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Brasil desconhece suas espécies

O Globo, Razão Social, p. 21
02 de Nov de 2010

Brasil desconhece suas espécies
Apenas 10% da biodiversidade brasileira é mapeada

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

Embora a biodiversidade brasileira seja considerada patrimônio, nós só conhecemos 10% das espécies existentes no território do país.
São aproximadamente 190 mil espécies já catalogadas, em um mosaico que deve atingir um patamar de cerca de 1,8 milhão de espécies de animais, plantas e bactérias habitando nosso país. E, entre elas, estima-se que há pelo menos 20 mil com elevado potencial econômico, algumas inclusive desconhecidas pela própria ciência. Essas são as conclusões do grupo de pesquisa do professor Thomas Lewinsohn, especialista em biodiversidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em estudos inéditos acerca do assunto. E aparecem no momento em que o país vai revisar a legislação de uso dos recursos da biodiversidade, por conta do acordo feito na COP-10, na semana passada.

Na última sexta-feira, líderes mundiais fecharam o acordo que vai regular o Acesso e Benefício Compar tilhado (ABS, em inglês) de recursos genéticos. Embora as formas de financiamento ainda não estejam fechadas, o acordo foi comemorado no mundo inteiro, como um passo para a preservação da biodiversidade mundial.
De acordo com os estudos do professor Lewinsohn, há um abismo entre o conhecimento que o país tem hoje sobre sua biodiversidade e o cenário real.
A par dessa informação, podese ter noção do tamanho do problema. Segundo o professor Lewinsohn, trata-se de um grande risco, se não revirmos o nosso modelo de exploração dos recursos naturais:
- Não sabemos até onde podemos ir, sem desestabilizar ecossistemas vivos a ponto de eles nunca mais se recuperarem. Mas, para descobrir a resistência de um cabo de elevador, você vai cortando cada dia um pouco, até que ele desabe com gente dentro? Não - disse o professor, referindo-se também aos poucos investimentos em pesquisa na área, durante uma palestra organizada pela Petrobras, a Nathional Geografic e a revista Planeta Sustentável, em São Paulo.

Cada perda de espécie significa uma mudança em toda a cadeia do habitat e, de acordo com a ciência, ainda não é possível prever até que ponto essas alterações podem afetar definitivamente um ecossistema e, em maior escala, o planeta inteiro. Uma coisa, no entanto, é sabida: crescentes perdas de diversidade biológica no planeta colocam em risco nossa própria sobrevivência. E as variáveis na Terra são infinitamente complexas, segundo Lewinsohn, indo do clima e da geografia à economia e à política.

Segundo ele, o problema não está nas extinções em si, porque elas são naturais, mas na velocidade com a qual estão ocorrendo atualmente, aceleradas pela exploração da natureza pelo homem de forma insustentável. Lewinsohn ressaltou que há uma falta de interesse preocupante por parte de empresas e do setor público: - Precisaríamos de um exército de pessoas para catalogarmos as espécies e estudar os ecossistemas como um conjunto vivo. Mas não há muito interesse. Fala-se muito sobre mudanças climáticas, e pouco sobre biodiversidade. É mais difícil entender o impacto nas nossas vidas.

De acordo com Lewinsohn, o pasto é um bom exemplo do impacto da atividade econômica do homem na natureza.

O pesquisador explicou que o ecossistema fica completamente alterado quando um pedaço de floresta é convertido em pastagem, pois mais de 90% das espécies que se instalarão ali serão diferentes das originais. Cenário parecido ocorre quando se passa a praticar a monocultura. E outro problema, segundo ele, é a invasão de um ecossistema por espécies trazidas de outras regiões, muitas vezes por motivos econômicos.

Há muito a ser estudado para se prevenir degradações permanentes, que podem afetar diretamente a economia mundial e, em conseqüência, o bem-estar da humanidade. O Brasil já possui 607 espécies em extinção, número alarmante se observarmos o salto dado desde 2003, quando eram 395. Segundo Lewinsohn, os investimentos nos estudos em biodiversidade continuam andando "a passos de lesma manca"no Brasil, já que as pessoas não conseguem relacionar a perda da biodiversidade à sua própria sobrevivência. Estudos apontam que o desaparecimento de espécies pode ser até mais arriscado do que as mudanças climáticas.
UNICAMP www.unicamp.br

Paísl vai se adequar a acordo

Com o acordo assinado por líderes mundiais na Convenção sobre Diversidade Biológica, fechado no Japão, na sextafeira passada, o Brasil precisará revisar sua legislação de Acesso e Benefício Compartilhado (ABS, sigla em inglês) de recursos genéticos. Para a ecóloga e consultora do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Daniela Lerda, a principal mudança será na indústria farmacêutica, de cosméticos e na agricultura: - O Brasil tenta revisar legislação de ABS há anos, e o acordo deve empurrar essa agenda. Falta ainda, porém, discutir questões de financiamento para cumprir o protocolo.
Bolívia, Equador, Cuba e Venezuela pediram a retirada da menção sobre mecanismos inovadores de financiamento, o que dificulta a atuação da iniciativa privada - disse Daniela, que acompanhou as negociações em Nagoya.

O Globo, 02/11/2010, Razão Social, p. 21

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