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Biodiversidade negligenciada

JB, Opinião, p. A12
Autor: SOUZA, Wanderley de
03 de Out de 2005

Biodiversidade negligenciada

Wanderley de Souza
Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio

A cidade de Guanzhou, capital da província chinesa de Guangdong, sediou recentemente o 12o Congresso Internacional de Protozoologia, encontro que se realiza a cada quatro anos. Nesse encontro foram discutidos os novos avanços metodológicos que permitem a classificação das espécies do reino Protozoa e apresentadas as novas espécies descritas e estudos sobre aspectos morfológicos, bioquímicos e funcionais dos diferentes microorganismos, bem como seus efeitos na natureza. Efeitos que vão desde uma importante participação na cadeia alimentar até a atuação como agente causador de doenças em plantas e animais, inclusive no homem. Dois temas gerais mereceram destaque.
Primeiro, a constatação geral de que é muito pequeno o número de pesquisadores em todo o mundo que vem se dedicando à prospecção de novas espécies existentes nos mais diversos ambientes. Esse número é menor do que já houve no passado e reflete certa fuga dos jovens estudantes para o trabalho de sistemática e taxonomia, excitados pelos avanços da genômica, da proteômica e da bioinformática. Isso faz com que conheçamos hoje cerca de três mil espécies de ciliados dos 30 mil provavelmente existentes, segundo cálculos conservadores dos especialistas. Apenas o pesquisador austríaco Wilhelm Foissner, que já realizou estudos em colaboração com cientistas brasileiros, descreveu ao longo de sua carreira cerca de 500 novas espécies e tem outras tantas em seu laboratório em fase de descrição.
Um momento marcante do evento foi a apresentação de um vídeo mostrando um dos maiores ciliados descritos até agora, encontrado na água acumulada em uma bromélia sul-americana. Corroborando essas informações, estudo realizado por uma equipe de pesquisadores americanos e publicado na revista Science de junho último, mostrou quão ampla é a diversidade dos microorganismos que vivem no corpo humano. 0 estudo, realizado com moderna abordagem molecular para analisar a diversidade de bactérias encontradas no tubo digestivo, revelou a presença de 395 espécies de bactérias habitando a nossa cavidade intestinal, sendo que 244 dessas eram desconhecidas até então.
0 segundo tópico que despertou atenção foi a constatação de que os protozoários que exercem atividade parasitária continuam causando sérias doenças no homem e em animais de interesse econômico. Ainda que o tema não fosse abordado explicitamente, ficou claro que algumas espécies de animais silvestres vêm sendo dizimadas, sobretudo na savana africana, por doenças causadas por protozoários. Entre os protozoários causadores de doenças no homem, atenção especial deve ser dada aos que causam a Malária, que atinge hoje 300 milhões de pessoas, das quais dois milhões morem anualmente, sobretudo crianças africanas. Merecem destaque, ainda, as leishmanioses, causadas pelo grupo das Leishmania, a Doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, a Doença do Sono, provocada pelo Trypanosoma brucei, e a amebíase, causada pela Entamoeba histolytica, que, juntas, afetam mais de 700 milhões de pessoas. Essas são consideradas doenças negligenciadas, por despertar pouco interesse dos grandes centros científicos, uma vez que afetam apenas que muitas espécies ainda são desconhecidas.
Como poderemos afirmar que conhecemos a nossa biodiversidade se não estimularmos os estudos nessa área, para verificar a existência e a distribuição de vírus, bactérias, protozoários e fungos na vida aquática, no solo, nas plantas e animais? 0 tema biodiversidade é cada vez mais candente, ainda que os movimentos existentes no mundo, sobretudo os liderados pelas organizações não governamentais, lamentavelmente se restrinjam às plantas e aos animais de maior porte. Há um mundo de pequenos organismos que devem ser mais bem estudados.

Wanderley de Souza é professor Titular de Parasitologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

JB, 03/10/2005, Opinião, p. A12

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