executivo "ongueiro" Frank Guggenheim, comentando que o assédio das empresas sobre as ONGs é cada vez maior. Seu salário hoje, calcula, deve representar um terço do que ganha atualmente seu sucessor na Roche do Brasil.

É que as ONGs também atraem a atenção dos caçadores de talentos no setor privado.

Pelo menos entre as instituições globalizadas e as empresas onde a visão de que a missão social da organização não é apenas dar lucro aos acionistas, como defendia o prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman. Suas idéias liberais, que chegaram um dia a influenciar grandes corporações, já vinham perdendo força. Mas foram, definitivamente, enterradas quando Friedman faleceu, em 2006.

À frente de uma organização adepta de ações espetaculares, Guggenheim teve voz ativa na moratória da soja - acordo que já dura um ano e que suspendeu a compra de grãos oriundos de áreas desmatadas na Amazônia.

Empresas como a Bunge Alimentos foram signatárias do acordo. O ativismo político do Greenpeace vai além de táticas midiáticas. Ele chega também à mesa de negociação, da qual participam ministros, acadêmicos e, sobretudo, executivos.

Metas e resultados ditam as regras no terceiro setor
Características como capacidade de mobilização e negociação, além de expertise em administrar parcos recursos para gerar impactos sociais em larga escala, são aptidões cada vez mais valorizadas no mundo dos negócios. Nas ONGs, o que se espera de um executivo oriundo do setor privado é a capacidade de lançar mão de ferramentas de gestão que ajudem a alavancar os resultados financeiros, comenta Nísia Werneck, da Fundação Dom Cabral.

Ao incorporar a linguagem dos negócios, os "ongueiros" não lembram em nada o estereótipo que alguns ainda fazem deles. Ternos bem cortados para os homens e sapatos de bico fino para as mulheres viraram peças obrigatórias no guarda-roupa desses profissionais, que, em grande parte, têm títulos de mestrado, doutorado e PhD.

Roberto Waack, continua defendendo os interesses do capital no Conselho de Manejo Florestal (FSC, sigla em inglês), apesar de ter saído do setor privado. Ele era da presidência da Orsa Florestal, mas acabou mudando de lado depois de lutar junto com a entidade para certificar 545 mil hectares de terra no Pará. O grupo Orsa fatura em média R$ 1,4 bilhão ao ano com a venda de 410 mil toneladas de celulose.

- As empresas reconhecem hoje o poder da sociedade civil, enquanto os "ongueiros" não enxergam mais inimigos do outro lado do balcão - analisa.
A FSC é uma típica ONG global. Ela atua em 47 países e trabalha com 22 empresas certificadoras. O volume de florestas hoje certificadas pelo FSC soma 90 milhões de hectares, o que significa a distribuição de selos para 6.300 empresas no mundo. Os produtos gerados por essas florestas geram 800 milhões de euros em recursos.

Já Garo Batmanian trocou o cargo de executivo-geral do Worldwide Fund for Nature (WWF, sigla em inglês de uma das ONGs ambientalistas mais influentes da atualidade) pelo de diretor do Programa Piloto para Proteção das Florestas do Banco Mundial (Bird). Ele administra uma carteira de US$ 100 milhões destinada a financiar projetos de conservação da floresta. Batmanian está convencido de que a convergência de idéias entre ONG e empresas é a ponte que faltava para enfrentar de maneira eficiente o desafio de manter as florestas em pé.

O Globo, 19/08/2007, Economia, p. 49

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