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Biopirataria sob investigação

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Chico Araújo
28 de Abr de 2005

CPI aciona Interpol para apurar venda de sangue de índios brasileiros na internet

Brasília - A CPI da Biopirataria vai pedir ajuda da Interpol, a polícia internacional, para investigar a venda de sangue dos índios Suruí e Karitiana, de Rondônia, feita no site da empresa norte-americana Coriel Cell Repositories. A decisão foi tomada pelo relator da CPI, deputado Sarney Filho (PV-MA), após o procurador da República em Rondônia, Reginaldo Pereira da Trindade, revelar ontem, em depoimento à comissão, que biopiratas procederam recentemente a retirada de sangue de índios da etnia Uruê-au-au daquele Estado.

"No início deste mês, recebi nova denúncia da coleta ilegal de sangue. Desta vez, as vítimas seriam os Uruê-au-au", contou à CPI. Além do sangue, segundo o procurador, os biopiratas também estão coletando sementes de mogno para exportá-las para os Estados Unidos e Europa.

O comércio de DNA de indígenas brasileiros foi revelado com exclusividade pelo Página 20 em março, o que levou a CPI a convocar o procurador. Cada amostra de sangue é negociada por US$ 85, o equivalente a R$ 230, no site http: locus.umdnj.edu

A sugestão para a Interpol investigar o comércio de DNA foi feita pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR). "É um caso gravíssimo; a CPI não tem alternativa, a não ser apelar para a Interpol", ressaltou. Rosinha afirmou, ainda, que pedirá ajuda dos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores para desvendar o caso.

A CPI também decidiu convocar o médico brasileiro Hilton Pereira da Silva a prestar esclarecimentos sobre a venda de sangue dos índios brasileiros. Em 1996, Silva obteve autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) para entrar na aldeia Karitiana. Ele iria produzir um documentário sobre o Mapinguari, um monstro lendário da Amazônia. Silva estava acompanhado da arquiteta Denise Hallak.

Na época, segundo o procurador, o médico Hilton Silva e sua companheira teriam aproveitado a permanência entre os karitiana para fazer coleta ilegal de sangue. A dupla teria coletado 160 amostras. Por conta dessa atitude, a Procuradoria da República ingressou com uma ação civil pública contra o casal. "A ação é em função da coleta ilegal e não pela venda de sangue, feita desde 1996 pela Coriel Cell", explicou.

Suspeitas

Em seu depoimento a CPI, o procurador Reginaldo da Trindade não descartou uma provável ligação entre a venda do DNA no site da Coriel e a coleta realizada por Silva. As suspeitas decorrem do fato dele ter coletado 160 amostras e apenas 54 delas teriam sido recuperadas. As amostras recuperadas pela Procuradoria foram depositadas em um dos laboratórios da Universidade Federal do Pará (UFPA), a pedido de Hilton Silva.

Trindade ainda contou ter procurado a reitoria da UFPA para saber se o sangue guardado em seus laboratórios fazia parte de algum projeto de pesquisa. A universidade, segundo ele, negou estar desenvolvendo qualquer pesquisa nesse sentido. Em função disso, o procurador requisitou as amostras e abriu procedimento investigatório para apurar se o DNA vendido pela Coriel Cell é o mesmo coletado pelo médico Hilton Silva, em 1996, nas aldeias de Rondônia.

Para o relator da CPI, deputado Sarney Filho, a venda de DNA de índios brasileiros "é um fato gravíssimo, um atentado à soberania nacional". Sobre a entrada da Interpol no caso, Sarney explicou que o organismo policial vai entrar no caso para rastrear o contrabando de gene animal e vegetal do Brasil. "Agora, a grande preocupação da CPI é chegar às fontes e aos laboratórios, que utilizam recursos genéticos de origem brasileira na fabricação de cosméticos e medicamentos".

Já o deputado Hamilton Casara (PL-RO), ex-presidente do Ibama, pediu que a CPI convocasse o médico Hilton Pereira para depor. Casara reconhece que Silva é a chave para desvendar todo o mistério de como o sangue dos índios Suruí e Karitiana foi para no site da Coriel Cell Repositories. "Se for necessário, vamos acionar a Polícia Federal (PF) para caçar esse médico", anunciou Casara. (Colaborou Romerito Aquino)

PARA ENTENDER O CASO

As primeiras denúncias de coleta e venda de amostras de sangue dos índios de Rondônia surgiram em 1996. Um ano depois, a Câmara criou uma comissão externa para investigar esse e outros casos de biopirataria na Amazônia. Na época, constatou-se que era possível adquirir amostras de sangue pela internet de crianças, adolescentes, mulheres, homens e velhos das duas tribos brasileiras. Sete anos depois, o sangue continua à venda no site da Coriell Cell Repositories, apesar das investigações parlamentares.

A Polícia Federal (PF) em Rondônia abriu inquérito para apurar a venda de amostras de sangue de índios brasileiros pela Coriell Repositories. De acordo com a PF, o caso é investigado como tráfico de órgãos humanos. A investigação está sendo desenvolvida nessa linha porque não há no Brasil uma lei específica para crimes de biopirataria.

A Procuradoria da República em Rondônia investiga a coleta ilegal de sangue dos Karitiana desde 1996, mas somente em 2002 ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal. Na ação, o MPF acusa o médico brasileiro Hilton Pereira da Silva e a norte-americana Denise Hallak pela prática de biopirataria. A dupla teria convencido os índios a doar o sangue, sob o argumento de que o material deveria ser utilizado em pesquisas para tratamento de malária, anemia e verminose. O sangue acabou indo parar no banco de dados do laboratório Cell Repositories, que o colocou à venda na internet.

Além do sangue de índios, os biopiratas que atuam no Brasil tem contrabandeado para o exterior insetos, borboletas, besouros, essências e microorganismos. Esse material está sendo usado em pesquisas científicas por laboratórios multinacionais.

A direção da Funai informou que já pediu a abertura de investigação pela Polícia Federal para apurar o caso. Na avaliação do órgão, o caso é "extremamente grave" e que o governo brasileiro vai adotar todas as medidas cabíveis e necessárias para punir os responsáveis pelo comércio ilegal de sangue pela internet.

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