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Biólogos são liberados

CB, Brasil, p. 6
24 de Jun de 2013

Biólogos são liberados
Após reunião com a Funai, caciques mundurukus soltam funcionários que faziam pesquisa no Rio Tapajós

ÉTORE MEDEIROS

Os três biólogos sequestrados por índios mundurukus na última sexta-feira, na comunidade de Mamãe-Anã, no município de Jacareacanga, no Pará, estão em liberdade. Em troca da soltura de Djalma Nóbrega, Luiz Peixoto e José Guimarães, os índios exigiram a imediata suspensão dos estudos de impacto ambiental para a implantação de usinas hidrelétricas no Rio Tapajós. A negociação, por parte do governo, foi conduzida por duas funcionárias da Fundação Nacional do Índio (Funai), embora a Secretaria-Geral da Presidência da República (SG-PR) também tenha enviado servidores ao Pará. Outro ponto acertado no encontro com os caciques mundurukus foi a realização de uma nova reunião, em julho, para definir como será feita a consulta aos índios, para a construção do complexo de usinas. O procedimento é obrigatório, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo os índios que participaram da reunião, Lucia Alberg, assessora da presidência da Funai, anunciou que estava "suspenso qualquer estudo na região" relativo à construção de hidrelétricas no Rio Tapajós. A reunião com os índios se deu em praça pública, no município de Jacareacanga, local onde os biólogos permaneceram amarrados durante todo o domingo. "É humilhante ficar amarrado em praça pública. Causa abalo psicológico. Imagine receber a ameaça de ser queimado vivo, ter a cabeça cortada. Isso é terrível, é tortura", argumentou o secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Maldos. Os índios negaram qualquer tipo de tortura ou maus-tratos contra os biólogos, mas anunciaram que não devolverão os equipamentos dos biólogos, com os dados da pesquisa.
Sobre a consulta prévia, Maldos critica a postura dos mundurukus: "Eles pediram, mas era nossa a oferta de pactuar um processo de consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT. Eu mesmo já fui a Jacareacanga para isso, mas eles não apareceram na reunião. Queremos fazer consulta nos termos da 169, estamos rigorosamente dentro do estabelecido pela OIT", defende. Valdenir Munduruku, um dos líderes da etnia, discorda. "Em vez de sentar e discutir cara a cara, bota sempre barreiras policiais para impedir, e isso gera os conflitos", explica.
Segundo Valdenir, um dos pontos que possibilitaram o desfecho positivo da reunião deste domingo foi a ausência do aparato policial. "Conversando, vamos chegar a alguma conclusão", comemora o índio. Sem se encantar com a aparente vitória, ele cobra a publicação ou entrega de algum documento, por parte do governo, selando o acordo, ou os mundurukus tomarão novas medidas radicais. "Eles se comprometeram, mas, se não cumprirem, problema deles, porque vamos continuar a agir. A gente quer preservar o Rio Tapajós, não quer que tenha usina hidrelétrica", conclui. O Grupo de Estudos Tapajós, responsável pela pesquisa dos biólogos, não se pronunciou até o fechamento desta edição.

Palavra de especialista

Diálogo viciado

"O governo se agarra ao planejamento do setor elétrico e diz que, se as coisas não forem feitas da forma que ele quer, será o caos no país. Apesar disso, demonstra um mínimo de respeito pelos índios, tanto que marca reunião e os deixam falar. O problema é que depois não leva nada em consideração. No começo do governo Lula, imaginou-se que o modelo de relacionamento com os índios seria diferente, mas não foi. É um não diálogo, tanto que as partes que conversam são as que não decidem nada: Funai e Secretaria-Geral da Presidência. Isso demonstra que é um diálogo viciado, sem posssibilidade de alteração, além de ficar claro que o modelo de desenvolvimento do governo para a região, que é o mesmo da ditadura militar: abrir mais estradas, expandir a fronteira agrícola, contruir mais hidrelétricas, viabilizar a mineração. Com o novo Código da Mineração, encaminhado na última semana para o Congresso, a estimativa do governo é de aumentar de três a cinco vezes a produção no Brasil até 2030. Grande parte desta expansão será na Amazônia. A alternativa para a região seria o desenvolvimento sustentável, com investimentos em biotecnologia, na formação de centros de conhecimento, subsídios ao uso sustentável da floresta e demarcação de terras indígenas."

Raul Valle, advogado e coordenador de programa do Instituto Socioambiental

Saiba mais
Quem são os mundurukus?

As primeiras notícias da existência desse povo indígena datam da segunda metade do século 18. De tradição guerreira, eles dominavam a região do Vale do Rio Tapajós, que no século 19 chegou a ser conhecida como Mundurukânia. Hoje, os mais de 11 mil índios da etnia estão distribuídos pelo Pará, Amazonas e norte de Mato Grosso.

Qual a origem do conflito?

O governo federal planeja a construção de várias hidrelétricas nos rios Tapajós e Teles Pires, que afetarão áreas ocupadas ou reivindicadas pelos mundurukus, que são contra as obras em suas terras. Pelo que diz a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, a consulta aos índios é obrigatória em caso de qualquer intervenção na terra por eles ocupada. O governo alega que os mundurukus dificultam o diálogo e que as terras que passam por estudos não são indígenas. Os índios, por sua vez, acusam o governo de não realizar consultas sobre os empreendimentos, desrespeitando o tratado internacional.

Existe risco de impacto real para os índios?

O governo afirma que o modelo de usina hidrelétrica adotado para a região, de fio d"água, gera uma menor área de alagamento e, portanto, menos danos ao meio ambiente e a comunidades tradicionais. Ambientalistas alertam que a construção de usinas em série, em diversos rios da Amazônia, poderia alterar todo o ecossistema da floresta e, consequentemente, trazer impactos para o modo de vida e a alimentação dos índios.

O que está em jogo?

Os mundurukus são o primeiro povo a se organizar e lutar de forma veemente contra as usinas hidrelétricas na região da Amazônia Legal. No área afetada pela usina de Belo Monte, maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento, existem diversas etnias, distribuídas em aldeias menores, e sem articulação. O governo tem pressa em resolver o conflito com os mundurukus pois pretende leiloar a construção da usina de São Luís do Tapajós em 2014. Para isso, é necessário concluir os estudos de impacto ambiental para a obtenção da licença prévia, que permite o pontapé das obras. É justamente o andamento desde processo que os mundurukus pretendem interromper.

Correio Braziliense, 24/06/2013, Brasil, p. 6

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