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Brasil avalia trecho Santos-Antofagasta

GM, Transporte & Logística, p. A51
12 de Mar de 2004

Brasil avalia trecho Santos-Antofagasta

Malha ferroviária de 4.269 quilômetros foi percorrida e analisada por engenheiros brasileiros. Um corredor ferroviário de 4.269 quilômetros, ligando Santos, no litoral paulista, a Antofagasta, na costa chilena do Oceano Pacífico, poderá entrar em operação comercial em dois anos, mediante investimento de US$ 463,5 milhões. Esse corredor bioceânico já existe e foi percorrido de trem, em dezembro do ano passado, por uma equipe de engenheiros do Ministério dos Transportes para avaliar a situação da malha ferroviária e o volume de investimentos que serão necessários para colocá-lo em operação comercial com segurança.

O economista Bernardo Figueiredo, diretor Administrativo-Financeiro da Valec-Engenharia, Construções e Ferrovias S.A (empresa pública, do Ministério dos Transportes, concessionária da Ferrovia Norte-Sul) e coordenador do Plano de Revitalização de Ferrovias, diz que são necessários US$ 36,2 milhões para obras de reparos na linha férrea para trafegar com segurança e outros US$ 83,7 milhões para a padronização da bitola da linha férrea. E mais US$ 343,6 milhões seriam aplicados na compra de vagões e locomotivas. O volume de investimento estimado para esse plano de revitalização é da ordem de US$ 8,015 bilhões, em quatro anos.

Quatro vertentes

Figueiredo diz que o Plano de Revitalização de Ferrovias tem quatro vertentes: adequação do modelo de privatização às regras da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), levantar a malha existente visando a eliminar os gargalos e aumentar a sua capacidade, expandir o transporte ferroviário para as fronteiras agrícolas do Centro Oeste, Norte e Nordeste - a malha ferroviária é muito concentrada no Sul, Sudeste e litoral - e resgatar o transporte ferroviário, inclusive o de passageiros. Segundo Figueiredo, o governo não planeja investir em trens de passageiros de alta velocidade, como a ligação Rio-São Paulo. "Isso só será feito com dinheiro privado", disse.

Os investimentos

O investimento estimado para esse plano de revitalização é de US$ 8,015 bilhões, em quatro anos. O diretor da Valec detalha que o programa prevê investimento público de R$ 2,789 bilhões na eliminação dos pontos críticos, notadamente nos corredores ferroviários que levam aos portos de Rio Grande (RS), Paranaguá (PR), Vitória (ES) e Sepetiba (RJ). Outros R$ 2,526 bilhões serão aplicados, numa primeira fase, na expansão da malha ferroviária para as fronteiras agrícolas do Centro Oeste, Norte e Nordeste.

Numa segunda etapa, o plano de revitalização prevê a aplicação de mais R$ 2,7 bilhões na expansão da malha ferroviária, nos dois casos no âmbito do projeto de Parceria Público Privada (PPP), que se encontra em apreciação no Congresso Nacional.

Os recursos

Figueiredo disse que a engenharia financeira para tocar o plano de revitalização de ferrovias está sendo montada para viabilizar os recursos. No caso específico do corredor ferroviário Santos-Antofagasta, reuniões vêm sendo realizadas com produtores rurais, principalmente de grãos. No mês passado, foi realizada uma reunião em Campo Grande com a participação de produtores rurais do Mato Grosso do Sul, dirigentes da Valec, da Brasil Ferrovias - concessionária do ramal Santos-Corumbá, com 1.772 quilômetros de extensão - e do secretário de Infra-Estrutura e Habitação daquele estado, Carlos Augusto Longo Pereira.

Soja e minério

De acordo com Figueiredo, os produtores de soja e de minério de ferro manifestaram a disposição de antecipar receita futura de frete para viabilizar o investimento. Ainda segundo Figueiredo, a Brasil Ferrovias já teria equacionado 50% do volume do investimento necessário para obras de reparos no trecho do qual é concessionária e a Bolívia - governo e a Ferrovia Oriental S.A - entraria com os restantes 50%. Argetina e Chile também teriam interesse em revitalizar esse corredor bioceânico, mas o governo argentino precisaria resolver antes uma questão: a concessionária Belgrano Cargas é operada pelo Sindicato dos Ferroviários, fator inibidor de parceria com o setor privado.

Por onde passa A importância desse corredor ferroviário não é apenas estratégica para a integração física do Continente, como também fomentará o desenvolvimento do turismo e, principalmente, passará a ser rota do escoamento da produção do Mercosul com destino ao mercado asiático via portos do Chile. A distância que separa o Brasil da Índia e da China, por exemplo, seria encurtada em mais de 7 mil quilômetros usando essa rota, o que representa custo menor de transporte e produtos mais competitivos.

A maior parte - 41,51% - da ferrovia é brasileira. De Santos (SP) a Corumbá (MS) são 1.772 quilômetros; de Corumbá a Pocitos, divisa da Bolívia com Argentina, mais 1.170 quilômetros; de Pocitos a Socompa, na fronteira da Argentina e o Chile, outros 987 quilômetros; e de Socompa a Antofagasta, na costa do Pacífico, mais 340 quilômetros. Trata-se de uma distância grande, mas é bem menor do que o longo caminho que os produtos brasileiros percorrem para circundar o litoral nordestino, atravessar o Canal do Panamá e daí navegar pelo Pacífico rumo à Ásia. Apenas na costa brasileira o navio percorre mais de seis mil quilômetros, partindo de Santos até o extremo do Amapá. E, de lá, a embarcação continua costeando as Guianas, Suriname, Venezuela, Colômbia, cruza o Canal do Panamá e desemboca no Pacífico, uma jornada de outros cinco mil quilômetros.

Roteiro turístico

Além do apelo econômico e integracionista, o corredor ferroviário deverá se transformar em concorrido roteiro turístico por cortar belas e diversificadas paisagens da América do Sul. Além da beleza do Pantanal sulmatogrossense, o turista cruzará os Andes por trilhos que desafiam as leis da física e cortam a cordilheira em altitude de 4.750 metros. Ainda em território chileno, a ferrovia passa pelo deserto do Atacama - considerado o deserto mais seco do mundo.

Os engenheiros do Ministério dos Transportes que fizeram a inspeção técnica da ferrovia, em dezembro de 2003, dividiram a viagem de 10 dias em 4 trechos:

Primeiro trecho

O trecho boliviano da ferrovia, operado pela Ferrovia Oriental S.A., passa pelas cidades de Quijarro - Roboré - Santa Cruz de La Sierra e Yacuíba. Com 1.181 quilômetros de extensão, está em boas condições operacionais. O fluxo maior de trens (carga e passageiros) é entre Quijarro e Santa Cruz de La Sierra. De Santa Cruz a Yacuíba a operação se limita a um trem por semana.

Segundo trecho

No lado argentino foram percorridos 991 quilômetros. O trecho operado pela Belgrano Cargas passa pelas cidades de Pocitos, Ledesma, Guemes, Salta, Santo Antônio dos Cobres e Socompa (divisa da Argentina com o Chile). A via permanente entre Pocitos e Ledesma, com 170 quilômetros, necessita de reparos. Neste trecho, os principais problemas são a ausência de lastro ferroviário e as juntas dos trilhos espaçadas provocam choques nas rodas do trem, limitando a velocidade a 20 km/h. Com a falta de controle da faixa de domínio, a vegetação cobre a linha em alguns pontos prejudicando a segurança do trem - problemas de frenagem, por exemplo.

No restante do trecho argentino as condições operacionais estão melhores, desenvolvendo velocidade média de 40 km/h. Entre Ledesma e Guedes necessita melhorias no sistema de drenagem, que não funciona e causa inundação da linha quando chove. Há problemas de sinalização em passagens de nível na saída da cidade de Salta. O trecho possui rampas elevadas de até 2,5% e um sistema de ziguezague, utilizado para ganhar altitudes sem contornar as montanhas. Este método, segundo análise dos engenheiros que participaram da vistoria, limita o tamanho da composição do trem. Atualmente, apenas um trem por semana opera.

Terceiro e quarto trechos

Já da divisa entre Argentina e Chile até Augusta Victória são 181 quilômetros de extensão. O trecho, administrado pela Ferronor, é todo em serra e plataformas totalmente niveladas com boas condições de segurança. De Augusta Victória até Antofagasta são 159 quilômetros de trilhos, administrados pela FCAB, também em boas condições.

Lula defende revitalização de ferrovias
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, destacou o esforço do governo no sentido da revitalização da malha ferroviária e da construção de alguns ramais que representam gargalos para o crescimento das exportações do País.

Lembranças de 1971

Lula lembrou que quando saiu da Villares Equipamentos, em 1971, a empresa estava deixando de produzir motores de navio, em São Bernardo do Campo, para produzir locomotivas, em Araraquara.

Segundo o presidente Lula, na década de 80, a Villares montou uma fábrica que chegou a ter 3 mil trabalhadores.

Passos para trás

"Essa fábrica não existe mais. O Brasil não só não produz mais locomotivas, como os vagões que temos capacidade de produzir não atendem à demanda. Mas o que é mais grave é que vamos ter que importar trilhos, porque o Brasil não produz mais trilhos. E estamos precisando importar mil vagões, e também estamos precisando importar 100 locomotivas", disse Lula. "Se não tivessem sido desativadas as nossas ferrovias, a gente teria a capacidade de produzir os trilhos e os dormentes necessários para que pudéssemos recuperar as nossas ferrovias."

Falta de crédito

Lula lembrou que faz pelo menos 30 anos que ouve falar da necessidade de uma ligação entre o Brasil e o Oceano Pacífico. E contou que em recente conversa o governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio dos Santos (Zeca do PT), e com o presidente boliviano Carlos Mesa, durante viagem a Santa Cruz de La Sierra, ficou sabendo que essa ligação ferroviária já existe.

"A ferrovia que liga o Brasil ao porto de Antofagasta, no Chile, já está pronta na Argentina, está pronta no Chile, está pronta na Bolívia e que, de Santos até a Bolívia, com apenas 80 milhões de reais, nós colocaríamos essa ferrovia para funcionar", afirmou Lula.

Endividamento

"Acontece que a empresa que privatizou, a empresa que comprou, está tão endividada que não pode sequer ter acesso aos 80 milhões de reais para fazer essa ferrovia voltar a funcionar, embora precise apenas recuperar alguns trilhos e colocar dormentes novos no lugar dos estragados". A Brasil Ferrovias, não citada por Lula, é a concessionária desde 1997, quando o ramal foi privatizado.

Ligação de quatro países

O presidente Lula revelou também que pediu ao presidente do BNDES, Carlos Lessa, "que colocasse como prioridade máxima, arrumar uma empresa que tenha condições de fazer o investimento para que a gente possa colocar essa ferrovia para funcionar, e que a gente tente utilizar ao máximo possível essa ferrovia como ligação de transporte entre quatro países, o que não é pouca coisa".

GM, 12-14/03/2004, Transporte & Logística, p. A51

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