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Belo Monte: perguntas e respostas sobre a obra mais polêmica do país

O Globo, Eco Verde, p. 34
Autor: VIEIRA, Agostinho; TOLMASQUIM, Maurício; SALAZAR, Marcelo; LA ROVERE, Emílio; SCHAEFFER, Roberto
01 de Dez de 2011

Belo Monte: perguntas e respostas sobre a obra mais polêmica do país

Agostinho Vieira
oglobo.globo.com/blogs/ecoverde

Há 15 dias circula pela internet um vídeo com 19 artistas famosos falando sobre Belo Monte. Numa espécie de jogral, nomes de peso como Ary Fontoura, Marcos Palmeira, Juliana Paes e Letícia Sabatella, fazem uma série de perguntas, afirmações e pedem aos internautas que assinem uma petição para paralisar imediatamente as obras da usina.
A iniciativa, promovida pelo recém-criado movimento Gota D"Água, já conseguiu quase 1,2 milhão de assinaturas. No vídeo, a atriz Maitê Proença chega a tirar literalmente o sutiã enquanto espera uma nova assinatura virtual. Segundo o site, a ideia é "envolver a sociedade na discussão de grandes causas". Belo Monte seria apenas a primeira delas.
O problema é que discussão mesmo, a gravação tem pouca. O tom é de campanha contra o projeto mais polêmico do país nos últimos 30 anos. Alvo de dezenas de ações na justiça e até algumas cenas de violência.
Por isso, 8 perguntas dos artistas estão na coluna de hoje, sendo respondidas por 4 especialistas: o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim; o ambientalista Marcelo Salazar, do Instituto Sócio Ambiental, que trabalha em Altamira, uma das cidades mais atingidas pela usina; e os professores da Coppe Emílio La Rovere, do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente; e Roberto Schaeffer, doutor em planejamento energético e membro do IPCC.

1 Belo Monte será a terceira maior usina do mundo mas só usará um terço da capacidade?

"Nenhuma hidrelétrica no mundo usa 100% da sua capacidade. Belo Monte tem 41% de capacidade, menor que a média brasileira, que gira em torno de 52%, mas é maior que a maioria das americanas e européias" (Schaeffer).
"Para aumentar a capacidade da usina teríamos que fazer um reservatório maior. Abrimos mão de parte da eficiência energética em troca de eficiência ambiental. Quisemos alagar o mínimo possível" (Tolmasquim).

2 A usina vai custar R$30 bilhões e será paga com dinheiro público?

"Não há nenhuma clareza nos custos. O ex-presidente da Eletrobrás José Antonio Muniz já citou valores na casa dos R$40 bilhões. E as empresas públicas e os fundos de pensão representam 74% do consórcio" (Marcelo).
"Qualquer obra de infraestrutura no mundo é feita com dinheiro público ou com financiamento público. O que importa é o custo da energia que, neste caso, é muito barata, apenas R$78 o MWh. E os investidores, públicos e privados, vão ter retorno" (La Rovere).

3 Oito meses por ano a região ficará seca?

"Por 4 meses a usina vai operar com total capacidade e no resto do ano será menor, podendo até parar completamente" (Marcelo).
"A usina não vai parar. E o que importa é a capacidade média ao longo do ano, que é de 4.571 MW. A licença ambiental prevê uma vazão mínima de 700 m3 por segundo na região da Volta Grande do Xingu, que é a mais crítica. Maior que a vazão mínima histórica, que é de apenas 400 m3 por segundo" (Tolmasquim).

4 Essa obra vai alagar, inundar, destruir cerca de 640 km2 de floresta?

"Qualquer hidrelétrica alaga grandes áreas. A opção são as térmicas a carvão, talvez nuclear e muito gás. Seria melhor?" (Schaeffer).
"Um estudo do Instituto Imazon mostra que o desmatamento pode chegar a 800 km2, talvez até mais de 5 mil km2" (Marcelo).
"A área inundada será de exatos 503 km2. Mas, 228 km2 são do próprio leito do rio. A maior parte do que sobra já foi destruída por madeireiros e pela pecuária. Além disso, no entorno do rio serão replantados 280 km2 de Área de Preservação Permanente. No Brasil, a média de capacidade instalada por área inundada é de 0,49 km2 por MW. Em Belo Monte
teremos 0,04 km2 por MW. Sem dúvida, o saldo é muito positivo" (Tolmasquim).

5 Energia hidrelétrica é mesmo energia limpa?

"Infelizmente, nenhuma fonte de energia é totalmente limpa, só a eficiência energética. Mas tente convencer as pessoas a usar menos televisão e ar condicionado" (Schaeffer).
"Toda a energia tem os seus impactos, mas os da hidrelétrica são muito menores que os de uma termoelétrica, por exemplo. Na Europa, já tem ambientalista protestando contra os efeitos das usinas eólicas" (La Rovere).

6 Dá para viver só com energia eólica e solar?

"Sou insuspeito para falar. Estou ajudando a lançar a Carta do Sol, que sugere incentivos à energia solar. Mas acreditar que podemos viver só com eólica e solar é irrealista. Há uma inviabilidade aritmética" (La Rovere).
"No caso da energia solar é impossível, porque é caríssima. A eólica será cada vez mais importante, mas teremos que fazer uma reengenharia do sistema" (Schaeffer).
"Não existe país no mundo que funcione só com eólica e solar. Elas são complementares. A eólica é um ótimo complemento para as Hidrelétricas no Brasil" (Tolmasquim).

7 Serão construídas dezenas de hidrelétricas na Amazônia?

"O Plano Decenal de Energia da EPE prevê 77 hidrelétricas para a Amazônia. Sem contar as Pequenas Centrais Hidrelétricas" (Marcelo).
"Serão 18 até 2020. Algumas já estão prontas e outras já foram leiloadas" (Tolmasquim).
"O que importa não é o número, mas o tipo de usina. Tucuruí, Balbina e Samuel foram muito ruins. Ineficientes do ponto de vista energético e agressivas ambientalmente. Belo Monte é uma usina a fio d'água, não tem reservatório. Para o Rio Tapajós está sendo planejada uma usina plataforma, sem o impacto dos canteiros de obras" (La Rovere)

8 Para onde vão os índios e os ribeirinhos?

"Não haverá índios alagados, isso é verdade. Porém, três terras indígenas serão atingidas por uma seca profunda" (Marcelo).
"Nenhum índio será removido e a vazão mínima do rio vai ser mantida. Altamira não é exatamente um paraíso na Terra. É uma região pobre. Pela primeira vez, em 35 anos, vejo o governo aproveitar uma grande obra para fazer política social. É uma chance única de desenvolvimento da região" (La Rovere).
"Nenhuma tribo será retirada. Serão removidas 4.300 famílias de ribeirinhos que hoje vivem em palafitas, em condições deploráveis e receberão casas melhores" (Tolmasquim).

O Globo, 01/12/2011, Eco Verde, p. 34

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