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Brasil ensina o mundo a plantar e preservar

CB, Ciência, p. 30
09 de Jun de 2011

Brasil ensina o mundo a plantar e preservar
Estudo apresentado durante reunião preparatória para a COP17 elogia sistema agrícola nacional, que alia aumento da produção com queda no desmatamento

Silvia Pacheco

Um estudo divulgado ontem, em Bonn, na Alemanha, durante a última etapa de negociações preparatórias para a Conferência das Partes das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a COP17, cita o Brasil como exemplo de sucesso na produção de alimentos, por mostrar que é possível ter uma agricultura que não impacte as florestas e ajude na redução de emissões de gases de efeito estufa. A análise, realizada pelo Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar (CCAFS, na sigla em inglês), revela que o país pode oferecer modelos para impulsionar a produção agrícola e diminuir o desmatamento. Tal modelo é baseado no uso de metodologias e tecnologias desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde a década de 1970.
A pesquisa, coordenada por Gabrielle Kissinger, diretora da Lexema Consultoria Ambiental, do Canadá, analisou as propostas de ações para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD ) de 20 países em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina. Apesar de o Brasil não fazer parte da análise, foi citado como caso de sucesso por ter aumentado sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, ter reduzido o desmatamento no período de 2009 e 2010.
No estudo, foram observados mecanismos e políticas que garantam a redução das emissões derivadas de desmatamento e degradação das florestas, aumento das reservas florestais de carbono, gestão sustentável das florestas e sua conservação - ações do REDD . O exemplo do Brasil, mais especificamente do estado do Acre, se destaca pela adoção de políticas públicas que motivam a preservação e a sustentabilidade do meio ambiente e novas práticas agrícolas (veja quadro) que podem contribuir para uma mudança de paradigma nos setores da produção de alimentos.
Segundo a autora do estudo, o que torna o sistema agrícola brasileiro tão singular é que ele oferece técnicas para aumentar a produtividade ao mesmo tempo em que cria áreas de conservação nacional e faz o monitoramento do desmatamento. "Essa é uma combinação única.
Acredito que outros países podem implementar abordagens semelhantes, adaptadas às suas circunstâncias nacionais, podendo combinar esses elementos", disse Gabrielle ao Correio.
No sistema agrícola destacado pelo estudo estão o plantio direto com acúmulo de resíduos vegetais no solo e, consequentemente, com estoque de carbono e nitrogênio; o cultivo de espécies que fixam nitrogênio; a integração lavoura-pecuária; e os sistemas agrossilvispastoris (agricultura, floresta e pecuária). Todas são práticas que promovem a redução das emissões dos gases de efeito estufa e que, segundo a especialista, deverão ser disseminadas nos próximos anos.
Para ter uma ideia, a recuperação de pastagens degradadas e a intergração lavoura-pecuária (ILP) podem juntas responder por 12% do compromisso do governo de reduzir as emissões até 2020. Com um hectare recuperado e trabalhado com essa prática, pode-se liberar até oito hectares, que podem servir, por exemplo, para o reflorestamento. Já o plantio direto - prática bastante consolidada, abrangendo 70% da área agrícola do país - é responsável por reduzir a emissão de carbono para aatmosfera. "Sob o plantio direto, retêm-se em torno de 63t de carbono no solo, por hectare, enquanto, no sistema convencional, essa medida chega a apenas 50t", calcula Marco Aurélio Carolino, pesquisador da Embrapa Cerrados. Além disso, a prática promove a redução do uso de máquinas agrícolas, o que contribui para minimizar ainda mais a emissão de CO2.
Soja
O cultivo de soja também foi destaque do estudo da CCAFS, devido ao desenvolvimento de um tipo de planta resistente ao clima brasileiro. "A soja é originária da China, uma planta que não sobrevive em climas tropicais", explica Sebastião Pedro da Silva Neto, engenheiro agrônomo e coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Soja da Embrapa Cerrados. Porém, o problema foi contornado com técnicas de melhoramento genético que permitiram o cultivo dos GRÃOS em todo o território nacional. Dessa forma, o país se tornou o segundo maior produtor do grão no mundo.
A busca agora é selecionar plantas que produzam mais na mesma área e em menos tempo, o que vai ao encontro do uso racional do solo. Isso quer dizer que, dentro do mesmo ano agrícola, pode-se produzir outras culturas, como milho, trigo, feijão, pastagens, sorgo e até florestas.
"É isso que dá a condição do Brasil crescer", avalia Neto.
Para Derli Dossa, coordenador da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, os elogios ao Brasil têm três razões básicas. A primeira é a competência do país em desenvolver boa tecnologia tropical. A segunda está relacionada ao fato de o país ter investido em tecnologia própria. "Com isso, os produtores obtiveram mais competência na produção com sustentabilidade, tanto técnica, econômica e ambientalmente", esclarece. Por fim, o outro fator que colaborou, segundo Dossa, foi a disponibilidade do governo em formular políticas públicas fornecendo aos produtores financiamento conforme a realidade de cada um, por produto e região. "São todos esforços que devemos tributar a vários governos que apoiaram a nossa agricultura", aponta.

Pouco incentivo

Apesar dos elogios recebidos pelo sistema agrícola brasileiro, ambientalistas ouvidos pelo Correio dizem que o uso das técnicas elogiadas no relatório internacional precisam ser mais estimuladas. Para Márcio Santilli, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), essas tecnologias são desenvolvidas de uma maneira desigual no território brasileiro. "O plantio direto é superdisseminado na soja. Tem um ganho climático e de conservação de solo, mas não são todos os produtores que o utilizam, mas sim os maiores."
Paulo Mountinho, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), faz coro com Santilli e acrescenta que o problema não é tecnológico. "O problema maior está na inércia, seja ela do setor produtivo ou de políticas do governo para que aumente a escala do uso dessas técnicas." Moutinho relata que a grande maioria ainda usa métodos tradicionais, porque é mais fácil. "Falta incentivo", resume.
Segundo os ambientalistas, o uso dessas tecnologias desenvolvidas pela Embrapa acaba setorizado. "A maioria dos produtores que usam a floresta não vão recuperar o solo já degradado porque o investimento é bem mais caro do que derrubar árvore", aponta Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
De acordo com Derli Dossa, do Ministério da Agricultura, as técnicas desse sistema agrícola novo podem ser acessadas por qualquer produtor, por meio do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Basta o produtor buscar um órgão de assistência técnica qualificada, que faça um bom diagnóstico da propiredade e obtenha recursos em bancos para investir nas tecnologias sustentáveis.
Moutinho rebate dizendo que o ABC ainda não decolou e acrescenta. "Enquanto houver impunidade para quem grila terras e a resistência de produtores em confinar o gado, para evitar o aumento de pastagem, florestas continuarão sendo derrubadas e a redução das emissões de carbono não ocorrerá da forma desejada." (SP).

CB, 09/06/2011, Ciência, p. 30

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