VOLTAR

Bolívia reacende cobrança sobre usinas

Valor Econômico, Brasil, p. A6
10 de Mar de 2014

Bolívia reacende cobrança sobre usinas
Cheias no rio Madeira levam país a retomar pressão por explicações sobre impactos de hidrelétricas

Daniel Rittner e André Borges
De Brasília

As cheias no rio Madeira e em seus afluentes reacenderam cobranças da Bolívia sobre possíveis impactos das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau em áreas fronteiriças do país vizinho. Pressionados por entidades ambientalistas e autoridades locais, que ligaram o sinal de alerta por causa das inundações na região, o governo boliviano pediu esclarecimentos formais ao Itamaraty.
A preocupação central de auxiliares do presidente Evo Morales é saber se a construção das barragens tem potencializado os efeitos devastadores do excesso de água às margens dos rios Beni e Madre de Dios, no norte da Bolívia, que alimentam o Madeira.
Essa região enfrenta um panorama caótico: milhares de pessoas estão desabrigadas, há relatos de mortes e estima-se que pelo menos 100 mil cabeças de gado tenham sido perdidas. Há suspeitas de que as usinas dificultem a vazão natural dos rios e retenham, por mais tempo e em maior volume, os alagamentos.
A queixa foi trazida a Brasília, na semana retrasada, por uma delegação boliviana que esteve no Itamaraty e no Ministério de Minas e Energia. De acordo com o embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano, já foram solicitadas informações técnicas a respeito do funcionamento das usinas e um questionário será apresentado nos próximos dias.
"Não é para criar conflitos nem para encontrar culpados, mas precisamos investigar as razões técnicas e ver se é necessário estabelecer remediações ambientais para evitar que esses problemas se repitam no futuro", disse Justiniano ao Valor. Ele aponta que, além da preocupação com as inundações, o governo boliviano está intrigado com o volume de sedimentos nos afluentes do Madeira e a perda de espécies de peixes.
Um dos pedidos urgentes é a reativação imediata de uma comissão binacional encarregada de discutir supostos impactos da construção das duas hidrelétricas em território boliviano. A barragem de Jirau está a cerca de 80 quilômetros da fronteira. No caso de Santo Antônio, que fica rio abaixo, a distância é de aproximadamente 200 quilômetros.
Em 2007, quando as usinas estavam em processo de licenciamento ambiental pelo Ibama, a pressão de entidades ambientais na Bolívia fez com que Evo pedisse a criação de uma comissão para verificar esses impactos. O Brasil concordou e o governo boliviano não contestou a licença às hidrelétricas. Segundo o embaixador, no entanto, os trabalhos da comissão estão praticamente congelados há mais de um ano.
Nas últimas semanas, a pressão ressurgiu, em função das cheias históricas. A boliviana Liga de Defesa do Meio Ambiente (Lidema), por exemplo, tem encabeçado os protestos. Ela sustenta a tese de que o reservatório de Jirau retarda, em situações de chuvas abundantes como agora, a drenagem natural do rio Madeira e de seus afluentes próximos. Para a entidade, esse problema foi agravado pela elevação da cota (altura) dos reservatórios de Jirau e de Santo Antônio. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a elevação das cotas, permitindo maior geração de energia pelas duas usinas, mas até hoje as duas concessionárias têm brigas em torno da questão.
Em nota, a Lidema opinou que essas mudanças podem resultar em "processos de maior retenção de águas e inundações anômalas, sobretudo em anos excepcionalmente úmidos". É uma espécie de "entupimento" do rio Madeira, segundo termos usados pela entidade ambiental, que pede ao governo boliviano uma auditoria internacional sobre o assunto.
As acusações são refutadas por Victor Paranhos, diretor-presidente do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela construção e operação de Jirau. "A usina não tem nenhum impacto sobre o que está ocorrendo na Bolívia. Toda água que entra na barragem, sai do outro lado. Não subimos a cota do nosso reservatório (atualmente de 89 metros), nem estamos retendo água", afirmou.
As inundações, segundo o executivo, devem-se ao excesso de chuvas verificado na região do Acre e do Peru. "Temos todos os estudos com relação à vazão, não há nenhuma relação com a usina. Estamos absolutamente à disposição para prestar esclarecimentos", comentou Paranhos. Procurada, a Santo Antônio Energia preferiu não se pronunciar.
As explicações ainda são vistas com desconfiança pelo governador de Beni, Carmelo Lens, à frente do departamento (província) boliviano mais afetado pelas cheias e que faz fronteira com o Brasil. "Não resta dúvida de que as represas tiveram impacto ambiental negativo do nosso lado", afirmou o governador ao Valor.
Lens disse que, neste verão, choveu "quatro a cinco vezes mais" do que a média histórica da região. Por isso, ele não culpa diretamente as hidrelétricas pelas inundações em Beni, mas acredita que as usinas ampliaram as áreas alagadas em território boliviano e não permitiram o escoamento das águas com maior rapidez. Ele reforça os pedidos de estudos adicionais sobre os efeitos das usinas e relata ter sido muito cobrado, por moradores de comunidades ribeirinhas da fronteira, sobre a mortandade de peixes nos afluentes do Madeira.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, incluiu a discussão sobre as hidrelétricas na pauta de sua visita à cidade de Cochabamba, no dia 7 de abril. Fontes do governo brasileiro asseguram que o clima não é de animosidade, mas de cooperação, e explicações técnicas já estão sendo dadas à Bolívia.
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem subsidiado o Itamaraty com estudos que demonstram que as cheias, tanto do lado brasileiro como do lado boliviano, foram motivadas por fenômenos naturais e não estão relacionadas à operação das hidrelétricas.

MPF e OAB vão à Justiça contra operação de usinas

De Brasília

As queixas contra as operações das usinas do Madeira não se limitam às autoridades bolivianas. Na semana passada, uma ação civil pública foi apresentada ao Ibama, ao consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), dono da usina de Jirau, e ao consórcio Santo Antônio Energia, que opera a hidrelétrica de Santo Antônio.
A ação foi assinada pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Rondônia, além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO), a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado. As instituições pedem que a Justiça Federal obrigue as hidrelétricas a atender imediatamente necessidades básicas da população por conta dos estragos causados pelas enchentes com moradia, alimentação, transporte, educação e saúde. As medidas ficariam em vigor enquanto durar a situação de emergência na região e até que haja uma decisão sobre compensações, indenizações e realojamentos.
Na ação, os órgãos querem que a Justiça condene o Ibama a suspender imediatamente as licenças das usinas até que novos estudos sobre impactos das barragens sejam feitos. As instituições chegam a pedir, ainda, que as usinas compensem "o dano moral coletivo, estimado em R$ 100 milhões", recurso que seria revertido para as vítimas das enchentes e reconstrução de casas.
Segundo o MPF, a consultoria Cobrape, contratada pelo MP/RO e custeada pelos consórcios, já alertava que a área alagada e os impactos em decorrência das barragens poderiam ser maiores do que os dados apontados por Furnas, que na época fez os estudos aceitos pelo Ibama. Os dados da consultoria foram entregues a Furnas e ao Ibama. No entanto, o processo de licenciamento prosseguiu.

Valor Econômico, 10/03/2014, Brasil, p. A6

http://www.valor.com.br/brasil/3455418/bolivia-reacende-cobranca-sobre-…

http://www.valor.com.br/brasil/3455420/mpf-e-oab-vao-justica-contra-ope…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.