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Baixo caborno

FSP, Seminários, p. 1-3
26 de Nov de 2015

Baixo carbono

FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO

Quando cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) apresentaram seu primeiro estudo a respeito do impacto da atividade humana sobre a atmosfera, em 1990, os gases de efeito estufa foram apontados como grandes vilões do aquecimento global.
E foi dada a largada para o debate sobre o controle de emissões de carbono -seja pelo setor produtivo, seja por indivíduos- cujo modelo está longe de um consenso.
Quem deve pagar a conta? Países desenvolvidos, cuja riqueza foi em boa parte construída a partir da queima de combustíveis fósseis, portanto, emissores de dióxido de carbono (CO)? Ou países em desenvolvimento, que ainda poderiam se beneficiar dessas fontes poluentes de energia?
O dilema entrou nas discussões do Protocolo de Kyoto (tratado das Nações Unidas para conter as mudanças do clima, de 1997), que criou um mecanismo no qual países ricos poderiam comprar "créditos" de carbono dos países que usavam fontes menos poluentes.
A assinatura e ratificação do Protocolo de Kyoto foi tão controversa e lenta que ele só entrou em vigor em 2005.
"Hoje, a questão é o valor do carbono. Como a produção é difusa, é difícil controlar e valorar sua emissão", diz Felipe Botini, sócio-fundador da consultoria em sustentabilidade Green Domus.
O USO DE TRIBUTOS
De Kyoto para cá, no entanto, floresceram arranjos nacionais e subnacionais de contenção de emissões, que se valem de dois instrumentos: a tarifação e a criação de um mercado de carbono.
O primeiro instrumento impõe um tributo por unidade de carbono emitida (geralmente, por tonelada de CO) que funciona como incentivo para que empresas reduzam a poluição que provocam.
"O tributo determina o preço do carbono, e o desafio é acertar o preço que leve à redução desejada pela política de clima", afirma Guarany Osório, coordenador de Política e Economia Ambiental da FVCes (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas).
Se a tarifa for muito baixa, pode-se optar por incluir seu valor nos custos de produção e continuar a poluir. Se for muito alta, os custos podem aumentar significativamente, comprometendo lucro, emprego e consumo.
"Muitos países resistem à ideia de taxas, especialmente aqueles que dependem demais da queima de recursos fósseis, como a Índia", relata José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
O USO DO MERCADO
O segundo instrumento, chamado tecnicamente de sistema "cap-and-trade" (teto e comércio, em inglês) ou de ETS (sistema de comércio de emissões, na sigla em inglês), estabelece um nível máximo de emissões permitidas para certo período e distribui cotas entre empresas.
Essas cotas de emissão de carbono podem ser inicialmente distribuídas ou leiloadas pelo governo e são posteriormente comercializadas entre emissores. Cada tonelada de CO emitida por uma empresa precisa ter uma cota como lastro.
Como alguns setores têm mais facilidade em renovar seus processos para reduzir a emissão de poluentes que outros, e como o número de cotas é limitado pela meta de emissões previamente estabelecida, o preço das cotas flutua de acordo com a lei da oferta e da procura.
A União Europeia criou o primeiro mercado de emissão de carbono do mundo (ETS EU) e, com a recessão pós-crise financeira de 2008, o preço da tonelada despencou.
QUAL É O MELHOR?
Apesar de terem o mesmo objetivo, a tarifa e o mercado são instrumentos diferentes. Enquanto a tarifa controla o preço, mas não a quantidade total de emissões, o mercado controla este limite, mas não o preço do carbono.
Há economistas que recomendem modelos híbridos, em que cada instrumento é aplicado em um setor diferente, ou ainda o estabelecimento de um teto de emissões ao mesmo tempo em que o preço do carbono é ajustado para se manter dentro de uma margem aceitável.
"Não existe receita com instrumento único que resolva todos os problemas. É necessário um conjunto de instrumentos para se criar uma política ambiental", destaca Osório.
Um problema de base, no entanto, permanece em qualquer cenário futuro, como aponta Eli da Veiga: "Todo mundo quer que o vizinho tome uma medida contra emissões porque ele mesmo não quer perder competitividade"

'Imposto verde' quer unir ação ambiental e competitividade

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

Nem todos os economistas do Brasil têm olhos só para a crise do governo Dilma Rousseff. Alguns se preocupam também com a mudança do clima, tema da Conferência de Paris que começa segunda-feira (30), e perguntam: o que aconteceria se o país adotasse um imposto sobre o carbono?
A resposta se acha no primeiro estudo produzido pelo Instituto Escolhas, "Taxação sobre Carbono e Correção de Distorções Tributárias: Impactos Econômicos, Sociais, Ambientais no Contexto Brasileiro", que foi lançado na última terça-feira (24).
O estudo contou com a supervisão do economista Bernard Appy. Membro do conselho científico do instituto, o ex-secretário-executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula (2003-2009) foi quem propôs o tema inaugural.
Nações tão díspares como Reino Unido, África do Sul, México e Japão estão adotando a via tributária para pôr um preço nas emissões de carbono (principalmente CO, o mais comum dos gases do efeito estufa). O objetivo é desestimular a queima de combustíveis fósseis nos setores de energia e transportes, maiores fontes de poluição climática no mundo.
EFEITO SOBRE O PIB
Se fosse apenas mais um imposto, a taxação do carbono -na média do que se pratica no exterior, US$ 10 por tonelada emitida de CO (dióxido de carbono)- tiraria quase 0,2 ponto percentual do crescimento do PIB brasileiro. Se a alíquota do novo imposto fosse de US$ 50 por tonelada de CO, a queda seria de quase um ponto percentual do PIB. Como ele já cai sozinho para trás, seria mais um tiro no pé.
Haveria também impacto sobre um universo de 99.560 postos de trabalho: queda de 0,2 ponto percentual no caso da primeira alíquota e de um ponto, no da segunda.
Por outro lado, as emissões caem apenas 1,2 milhão e 6 milhões de toneladas anuais, respectivamente.
"É importante ressaltar que os efeitos aqui analisados são de curto prazo", diz o estudo, "referindo-se apenas à redução na demanda por produtos intensivos em combustíveis fósseis e não considerando mudanças tecnológicas e/ou mudança de combustíveis, como, por exemplo, de gasolina para etanol, cujo impacto tende a ser muito mais relevante."
Só que a premissa do estudo nunca foi a de aumentar a arrecadação, e, sim, investigar o efeito de uma única cajadada para matar dois coelhos: introduzir um imposto moderno, já adotado em duas dezenas de países, para compensar a queda de receita que resultaria da melhora da qualidade de um tributo cheio de distorções como o PIS-Cofins.
"Os impactos de tal imposto [sobre carbono emitido com combustíveis fósseis] sobre a competitividade das empresas são os mais diversos", diz o sumário executivo do trabalho.
"Idealmente, espera-se um efeito positivo sobre o mercado, pois a taxação induz empresas a adotar práticas inovadoras, limpas e mais eficientes, tendendo a excluir a parcela das empresas ineficientes e relativamente mais poluidoras."
VALOR AGREGADO
O primeiro defeito do PIS-Cofins é a complicação. Há dois regimes em vigor, dependendo do tipo de empresa. O cumulativo tem alíquota de 3,65% sobre o faturamento, e as empresas não se apropriam de qualquer crédito, mas têm a competitividade de seus produtos prejudicada.
No regime não cumulativo, a alíquota é de 9,25%, e as firmas têm direito a crédito sobre os insumos adquiridos. Mas, para a Receita Federal, só geram créditos os insumos fisicamente incorporados ao produto.
Na prática, abre-se um enorme contencioso entre empresas e fisco sobre o que deve ser considerado insumo, ou não.
Por causa dos vários defeitos do PIS-Cofins, o imposto se acumula ao longo da cadeia produtiva -o tributo pago numa etapa não é recuperado como crédito na etapa seguinte. A consequência é a perda de competitividade da produção nacional e uma organização ineficiente da estrutura produtiva do país.
Além disso, a legislação é cheia de regimes especiais, que tornam esse tributo muito complexo. As normas do PIS-Cofins, diz Appy, somam mais de 1.800 páginas. "É um inferno."
Na hipótese simulada pelo estudo do Escolhas, a simplificação tornaria esse tributo mais parecido com um imposto sobre valor agregado (IVA), não cumulativo.
A alíquota seria de 6,6%, uniforme para todos os bens e serviços.
O cálculo do efeito da redução da cumulatividade apontou que a arrecadação do PIS-Cofins perderia R$ 37,4 bilhões, de um total de R$ 208 bilhões (a preços de 2011).
O estudo utilizou uma matriz insumo-produto da economia brasileira, com dados do Sistema de Contas Nacionais e do Balanço Energético Nacional, ambos de 2011.
IMPOSTO NEUTRO
No cenário esmiuçado pelo estudo, o imposto sobre carbono entraria com a missão de compensar essa quebra de receita. Em outras palavras, nasceria um imposto neutro em termos de arrecadação, mas para isso a alíquota teria de ser de US$ 36 por tonelada de CO.
De acordo com as projeções do Instituto Escolhas, a compensação não resultaria num jogo de soma zero, mas em saldo positivo.
Não só não haveria ameaça ao equilíbrio fiscal como o aperfeiçoamento do PIS-Cofins favoreceria os preços relativos de vários produtos que o Brasil exporta, com aumento da competitividade externa e discreto incremento no PIB (0,47 ponto percentual).
"Se a introdução do imposto sobre emissões for acompanhada de medidas compensatórias de desoneração das exportações e oneração das importações, o impacto sobre a competitividade será positivo para todos os setores", afirma o sumário executivo.
"Não estamos defendendo que se faça isso", apressa-se em esclarecer Appy. "Nosso objetivo é trazer os números para a discussão. Não sei nem se um imposto é o melhor [meio de precificar o carbono] para o Brasil."

Sistemas em uso no mundo têm efeitos diferentes

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

Uma alternativa adotada em vários países são sistemas de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês), também conhecidos como "cap-and-trade" (teto e comércio de emissões).
Neste caso, um governo fixa a quantidade máxima de CO que um ou mais setores poderão emitir em determinado período. Essa quantia-teto é então repartida em permissões distribuídas entre as empresas, que podem comprá-las e vendê-las.
A filosofia do "cap-and-trade" é criar um incentivo para que firmas se esforcem para ficar abaixo da cota recebida, pois assim poderão obter receita financeira com a venda dos créditos que sobrarem.
A vantagem desse sistema é que se conhece de antemão, de forma precisa, quanto será emitido. Já o imposto se mostra mais promissor quando o objetivo é diminuir as emissões de um setor oligopolizado, como o de energia na África do Sul.
SOB MEDIDA
"Não existe sistema mais fácil ou mais adequado", afirma Alexandre Kossoy, economista brasileiro da Unidade de Finanças de Carbono no Banco Mundial.
Ele chama a atenção para o fato de que as emissões nacionais se concentrarem em setores (desmatamento e agropecuária) que não são os tradicionalmente visados (energia e transportes) por esquemas de precificação de carbono.
Para cumprir a meta de reduzir 43% das emissões até 2030, o Brasil precisará de algo mais que um imposto sobre combustíveis fósseis.
Mas, tendo em vista que a geração de eletricidade se faz cada vez mais com eles e que a política de preços da Petrobras prejudicou o mercado de etanol, um tributo sobre carbono alvejaria justamente os setores mais poluidores. E surgiria um incentivo para adotar mais fontes renováveis de energia (eólica, solar e biomassa/biocombustíveis).
O Ministério da Fazenda, em parceria com o Banco Mundial, já conduz estudos sobre precificação de emissões de gases do efeito estufa no Brasil. A meta é produzir conclusões e recomendações até o fim de 2017.

Agronegócio, energia e uso da terra são áreas-chave no Brasil

FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO

Superar a polarização entre economistas e ambientalistas para avançar no debate de uma economia de baixo carbono. Essa foi a tônica do debate promovido na terça (24), em São Paulo, pela Folha em parceria com o Insper e o Instituto Escolhas.
No encontro, que reuniu ecólogos, ativistas e economistas, foi apresentado o estudo "Impactos Econômicos e Sociais da Tributação de Carbono no Brasil", liderado pelo economista Bernard Appy.
IMPOSTO SOBRE DIÓXIDO DE CARBONO
O estudo foi inicialmente apresentado pelo físico Roberto Kishinami, especialista em planejamento e eficiência energética, que definiu os três setores mais importantes na emissão de gases de efeito estufa no Brasil: uso da terra, agropecuária e energia.
Segundo Kishinami, a reversão de emissões do primeiro setor depende de políticas públicas de contenção do desmatamento. No segundo setor, já existe o chamado Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), do Ministério da Agricultura, que tem lidado com as emissões.
Mas é o setor de energia aquele com emissões mais disseminadas na sociedade, e cujo aumento entre 2010 e 2014 foi da ordem de 30%.
Segundo Kishinami, a criação de um imposto sobre emissões é uma forma de precificar o dióxido de carbono ao mesmo tempo em que se dá "um sinal para a sociedade, já que os produtos que poluem menos passam a ter uma diferença de preço, o que promove fontes renováveis e métodos sustentáveis de produção".
O grande temor dos setores produtivos em relação a este instrumento, porém, é a perda da competitividade.
TRIBUTO x GASTO
Appy argumentou que o ideal seria que o mundo todo adotasse um mesmo valor para o dióxido de carbono, o que evitaria desequilíbrio na competitividade.
Para contornar essa ausência de um preço global, ele sugere diminuir a tributação sobre produtos exportados e aumentar barreiras para as importações de setores mais impactados pelo novo imposto. "Isenções ou ressarcimentos podem ser programados para declinar com o tempo e promover troca da base energética para novas fontes."
Para ele, no entanto, o efeito mais importante de um imposto sobre dióxido de carbono não é o de curto prazo (impacto no PIB e no emprego), mas o de longo prazo: mudança para um modelo produtivo renovável.
Durante o debate que se seguiu à apresentação do estudo, Appy foi questionado se é politicamente viável, no cenário político atual, a criação de um novo imposto. "Nenhuma proposta de aumento da carga tributária é bem-vinda mesmo quando temos uma situação em que a conta não fecha, como hoje."
Foi arguido também se deveria haver tratamento diferente para emissões com função sociais, como saneamento básico e transporte público.
O economista defendeu que é preciso separar os instrumentos e que quando o "imposto é usado para fazer política, perde em transparência". "Se o objetivo é reduzir dióxido de carbono, não faz sentido criar diferenças porque a política tem de ser feita pelo lado do gasto e não da arrecadação."
A ex-senadora Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade, elogiou a iniciativa de conciliar "ambiente e desenvolvimento, que são parte da mesma equação" e podem gerar inovação e empregos.
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Sempre disse que é fundamental unir ecologia e economia. Meio ambiente e desenvolvimento são parte de uma só equação. O esforço de conciliar essas áreas usando instrumentos de taxação de CO é muito bem-vindo
MARINA SILVA, ex-senadora (Rede Sustentabilidade)
"A preocupação sobre precificação de CO é não aumentar a carga tributária para o país. O estudo traz a opção de substituição de um sistema de tributação irracional por um tributo ambiental sem desonerar nada"
RICARDO ABRAMOVAY, professor titular da USP e conselheiro do Instituto Escolhas
"O estudo é muito relevante para o debate entre economistas e ambientalistas e levanta questões. Será que setores sociais diferentes precisariam ter taxas de carbono diferentes? É preciso discutir"
NECA SETUBAL, educadora e presidente do conselho do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
"O encontro e o debate foram maravilhosos. O instrumento apresentado, no entanto, me parece ter limitações, porque, num ambiente desigual como o brasileiro, ele pode amplificar as distorções"
ANDRÉ FERREIRA, diretor presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente
"A peculiaridade deste estudo foi dar centralidade para a questão ambiental a partir da economia, que é o inverso do que se faz. Ele foca no que é essencial sem as polarizações que engessam o debate"
CRISTIANE FONTES, da Aliança pelo Clima e Uso da Terra
"Não vamos virar a chave do dia para a noite, portanto, precisamos de informação qualificada a serviço deste debate, que é contemporâneo. Ainda há muito pouco estudo sobre economia descarbonizada"
MARCELO FURTADO, diretor-executivo do Instituto Arapyaú

FSP, 26/11/2015, Seminários, p. 1-3

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1711170-modelos-de-reducao…

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