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Brasil é voto isolado na OIT e ameaça deixar convenção sobre povos indígenas

Valor Econômico, Brasil, p.A2.
Autor: MOREIRA, Assis; CHIARETTI, Daniela
27 de Mar de 2019

Brasil é voto isolado na OIT e ameaça deixar convenção sobre povos indígenas

Por Assis Moreira

O governo brasileiro ameaça na Organização Internacional do Trabalho (OIT) sair de uma convenção que trata dos direitos dos povos indígenas, no que seria mais um reposicionamento de Brasília na cena internacional. Isso ocorre em reação a um "plano estratégico de engajamento" do secretariado da OIT para ter poder de promover reuniões e eventos e disseminar ativamente, como "ponto de vista da OIT", documentos e mensagens sobre a convenção 169, que trata dos direitos dos povos indígenas e tribais.

Num documento de cinco páginas, a OIT argumenta que isso dará melhor visibilidade, coerência e sinergia com outras agências da ONU, como é a própria OIT, para promover a implementação dos direitos do povos indígenas, sobretudo na América Latina.
Mas para o Brasil isso significa que a OIT poderia difundir posições que não necessariamente correspondam ou dependam de aprovação, endosso ou conhecimento prévio da sua estrutura tripartite (governos, organizações de empregadores e trabalhadores).
Há dúvidas sobre a imparcialidade do secretariado da OIT e de seus peritos independentes. A percepção em Brasília é de que a organização, desde o impeachment de Dilma Rousseff, tornou-se um palco de campanha política internacional contra o governo de Michel Temer e dificilmente será diferente agora com Jair Bolsonaro.
Nesse cenário, durante votação no Conselho de Administração da OIT, na segunda-feira, o Brasil foi o único entre 48 países que votou contra o plano de engajamento da OIT destinado a "garantir a compreensão do escopo e aplicação da convenção 169" que diz respeito aos direitos de povos indígenas e tribais.
O país se "dissociou" do projeto, falando em nome da maioria do Grupo Latino-Americano (Grulac). No entanto, México e Chile, membros do Grulac, votaram a favor. A expectativa da diplomacia é a de que, com sua reação, o governo terá legitimidade para questionar a implementação do plano pelo secretariado da OIT.
Durante o debate, a delegação brasileira levantou uma série de "questões e inquietações" sobre a possibilidade de a organização poder difundir ativamente posições que não sejam submetidas às três partes (governos, empregadores e trabalhadores). "Não cabe ao secretariado da OIT interpretar, e sim executar o que os países decidem", declarou na reunião a embaixadora junto às agências da ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo.
A embaixadora observou que há 606 terras indígenas no Brasil cobrindo 12,5% do território nacional. Isso corresponde a mais de 1 milhão de quilômetros quadrados à disposição de cerca de 1 milhão de indígenas no Brasil. É uma área maior que França, Alemanha, Bélgica e Luxemburgo combinados, onde vivem 170 milhões de pessoas, disse ela.

A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo: "não cabe à OIT interpretar"

Para o governo, existe risco de um engajamento do secretariado da OIT sobre a convenção envolvendo direitos indígenas, baseado em "opiniões da OIT", ser interpretado como algo que "significaria, ou levaria, à criação indevida de novas obrigações [dos países] sob o disfarce de comitês independentes ou opiniões/recomendações de especialistas, diretrizes, manuais" entre outros.
Para a representante brasileira, o plano da OIT criaria incertezas sistêmicas e consequências indesejáveis para todos. "Representação inadequada, imprecisa e tendenciosa da situação de um país não serviria ao propósito de compartilhar boas práticas e promover o diálogo e a cooperação", afirmou.
A embaixadora advertiu que, "se uma percepção de falta de objetividade e imparcialidade tomar forma, haverá menor incentivos para os países ratificarem [convenções]". E sinalizou com a possibilidade de o Brasil abandonar a convenção 169: "Da mesma forma, esse cenário indesejável poderia suscitar preocupações legítimas quanto ao valor real, benefícios e custos de manutenção do status de membro que ratificou [a convenção]".
Recentemente, a diplomacia brasileira reclamou da OIT, que, numa reunião em Nova York, o secretariado da organização afirmou que os membros da entidade aceitariam o desenvolvimento de novas diretrizes de implementação da convenção
A discussão sobre direitos dos indígenas no Brasil toma na OIT nova dimensão com anúncios do governo Bolsonaro de permitir a mineração em terras indígenas e zonas de fronteira.
Um dos principais pontos de controvérsia da convenção 169 é sobre realização de obras em terras indígenas. O texto estabelece que nesse caso é preciso haver consultas com as comunidades indígenas. Para vários governos, a obrigação é fazer uma consulta. Mas a interpretação de povos indígenas é de que eles têm que dar seu consentimento.
A OIT quer trazer lideranças indígenas para as reuniões sobre a convenção 169. Já o Brasil diz que há uma discussão nas Nações Unidas sobre a participação de indígenas e que é melhor esperar uma decisão comum para todas as organizações multilaterais.
No ano passado, o governo de Michel Temer já tinha reagido fortemente quando a Comissão de Aplicação de Normas da OIT, formada por peritos independentes, colocou o país na lista negra por causa da reforma trabalhista que estava ainda começava a ser implementada. Sob pressão, a comissão reconheceu que não tinha observado o ciclo regular de informações para fazer sua análise.

Controvérsia é grave e emite mais um sinal negativo

Análise Daniela Chiaretti

A controvérsia protagonizada por diplomatas brasileiros com os representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é grave pelo o que simboliza - a disposição do governo Jair Bolsonaro de questionar os processos multilaterais.

A Convenção 169 versa sobre os direitos de povos indígenas e tribais. O ponto de desconforto é o artigo 6, que estabelece que indígenas e quilombolas têm que ser consultados quando uma obra afetar seu território. A consulta tem que ser prévia, livre e consentida. A ideia é construir consenso.

A polêmica está em torno ao poder de veto. O texto da Convenção é interpretado de forma diferente por indigenistas e índios (que dizem que sim), e empreendedores e governo (que dizem que não).

Este processo está na base da polêmica da construção da linha de transmissão de energia entre Manaus e Boa Vista. O ponto é o diálogo com os waimiri-atroari, que foram dizimados durante a construção da BR 174 - eram 3 mil indivíduos, na década de 70 e foram reduzidos a 332 dez anos depois. Seu território está na área do linhão.

Ocorre que o linhão interligaria Roraima ao sistema nacional de energia, e tiraria a dependência do Estado à energia venezuelana.

A consulta prevista na 169 bate de frente com a intenção do governo de construir hidrelétricas, estradas e outras obras na área de influência de terras indígenas.

A Convenção 169 foi adotada em 1989 e começou a vigorar em 1991. Para o Brasil, a data é 2003. O país a ratificou, processo posteriormente aprovado pelo Congresso. Sair dela é possível, claro, e há prazos e procedimentos para isso. O problema é a pressa. O Executivo pode até começar o processo, mas há obstáculos no caminho. A decisão tem que, forçosamente, ser submetida ao Congresso Nacional.

Valor Econômico, 27/03/2019, Brasil, p.A2.

https://www.valor.com.br/brasil/6183431/brasil-e-voto-isolado-na-oit-e-…

https://www.valor.com.br/brasil/6183433/controversia-e-grave-e-emite-ma…

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