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Bolívia retoma ataques ao Madeira

OESP, Economia, p. B8
18 de Jul de 2007

Bolívia retoma ataques ao Madeira
Desta vez, deputados de Beni e Pando pedem que embaixador brasileiro detalhe projeto de usinas hidrelétricas

Denise Chrispim Marin

Esvaziado pela Assembléia Constituinte, o Congresso boliviano decidiu acirrar os ânimos no país contra a construção, pelo Brasil, das duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia. O ativismo ambientalista dos parlamentares, no entanto, foi recheado de propostas estranhas.

A primeira é apresentar uma apelação ao Parlamento Amazônico. Trata-se de uma entidade criada no papel em 1988 para agregar representantes dos Legislativos dos oito países da bacia do Rio Amazonas, mas que ainda vaga como um espectro entre as instituições multilaterais da América do Sul.

A segunda idéia é a convocação, pelo Senado boliviano, do chanceler David Choquehuanca para que responda sobre sua suposta demora e negligência ao cobrar do Brasil explicações sobre os impactos ambientais dos dois projetos, como destacou a edição de ontem do jornal El Deber, de Santa Cruz de la Sierra. Entretanto, Choquehuanca é um notório aliado de organizações ambientais e ferrenho opositor à instalação das usinas no Madeira. Mais razoável, a terceira iniciativa do Congresso boliviano é enviar um convite ao embaixador do Brasil em La Paz, Frederico Araújo, para que apresente informações técnicas sobre as hidrelétricas.

As iniciativas do Congresso boliviano foram encaradas com ironia por diplomatas brasileiros que acompanham o novo entrevero Brasil-Bolívia. Em especial porque partem do princípio de que as usinas serão construídas na linha de fronteira entre os dois países. Na realidade, a mais próxima, Jirau, estará a 80 quilômetros da divisa. A segunda, Santo Antônio, a 300 quilômetros. Até ontem, o Itamaraty não havia recebido resposta para a carta enviada na semana passada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a Choquehuanca, na qual sugeriu uma reunião técnica entre delegações dos dois países nos próximos dias 23 e 27, em Brasília.

Outra esquisitice apontada pelos diplomatas foi a autoria dessas ações: os deputados e senadores dos Departamentos do Beni e do Pando. Na fronteira com o Brasil, essas regiões serão as maiores favorecidas na Bolívia com a construção das duas usinas. Essas obras poderão fomentar a instalação de outras duas hidrelétricas - uma binacional na divisa e outra no interior do território boliviano, provavelmente nessas regiões.

'A gente sempre repete às autoridades bolivianas que, em caso de um desastre ambiental em uma das usinas brasileiras, a Bolívia não será afetada. Antes de surgir qualquer conseqüência na Bolívia, caem o ministro de Minas e Energia e o presidente do Ibama', resumiu um diplomata brasileiro. 'Essas iniciativas só servem para atiçar as picuinhas do governo boliviano contra o Brasil.'

A polêmica sobre as hidrelétricas acentua a divisão do governo boliviano. Pragmático, Evo Morales espera dados mais concretos para se posicionar.

Itaipu também sofreu pressões
Na época, crise foi iniciada pela Argentina

Marcelo de Moraes, Brasília

A pressão política do presidente da Bolívia, Evo Morales, contra a construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira não é a primeira nem a mais grave crise diplomática internacional enfrentada pelo Brasil por causa do uso de recursos naturais. Papéis secretos do Conselho de Segurança Nacional, aos quais o Estado teve acesso,mostram que no início da década de 70, o protesto da Argentina contra a construção da Usina de Itaipu cresceu tanto que quase fez com que o Brasil fosse alvo até de boicote do mundo árabe em fornecimento de petróleo.

Nesse caso, o Brasil acabou envolvido pelo confuso processo político internacional da época. Preocupado com os efeitos geopolíticos que a construção de Itaipu poderiam produzir na região, a Argentina mobilizou uma ampla ação na ONU, com a apresentação de um projeto que obrigava a consulta a todos os países envolvidos sempre que recursos naturais comuns fossem utilizados numa determinada obra.

A partir daí, os argentinos se articularam com os países da África e do Oriente Médio para pressionar o Brasil. Os africanos acharam conveniente um acordo com a Argentina porque desejavam fazer com que o Brasil desistisse de seu apoio a Portugal na questão de independência das colônias africanas (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau). De quebra, a Argentina levou o apoio dos países do Oriente Médio, que tinham acordo político de mútuo apoio com os países africanos.

O problema é que os países árabes usavam como instrumento de pressão a ameaça de não fornecer petróleo. E, na década de 70, a crise de petróleo representava uma ameaça de paralisação da economia. Foi esse o risco temido pelo governo brasileiro.

'A verdade é que a Argentina resolveu pagar um preço impensável para nós, com o objetivo de conseguir a aprovação desse projeto: todos os seus votos, atitudes e manifestações nas Nações Unidas passaram a ser do cego alinhamento com o bloco afro-asiático e com o grupo dos não-alinhados, o que lhes assegura uma maioria automática e praticamente invencível', diz relatório sigiloso do Ministério das Relações Exteriores, em 19 de novembro de 1973, enviado ao então presidente Emílio Garrastazu Médici.

Documento secreto produzido oito dias depois pelo Conselho de Segurança Nacional admite que a posição brasileira de alinhamento a Portugal na relação com as colônias africanas estava sendo aproveitada pela Argentina. A ciranda diplomática fez com que o Brasil reduzisse o apoio a Portugal e concordasse com a proposta argentina de consulta prévia para uso de recursos naturais.

A demora na definição do processo mudou radicalmente a situação política argentina, trazendo de volta ao poder o populista Juan Perón. Sem querer atritos com o Brasil, Perón reduziu a pressão internacional e o governo brasileiro concordou com a tese da consulta prévia, desde que não inviabilizasse Itaipu.

OESP, 18/07/2007, Economia, p. B8

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