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Bairros condenados ainda ocupam serra

OESP, Metrópole, p. C1, C3
14 de Jun de 2009

Bairros condenados ainda ocupam serra
Ao longo de 20 km da Anchieta, não houve nenhuma retirada, dois anos após anúncio de programa estadual

Diego Zanchetta

Dois anos após o governo estadual lançar um ambicioso programa para remover 5.350 famílias de áreas de risco da Serra do Mar, nenhum barraco foi desocupado. Ao longo de 20 quilômetros da Via Anchieta, há cerca de 15 mil pessoas que ainda moram em habitações precárias nos bairros-cota, como são chamadas as ocupações acima do nível do mar. O "Programa de Revitalização da Serra do Mar", orçado em mais de R$ 700 milhões, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi anunciado em junho de 2007.

O atraso nas remoções, segundo o governo, ocorreu após a Justiça suspender por sete meses, entre dezembro e junho, as licitações para a construção de 1.800 moradias no Jardim Casqueiro, em Cubatão. Nos conjuntos serão realocadas as famílias em áreas com maior risco de deslizamentos. A Secretaria de Estado da Habitação também argumenta ter de definir outros conjuntos no litoral, semiprontos e financiados pela Caixa Econômica Federal, para onde outra parte dos moradores será transferida. "Houve um hiato por causa do problema jurídico. As primeiras remoções devem ocorrer agora no início de 2010", afirmou ao Estado o secretário de Estado da Habitação, Lair Krähenbühl.

A previsão dada pelo secretário há exatos dois anos era de que até o fim de 2009 as famílias seriam transferidas. "Houve o congelamento das áreas, mas a meta de retirar todos os barracos talvez não deva ser cumprida ainda nesta gestão, como havíamos programado", admitiu Xico Graziano, titular do Meio Ambiente.

Para centenas de moradores das invasões, a situação não evoluiu desde a demarcação dos imóveis, em 2007. As chuvas são ameaças constantes, principalmente para as cerca de 700 famílias que moram nas encostas à beira da rodovia. No dia 18 de março, por exemplo, um deslizamento engoliu três casas no Grotão, uma área de risco na Cota 95/100. Nas últimas duas décadas, dez pessoas morreram em deslizamentos na serra. Atropelamentos de pedestres na Anchieta também são frequentes, segundo lideranças comunitárias.

"Moramos em um bairro condenado, que não pode receber melhorias, mas ninguém sabe para onde e quando vamos sair. Vieram aqui e falaram que o bairro iria sumir em um ano. Agora, nem recebemos notícia. Estou aqui há 25 anos e foram várias as promessas de remoção. Agora nem quero mais sair", afirma o comerciante Roseno de Abreu, de 55 anos, morador da Cota 400. A ocupação, prevista para sumir meio século depois da construção dos primeiros barracos, foi erguida por migrantes que trabalharam nas obras da Via Anchieta, no fim dos anos 50.

FLAGELO

Nos quatro bairros-cota e em três favelas da serra já quase próximas do mangue, entre o km 48 e o km 28 da Anchieta, moram 7.660 famílias (cerca de 30 mil pessoas). Desse total, 2.310 famílias vão ficar em áreas que serão urbanizadas nas Cotas 200 e 95/100. A situação de flagelo das pessoas que se aglomeraram nas invasões ao lado da estrada inclui também inundações constantes de córregos carregados de lixo e a presença de cobras e aranhas. Lotações para Cubatão e Santos, onde os jovens estudam e a maior parte dos homens trabalha, são poucas e costumam passar de hora em hora.

A "vantagem" é o custo zero com água, energia e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Nas Cotas 400 e 500, por exemplo, um emaranhado de canos busca em cachoeiras dentro do Parque Estadual da Serra do Mar a água gratuita usada pela população. A energia elétrica também vem de "gatos" arrastados para dentro de vielas, que percorrem 3 quilômetros até a área urbanizada de Cubatão mais próxima. "Se for para sair daqui e ter de pagar água e luz, eu quero ficar. Não vou sair para ter custo extra", diz o aposentado José Tavares da Silva, de 51 anos. Há 22 anos, Silva mora com a mulher e os 13 filhos em uma casa de quatro cômodos na Cota 95.

Apesar de morar ao lado de um córrego contaminado com lixo, Silva não quer sair. "Só saio se me derem dinheiro para eu voltar para João Pessoa", resumiu. A vizinha, a dona de casa Andrea da Silva, de 29 anos, com quatro filhos, também diz que não sai se tiver de pagar luz. "Fora a prestação cara da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), não tenho R$ 100 por mês para fazer financiamento", reclama.

Já quem afirma querer sair para os conjuntos habitacionais diz não ter informações sobre a remoção. "Aqui tudo é longe. Ônibus para Cubatão é raro. Eu queria ir para os apartamentos, mas ninguém nunca mais tocou no assunto. Com certeza vou ficar aqui mais vários anos", lamenta a doméstica Maria Helena dos Santos, de 32 anos, moradora da Cota 500.

COLABOROU REJANE LIMA

FRASES

Roseno de Abreu
Morador da Cota 400

"Moramos em um bairro condenado. Vieram aqui e falaram que o bairro ia sumir em um ano. Estou aqui há 25 anos e foram várias as promessas de remoção"

Xico Graziano
Secretário do Meio Ambiente

"A meta de retirar todos os barracos talvez não deva ser cumprida ainda nesta gestão"

Governo revê prazos e marca remoção para janeiro

Diego Zanchetta e Rejane Limia

O secretário de Estado da Habitação e presidente da CDHU, Lair Krähenbühl, afirmou que o atraso no cronograma das remoções ocorreu "exclusivamente" pelo problema jurídico nas licitações dos conjuntos habitacionais. Ele nega ter abandonado o atendimento social e a prestação de informações sobre as remoções, como reclamam as famílias. "Eu só posso avisar as famílias sobre os locais quando os conjuntos estiverem quase prontos. Elas vão poder escolher o local para onde vão", disse o secretário.

A construção de 1.800 moradias no Jardim Casqueiro, em Cubatão, foi interrompida pela suspensão da licitação. "Conseguimos derrubar a última liminar na semana passada. Na terça-feira, já vamos assinar o contrato para o início da construção. O terreno da área já está preparado", disse Krähenbühl.

O secretário ressaltou ainda que o governo está definindo conjuntos semiprontos em cidades da Baixada Santista e da Grande São Paulo para transferir as famílias. Moradias em Itanhaém, Peruíbe e Itaquaquecetuba devem ser financiadas. A mensalidade não ultrapassará R$ 100, segundo o secretário. "Até o fim deste ano, queremos concluir a construção de algumas casas e apartamentos."

Xico Graziano, secretário de Estado do Meio Ambiente, considera uma vitória o congelamento da área, apesar do atraso nas remoções. "Infelizmente tivemos um problema jurídico por quase oito meses. O importante no momento é preservar o patrimônio ambiental, que é o que estamos fazendo", disse.

"Nossa intenção é construir um Jardim Botânico em parte das áreas que serão desocupadas já perto do mangue, em Cubatão", acrescentou Graziano. Ao todo, a PM mobiliza 130 policiais para conter novas invasões e reformas nos imóveis.

FAUNA E FLORA

Com a inauguração da Via Anchieta, no fim dos anos 50, a maior parte dos trabalhadores não quis voltar para o Nordeste. A solução de moradia, então, foi erguer barracos nas encostas da serra. Sem fiscalização, as invasões cresceram com a chegada de parentes dos trabalhadores e, em 1980, já eram 16 mil pessoas em áreas de risco.

O Programa Serra do Mar tem como meta erradicar o problema ambiental mais grave do Estado, na avaliação do governador José Serra. Da mata verde e densa da serra brotam as nascentes que abastecem quase 2 milhões de pessoas na Baixada Santista, no litoral sul de São Paulo. Fora a contaminação da água, as invasões nas encostas colocam sob risco os próprios moradores e a preservação do maior núcleo estadual de mata atlântica, com 315 mil hectares e 373 espécies de aves, 42 em extinção.

Invasores estão sendo processados
Moradores da borda da Serra do Mar receberam notificação de crime ambiental; multa chega a R$ 10 mil

Rejane Lima, CUBATÃO

Dezenas de moradores da Água Fria, uma das invasões na borda da Serra do Mar, começaram a ser processados por crime ambiental e multados em R$ 4 mil. Décadas depois de terem invadido ou comprado casas dentro da área do Parque Estadual da Serra do Mar, moradores temem agora serem expulsos de suas casas, antes que o projeto habitacional no qual estão inscritos seja concluído.

A diarista Cláudia dos Passos Leite, de 41 anos, é uma dessas pessoas. Ela não imaginava que as perguntas que respondeu à Polícia Militar Ambiental e o papel assinado em fevereiro de 2007 trariam tamanha dor de cabeça, dois anos e meio depois. Moradora da Água Fria desde 1997, ela agora responde a uma ação por crime ambiental. "Eu não estava derrubando uma árvore, estava lavando roupa quando a Polícia Ambiental veio na minha casa. Eles perguntaram um monte de coisas e eu respondi tudo direitinho. Disse que comprei isso aqui, mostrei as promissórias. Era um barraco e eu construí de alvenaria 11 anos atrás", disse a diarista, que mora com cinco filhos e uma neta.

Convocada, foi ao Fórum de Cubatão em 14 de abril, mas não aceitou a proposta da promotora, feita durante a audiência. "Ela falou que se eu derrubasse a casa o processo seria extinto, mas não tenho como fazer isso, onde vou morar?"

Nomeada como defensora pública da causa no começo de junho, a advogada Daniela Cristina Mana e Silva diz que está tentando absolver Cláudia e arquivar esse e outros cinco processos similares, com base no Projeto Serra do Mar. "O Estado está caindo em contradição. Eles (os moradores) estão esperando ser retirados de lá pelo projeto e, mesmo assim, se propõe a derrubada das casas." As construções feitas por Claudia são anteriores ao processo de congelamento.

Comandante da 1.ª Companhia de Policiamento Ambiental do Guarujá, responsável pela área, o capitão João Soares da Costa Vieira admite que a visita feita à casa de Cláudia e a cerca de outras 80 moradias da Água Fria é anterior ao lançamento do Projeto Serra do Mar. Segundo ele, os laudos que atestam os danos ambientais demoram para ficar prontos e, por isso, apenas neste ano as pessoas começaram a receber as citações e as multas. "Pela lei, não poderia haver nada ali. Essas pessoas foram autuadas em uma vistoria que constatou que aquilo estava recente e que elas vinham transformando as moradias", explicou o capitão.

Esse tipo de vistoria, segundo ele, foi alterado com o projeto, quando a polícia passou a coibir novas obras, regulamentando a entrada de material de construção no local, entre outras medidas. Em dois anos, os agentes fizeram 43 autuações em todos os núcleos habitacionais da Serra do Mar.

Vizinha de Cláudia, a dona de casa Olinda Maria Batista dos Santos, de 51 anos, contesta a explicação do comandante. "Eles enganaram a gente. Disseram que era um cadastramento da CDHU e me multaram. Colocaram esse adesivo aí na porta, do Projeto Serra do Mar, e no mesmo dia fizeram todas as perguntas e pegaram os documentos", conta Olinda, sem saber como vai pagar a multa de R$ 10.784,00 que recebeu em 29 de abril. Ela afirma que é a quarta proprietária de uma casa originalmente construída para ser depósito da Companhia Santista de Papel, onde mora há 22 anos com marido e dois filhos.

O presidente da Sociedade de Melhoramentos da Água Fria, Ivan Hildebrando da Silva, afirma que os moradores estão perdidos com a situação. "As pessoas não sabem o que vai acontecer, quando vão sair das casas, para onde vão e como vai ficar essa história dos processos criminais e das multas", afirma, destacando que encaminhou ofício à prefeitura pedindo apoio.

Frases

Cláudia dos Passos Leite
Diarista

"Eu não estava derrubando uma árvore, estava lavando roupa quando a Polícia Ambiental veio na minha casa. Eles perguntaram um monte de coisas e eu respondi tudo direitinho. Disse que comprei isso aqui, mostrei as promissórias. Era um barraco e eu construí de alvenaria 11 anos atrás"

"Ela (a promotora) falou que se eu derrubasse a casa o processo seria extinto, mas não tenho como fazer isso, onde vou morar?"

Nos Pilões, não houve nenhum ''congelamento''

Rejane Lima

As ruas pavimentadas com cascalhos lembram mais uma cidadezinha do interior. Assim é Pilões, bairro na continuação da via onde está o terminal inaugurado em 1976 pela Transpetro, subsidiária da Petrobrás. "A primeira casa aqui é essa, do finado Zé Pretinho, que trabalhava na Petrobrás", conta Ivens Roberto da Silva, de 37 anos, apontando para a residência de madeira. Silva mora nos Pilões desde os 7 anos, quando a família deixou Brasília para fugir do clima seco, prejudicial à saúde do pai. No entanto, ele conta que diferentemente dele, muitos mudaram para os Pilões nos últimos anos.

"Em 2007 o governo apareceu aqui falando desse Projeto Serra do Mar. Disseram que iam retirar todas as famílias, mas o tal do congelamento aqui nunca existiu", revela Silva, contando que a diferenciação no tratamento dos outros bairros da encosta cria dúvidas se a população dali será mesmo retirada.

Segundo ele, materiais de construção entram livremente, sem fiscalização. "Tem até uma distribuidora aqui. Há dois anos, quando a Sociedade de Melhoramentos fez o cadastramento, havia 639 moradias; pela CDHU há 660 cadastradas, mas hoje tem mais de 700 casas aqui."

A presidente da Sociedade de Melhoramentos dos Pilões, Cristina Alves de Souza, de 37 anos, atesta a versão de Silva. "Fora isso, tem muito morador sem cadastro", completa. O comandante da PM Ambiental, João Soares Vieira, disse que verificaria a denúncia de novas construções no bairro.

Prefeitura de Cubatão contesta ação estadual
Para gestão petista, há casas que não apresentam risco

Rejane Lima, CUBATÃO

Na Água Fria, um dos núcleos de invasões na borda da Serra do Mar, há casas com piscina, três suítes, móveis planejados e garagem para mais de um carro. Em todo o bairro, a água das casas vem direto das cachoeiras. E o esgoto poluído sai dos imóveis direto para rios de mangue que deságuam no mar.

A remoção do bairro, contudo, é questionada pela população e pela Prefeitura de Cubatão, administrada desde janeiro pelo PT. Já ambientalistas defendem a remoção imediata da ocupação e a formação de um parque.

"O Estado indica um grande número de casas em área de risco, um índice superior a 60%. Existem muitas casas que não apresentam risco. O projeto precisa explicar qual é o risco dessas moradias", contesta o chefe de Gabinete da prefeitura, Gerson Rozo.

Segundo Rozo, a administração apoia qualquer investimento na área habitacional, mas considera que o fato de moradores estarem há décadas nos bairros deve ser levado em consideração. "O governo do Estado tem de promover mais audiências para ouvir as reivindicações da população."

Aposentado e morador do Núcleo Pilões há dez anos, Luiz Veras da Silva, de 63 anos, diz estar revoltado com a possibilidade de remoção. Ele conta ter investido todo o dinheiro recebido quando saiu da Petrobrás na casa construída - de três suítes, onde também moram a sogra e o cunhado. "Gastei mais de R$ 120 mil aqui. A gente não construiu tudo isso escondido. A minha sogra mora aqui há 30 anos e comprou esse terreno", afirma o morador.

O secretário de Estado da Habitação e presidente da CDHU, Lair Krähenbühl, disse estar agindo em sintonia com a prefeitura de Cubatão e afirma que nem todos os moradores serão removidos. "Vai sair quem realmente está em área de risco. Mais de 2 mil famílias vão ficar em áreas que serão urbanizadas", disse o secretário. Krähenbühl adiantou que um posto de atendimento do Programa Serra do Mar foi disponibilizado pelo governo em Cubatão.

OESP, 14/06/2009, Metropole, p. C1, C3

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