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Brasil avança uma posição e governo faz IDH 'paralelo'

OESP, Metrópole, p. A14
25 de Jul de 2014

Brasil avança uma posição e governo faz IDH 'paralelo'
Três ministros foram escalados para apresentar um relatório alternativo. Eles reclamam que dados são desatualizados e progresso real seria de 12 posições; a ONU nega.

Lígia Formenti e Leonencio Nossa

O Brasil subiu uma colocação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2013. Relatório divulgado na madrugada de ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostra o País em 79o lugar entre 187 nações. O avanço discreto causou desconforto no governo Dilma Rousseff, que escalou três ministros para apresentar, horas depois, um relatório alternativo. Eles reclamam que o progresso teria sido de 12 posições, com o uso de dados mais atuais.
Especialistas da ONU dizem que a subida do Brasil em apenas uma posição no ranking se deve à crise financeira internacional que começou em 2008, à desigualdade de renda e ao crescimento acelerado de países que só agora começaram a criar políticas de combate à extrema pobreza, como Ruanda. Além do Brasil, apenas 37 países alcançaram colocação melhor.
Desenvolvido há 24 anos pelo Pnud, o índice tem escala de 0 a 1. Quanto mais próxima de 1, melhor a situação do país. O Brasil alcançou índice 0,744. Noruega, a primeira colocada, 0,944. O pior indicador foi Níger: 0,337. As notas são dadas a partir da avaliação de três quesitos: saúde, educação e rendimento.
Para o coordenador do sistema das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek, o fato de o Brasil ocupar apenas a 79o posição no ranking resulta de problemas históricos. "Não podemos esquecer que o Brasil apresentou melhoras consistentes nos últimos 30 anos", justificou. "Em 1980, a média de tempo de escola do brasileiro era a de 2,6 anos e a expectativa de vida, de 62,7 anos", completou.
Em entrevista conjunta, os ministros Tereza Campello (Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Arthur Chioro (Saúde) e Henrique Paim (Educação) apresentaram um relatório alternativo em que o Brasil passaria a figurar como país de desenvolvimento humano muito alto. O governo afirma que o IDH brasileiro é 0,764. De acordo com os ministros, a esperança de vida ao nascer do brasileiro é 74,8 anos, ante os 73,9 do Pnud. Os anos esperados de escolaridade são 16,3, em vez dos 15,2 do ranking oficial. Usando números dos ministérios, a média de anos de estudo da população é 7,6. No relatório, foi usado para cálculo 7,2.
No caso da esperança de vida ao nascer, o governo afirma que o Pnud adotou dados de 2010. O Ministério da Saúde, no entanto, garantiu que já estavam disponíveis dados de 2013. Para o cálculo dos anos esperados de escolaridade, o Pnud teria desconsiderado as matrículas das crianças a partir de 5 anos, deixando de incluir, portanto, as que estão nas creches. O governo alega ainda que, no caso de média de anos de estudo da população adulta, a ONU usou dados brasileiros de 2009 quando o governo já teria os de 2012.
"O IDH brasileiro não reflete o que ocorreu nos últimos quatro anos, pois os dados estão desatualizados", afirmou a ministra Tereza Campello. Ela ressaltou que "dezenas" de países apareceram no ranking com dados atualizados, o que deixaria o Brasil numa situação desfavorável. A ONU nega.
Tereza admitiu, porém, que o cálculo com a nova posição brasileira feita pela equipe do governo está sujeito a incorreções porque outros países podem ter sido vítimas do mesmo problema de desatualização de dados. "A discussão não é de ranking, mas de quanto avançamos no IDH", completou.
O ministro da Educação, Henrique Paim, apresentou indicadores que justificam o aumento na inclusão e mostram o desenvolvimento do País na redução do analfabetismo. Ele deixou claro que o Brasil precisa melhorar nos números, mas ressaltou a evolução ao longo do tempo.

Expectativa de vida. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, por sua vez, citou a redução dos índices de mortalidade infantil e comentou o indicador de expectativa de vida. "Diminuímos consideravelmente a mortalidade infantil. Temos reduções importantes em doenças crônicas não transmissíveis, em cânceres e doenças respiratórias. Também notamos um declínio nos homicídios e acidentes de trânsito. São elementos importantes que compõem um resultado melhor na expectativa de vida", disse.

Evolução é inegável, mas falta política social ousada

Raphael Bicudo - Economista e professor do Mackenzie e da FGV

Apesar de os dados terem sido contestados, existe evolução. O governo brasileiro questiona a metodologia, pelo fato de o Pnud considerar dados com uma certa defasagem. A diferença, no entanto, é muito pequena, não leva o Brasil para situação muito melhor. O País continuaria com IDH alto, posições melhores no ranking, mas com avanços pequenos. Em relação à expectativa de vida, por exemplo, o Pnud considera 73,9 anos e o Brasil 74,8 anos. Essa melhora não resolve o problema, é mais uma controvérsia metodológica.
A evolução, no entanto, é inegável. O IDH avalia dimensões da qualidade de vida, mas tem outros elementos nos quais o Brasil precisa avançar, como coleta de lixo, saneamento, tratamento de água. O País tem problemas localizados de alta taxa de mortalidade infantil, por exemplo. Existe ainda polêmica dentro do Pnud em relação aos programas de transferência de renda, que precisam de complementos. O economista Amartya Sen, um dos criadores do IDH, questiona o índice para medir a qualidade de vida e lembra que para conquistá-la a pessoa precisa ter acesso a habitação, saúde e educação de boa qualidade, crédito e emprego decente. Por isso, programas de transferência de renda dão melhora limitada e não sustentada. Políticas estruturais teriam nos levado para posição melhor.
Faltam ações que reduzam a pobreza significativamente, enxergando-a por prisma multidimensional, que não é só renda. Ter renda maior, mas não ter acesso a boa educação, saúde e emprego, é continuar na pobreza. Só renda não permite que tenha futuro melhor. Isso exige políticas sociais mais ousadas, estruturais, que garantam a emancipação das pessoas de fato.

Vizinhos latinos e demais Brics ficam à frente

Considerando os últimos cinco anos, o Brasil retrocedeu no ranking do Pnud: o País perdeu quatro posições quando comparado com 2008. Dentre os Brics, Brasil é o único que apresenta a queda. No mesmo período, a África do Sul subiu duas posições; Índia avançou uma, a Rússia manteve a colocação. Do grupo, a China foi a que mais cresceu, de acordo com o relatório: dez posições.
Entre os países de desenvolvimento humano alto, mesmo grupo do Brasil, 19 avançaram na classificação do Pnud entre 2008-2013. O melhor desempenho foi alcançado pela Turquia. Durante esse período, avançou 16pontos. O Peru também teve uma melhora na colocação. O país subiu 8 pontos. O desempenho brasileiro segue bem a quem dos vizinhos latino-americanos: Chile (41), Argentina (49), Uruguai (50) e Venezuela(67).
Chilenos, por exemplo, vivem 6,1 anos a mais do que brasileiros, têm 2,6 anos a mais de escolaridade e uma renda nacional per capita 45% maior. Com esses indicadores, o vizinho ocupa a 41ª posição no ranking, 38acimadoBrasil.
Já argentinos vivem 2,4 anos a mais que os nascidos no Brasil e têm uma renda per capita 21% maior do que a nacional. Além disso, a média de anos de estudo da população adulta daquele país é 2,6anos maior.
A renda per capita do Uruguai é 26% maior do que a do Brasil, e a média de anos de estudo da população adulta 1,3 ano maior do que a nacional. Além de perder para Argentina, Uruguai e Chile, o rendimento médio brasileiro perde para México (15,854), para Venezuela (17,067), Suriname (15,113) e Panamá (16,379). /L.F.eL.N

OESP, 25/07/2014, Metrópole, p. A14

http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-sobe-uma-posicao-em-…

http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,analise-evolucao-e-inegavel…

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