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Brasil desperdiça potencial econômico da biodiversidade

OESP, Vida, p. A24
12 de Jul de 2009

Brasil desperdiça potencial econômico da biodiversidade

Herton Escobar

O Brasil se orgulha de ter a maior biodiversidade do planeta. Somadas as riquezas biológicas da Amazônia, cerrado, mata atlântica, Pantanal e caatinga, o País abriga mais espécies de plantas, animais, fungos e bactérias do que qualquer outro. Ótimo. Mas e daí? Para que serve essa biodiversidade? Quanto dessa riqueza biológica está sendo convertida em riqueza econômica e desenvolvimento para o País - além de render belas fotografias?

"Muito pouco" até agora, segundo especialistas consultados pelo Estado às vésperas da 61ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que começa hoje à noite em Manaus. As estatísticas mostram que o tão alardeado e cobiçado potencial econômico da biodiversidade brasileira ainda está longe de ser capitalizado a contento.

O Estado que serve de anfitrião para o evento ilustra bem isso - com um território gigantesco e 98% de sua cobertura vegetal original preservada, o Amazonas tem mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados de floresta tropical intacta, habitada por uma riqueza incalculável de espécies. Mas qual é a importância dessa biodiversidade na economia do Estado?

"Não tenho um número exato para te passar, mas é próximo de zero", diz o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Odenildo Sena. O Estado com a maior área de floresta tropical do mundo sobrevive da produção de motocicletas e aparelhos eletrônicos na Zona Franca de Manaus.

A importância da biodiversidade na pauta de exportações brasileira também é pequena e fragmentada. Muitos dos principais produtos do agronegócio não têm raízes na biodiversidade nacional. Soja, café, cana-de-açúcar, laranja, gado zebuíno - todas espécies exóticas, trazidas de outros continentes e adaptadas pelo esforço de cientistas e produtores rurais.

Entre os produtos "nativos" do Brasil, o que mais pesa na balança comercial é a madeira, com um efeito colateral gravíssimo, que é a destruição da floresta. Quebrar esse paradigma - encontrar maneiras de transformar riqueza biológica em riqueza econômica sem acabar com a biodiversidade no processo - é um dos maiores desafios da ciência na Amazônia. "Não queremos manter um santuário ecológico. Temos 25 milhões de pessoas na região que precisam sobreviver", argumenta Sena. "Precisamos tirar proveito dessa biodiversidade, e para isso precisamos pesquisá-la, gerar conhecimento sobre ela."

POTENCIAL IGNORADO

O primeiro desafio é simplesmente saber o que existe na floresta. Mais de 50 mil espécies de plantas e animais já foram catalogadas na Amazônia brasileira, mas os próprios cientistas estimam que isso representa, no máximo, 10% da biodiversidade real do bioma. Sem contar os microrganismos, de grande interesse para a indústria de biotecnologia, cuja variabilidade está na casa dos milhões.

Além de investir na descoberta de novos produtos - que podem ser desde uma molécula até uma fibra, uma essência, uma bactéria, um peixe ou uma árvore inteira -, é preciso focar esforços nas espécies já conhecidas, diz o pesquisador Alfredo Homma, economista da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém. "Há muitos produtos com potencial econômico na Amazônia que não recebem a devida atenção", diz ele. "Biodiversidade não é só madeira, não é só a cura do câncer. Também é borracha, açaí, castanha, palmito, cacau."

Os mercados da Amazônia estão abarrotados de produtos oriundos da natureza - frutas, fibras, óleos, ervas, peixes e uma infinidade de sabores e odores típicos da cultura regional. Mas são poucos os que atingem escala industrial. Mesmo exemplos de sucesso internacional, como o açaí e a castanha-do-pará, permanecem associados a sistemas extrativistas de baixo rendimento e pouco valor agregado. Na falta de tecnologia e de cadeias produtivas bem estruturadas, a região tem dificuldade para ir além do fornecimento de matéria-prima.

"Não é catando castanha e cortando seringa no meio do mato que vamos resolver o problema. Isso só funciona enquanto o mercado é pequeno. Precisamos de escala", completa Homma, que será um dos 300 palestrantes da reunião da SBPC. "Vai chegar um momento em que a demanda do mercado vai superar o que a cadeia extrativista pode oferecer", reforça Peter Mann de Toledo, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp). "O que não pode acontecer é crescer achando que o extrativismo vai suprir a demanda do mundo. O crescimento tem de ser planejado, organizado, se não as pessoas vão começar a devastar a floresta para plantar açaí."

A solução, segundo os pesquisadores, passa por um esforço intensivo de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial para agregar valor e qualidade aos produtos da floresta - de modo que possam ser explorados de forma não só sustentável, mas lucrativa.

"Várias vezes já descobrimos uma substância com potencial de uso mas abortamos o projeto porque a exploração não era sustentável. Precisávamos de muita planta para obter a quantidade de matéria-prima necessária", conta Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da empresa de cosméticos Natura. É nessas situações que a ciência precisa entrar em cena - em parceria com a indústria - para entender a ecologia das espécies, desenvolver métodos de cultivo ou até sintetizar as moléculas desejadas. "A pesquisa tem de ir além de descobrir o uso para alguma coisa, tem de ir até o manejo", afirma Vaz.

O mesmo esforço que foi feito para desenvolver as indústrias da soja, da cana e de outras espécies exóticas precisa ser feito para os produtos nativos da Amazônia, dizem os pesquisadores. "Temos um desafio técnico-científico que é inescapável", diz Antônio Galvão, diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Natureza é fonte cobiçada de drogas e cosméticos

Uma das grandes promessas não cumpridas da ciência brasileira sobre a biodiversidade da Amazônia é a descoberta de moléculas terapêuticas na natureza. Apesar do vasto conhecimento tradicional disponível sobre o uso de ervas e outras substâncias medicinais da floresta, o País nunca desenvolveu um medicamento com base na fauna e flora local.

As possibilidades, segundo os pesquisadores, são imensas. Cerca de metade das drogas desenvolvidas até hoje no mundo ou utilizam ou são derivadas de produtos naturais. Entre elas a morfina, a aspirina, a penicilina, outros vários antibióticos e medicamentos antitumorais.

Em um estudo publicado na última quinta-feira na revista Nature, cientistas americanos mostraram que a droga rapamicina, usada como agente imunossupressor (para evitar a rejeição de órgãos), pode também aumentar a expectativa de vida de camundongos. Efeito semelhante já havia sido observado em vermes, fungos e moscas, mas nunca em mamíferos. Com um detalhe importante: a rapamicina foi descoberta em uma bactéria de solo da Ilha de Páscoa, nos anos 70.

Entre 2005 e 2007, foram aprovadas nos Estados Unidos 13 drogas derivadas de produtos naturais, segundo um artigo publicado na última edição da revista Science. Apesar de um declínio no interesse da indústria farmacêutica sobre esse tipo de pesquisa nos últimos 15 anos, os autores acreditam que as novas tecnologias de prospecção genômica que estão surgindo vão facilitar a descoberta de mais moléculas terapêuticas no futuro. "Os recursos (de produtos naturais) são tão vastos que parecem ilimitados", escrevem os cientistas, do Departamento de Química da Universidade de Alberta, no Canadá.

BELEZA NATURAL

Enquanto os "biomedicamentos" não chegam, os Estados da Amazônia miram seus investimentos em um alvo mais simples: os "biocosméticos". Uma parceria lançada em maio pelas instituições de fomento à ciência do Amazonas, Pará, Maranhão, Acre e Tocantins vai financiar projetos de pesquisa aplicada ao desenvolvimento de cosméticos derivados da biodiversidade.

O primeiro edital da Rede Amazônia de Pesquisa e Desenvolvimento de Biocosméticos (Redebio) é de R$ 6,3 milhões, com foco em quatro produtos: copaíba, andiroba, castanha e babaçu. "São produtos que já estão no mercado, mas não têm certificação, não têm competitividade", diz o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), Ubiratan Bezerra.

Ele enfatiza que a rede vai trabalhar em forte sincronia com a indústria. "O objetivo não é fazer pesquisa acadêmica, é transferir tecnologia", diz. "Se a pesquisa não chegar às empresas, a rede não faz sentido." H.E.

Faltam cientistas e recursos na floresta

O esforço científico para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia sofre principalmente com a falta de seu insumo mais básico: pesquisadores. Onde sobram espécies de fauna e flora, faltam cientistas para estudá-las, tanto na academia quanto na indústria. A Amazônia Legal inteira, com seus nove Estados, tem menos doutores (cerca de 3,5 mil) do que a Universidade de São Paulo (mais de 5 mil).

Os cursos de pós-graduação são poucos, nem sempre de boa qualidade, e há dificuldade em atrair pesquisadores de outros Estados para morar na Amazônia. "Não conseguimos fixar inteligência de outras regiões", diz o presidente da Fapespa, Ubiratan Bezerra. "O governo vem aumentando o volume de recursos para a Amazônia, mas precisa aumentar muito mais", diz o presidente da Fapeam, Odenildo Sena. "Precisa fazer uma intervenção mesmo."

O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, Luiz Antonio Barreto de Castro, defende a criação de um "PAC da Amazônia", que privilegie a ciência como ferramenta essencial de promoção do desenvolvimento. Elemento que, segundo ele, está ausente no Plano Amazônia Sustentável (PAS) do governo federal. "A base do desenvolvimento é conhecimento, e conhecimento é ciência", diz.

Ele concorda que é preciso criar incentivos financeiros para fixar cientistas na Amazônia - incluindo salários mais altos. "Tem de pagar mais mesmo", afirma Barreto. "Ninguém vai sair de São Paulo se não houver um tratamento diferenciado."

O diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Antônio Galvão, concorda que é preciso investir mais na Amazônia. Por outro lado, diz que faltam "agendas concretas" de planejamento científico e tecnológico na região. "Tão importante quanto ter um doutor é saber o que fazer com esse doutor", afirma. H.E.

OESP, 12/07/2009, Vida, p. A24

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