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Assentados se endividam e arrendam lotes em SP

OESP, Nacional, p. A12-A13
15 de Ago de 2004

Assentados se endividam e arrendam lotes em SP

Chico Siqueira
Especial para o Estado

A liberação dos recursos da safra 2004/2005 é a última esperança das 800 famílias assentadas na Fazenda Reunidas, em Promissão, no interior de São Paulo. No assentamento, criado há 15 anos, a maioria dos assentados está endividada e, embora seja ilegal, o arrendamento de terras tornou-se comum entre eles. De acordo com estimativas do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) cerca de 60% das famílias, divididas em 637 lotes, já arrendaram parte das terras.
Segundo um técnico da instituição na região, Edson Luiz Pereira, o arrendamento de terras em Promissão tornou-se "um mal necessário", a saída possível para sobreviver à falta de recursos financeiros, de infra-estrutura e assistência técnica.
O assentamento de Promissão é o segundo maior do País, com 17 mil hectares, e também um dos mais desenvolvidos. Cada lote tem cerca de 18 hectares. De um grupo de 15 assentados ouvidos pelo Estado, 12 admitiram que arrendam parte do lote. O arrendamento é comum tanto no meio dos agricultores bem-sucedidos quando entre os que ainda enfrentam dificuldades para se desenvolver.
Avanço da soja - A maior parte das terras arrendadas é destinada à produção de milho e algodão e à pecuária leiteira.
A novidade é a soja, uma das estrelas do agronegócio no País, que começa a ser plantada pelos assentados em regime de arrendamento com fazendeiros vizinhos. A produção de milho no assentamento na última safra chegou a uma média de 50 sacas por hectare, acima da média estadual, que é de 40 a 45 sacas.
A terceirização na produção de leite tornou-se, também, uma prática generalizada. São 15 mil litros diários. O assentado fica com o leite, vendido a laticínios, mas engorda a vaca e entrega o bezerro que nasce ao arrendatário.
"O assentado não tem escapatória", avalia Pereira. "Descapitalizado por um longo período, sem financiamento para expansão e custeio, é obrigado a fazer as parcerias para sobreviver. Não é uma saída tão ruim assim."
Sem acesso - Desde 1999, com o fim do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera), um tipo de verba subsidiada em até 70% pelo governo federal e destinada aos assentamentos, a maioria dos assentados não tem acesso a financiamentos. Eles estavam inadimplentes em decorrência de dívidas decorrentes da perda da safra sem seguro agrícola e pelo não pagamento de financiamentos anteriores, como o de eletrificação rural, que deveria ter sido bancado pelo governo federal, mas não foi.
O fim do Procera também paralisou as atividades de cooperativas agrícolas que fariam a comercialização da produção do assentamento. A situação ainda foi agravada pelo fato de, nas duas últimas safras de milho e de algodão, centenas de assentados terem sido enganados por atravessadores, que compraram a produção e não pagaram.
Na safra 2003/2004, segundo o Itesp, apenas 151 das 800 famílias assentadas conseguiram financiar o plantio. Dos R$ 4,6 milhões disponíveis pelo Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), apenas R$ 796 mil foram liberados. Para a safra 2004/2005, na qual o governo anunciou investimentos de R$ 7 bilhões, está prevista a liberação de R$ 9,5 milhões, mas nenhum centavo havia sido financiado até a sexta-feira para o assentamento.
"Os recursos, quando chegam, param aqui, no Banco do Brasil, que encontra diversos motivos para não repassá-los", reclama Antônio Bustos, um dos assentados. Por causa dessa demora, só neste ano os assentados de Promissão, liderados pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), já ocuparam em duas ocasiões a agência local do Banco do Brasil.
Uma nova ocupação não está descartada, caso os recursos não sejam liberados logo, ameaçam os líderes do MST. Parte deles acredita, porém, que ela não será necessária. Está confiante nos efeitos da lei federal 10.696/03, que prorrogou e em alguns casos isentou cerca de 800 mil agricultores inadimplentes, com uma dívida total de R$ 1,4 bilhão em financiamentos atrasados, de acordo com informações do gerente do Pronaf, Adoniran Sanches Perassi.
Expectativa - Com a prorrogação, mais de 500 famílias do assentamento que estavam inadimplentes (412 delas com o financiamento de eletrificação rural) poderão ter, após quatro anos de espera, uma chance de acesso aos financiamentos de custeio.
Animados com essa perspectiva, os assentados apresentaram 990 projetos para a safra 2004/2005. No total, eles reivindicam financiamentos de R$ 10,1 milhões. Se forem atendidos em suas solicitações, os assentados acreditam que poderão reduzir o volume de terras arrendadas.

Quando há verba, falta apoio técnico
Promissão - No assentamento da Fazenda Reunidas, 30% das primeiras famílias assentadas, há cerca de 15 anos, abandonaram os lotes. Segundo Antônio Bustos, que participou do processo de escolha dessa leva inicial, as desistências ocorrem principalmente por falta de incentivos. "Outro problema comum é a falta de aptidão agrícola", conta.
Segundo a coordenação do MST, na Fazenda Reunidas há um trator para cada quatro famílias - o que a qualifica entre os assentamentos mais desenvolvidos, entre os 5.246 do País. Por outro lado, lá não há escola, posto de saúde nem sistema adequado de transporte coletivo ou outros serviços considerados importantes para fixar os trabalhadores na zona rural.
Nem o Incra nem a prefeitura de Promissão assumem a responsabilidade pela manutenção das estradas internas. Quando chove, parte da safra se perde por falta de transporte.
"Este assentamento, como muitos outros, foi um ato de irresponsabilidade", diz o padre Severino Leite Diniz, da Comissão Pastoral da Terra, um dos líderes dos assentados. "O governo entrega o dinheiro aos assentados, mas não fiscaliza os recursos e não orienta sobre como e onde melhor aplicar."
Fracasso - Dois projetos de cooperativas no assentamento não deram certo. Por causa desse fracasso, 250 assentados ficaram fora das listas de financiamento. O curral para a ordenha, a fábrica de ração e o prédio onde seria instalada a pocilga estão abandonados. O poço artesiano das cooperativas está inutilizado. João Francisco Carvalho, que presidiu um dos projetos, teve seu nome incluído na lista de inadimplentes e hoje não pode financiar suas safras.
Ao contrário dele, o ex-metalúrgico, José Martins, de 53 anos, não tem do que reclamar: bem-sucedido, consegue um rendimento líquido de R$ 2,5 mil mensais. Mora em casa de alvenaria com 150 metros de área construída e telefone. Construiu um barracão para armazenar insumos e equipamentos e uma segunda casa, para os sogros. Usa poço artesiano para irrigar suas plantações de hortifrútis e café.
Ao contrário da maioria dos colegas, Martins optou pela diversificação, depois de perder uma safra de milho inteira no primeiro ano como assentado.
"Foi um prejuízo que marcou minha vida," lembra.
Logo em seguida ele abriu o poço e passou a plantar hortifrútis em estufas - prática que se espalhou para outros assentados. Eles compram materiais a prazo nas lojas de Promissão, montam as estufas e obtêm bom rendimento.
Hoje, são mais de 200 estufas. No ano passado, elas produziram 1,8 tonelada de pepinos e 1,1 tonelada de tomates. (C. S.)

'Reforma agrária não melhorou a minha vida'
Promissao - O assentado Pedro Pereira dos Santos, de 58 anos, que trabalha na agricultura desde a adolescência, ainda mora na mesma casa de tapume, construída em 1989, quando entrou no lote. "Para mim, a situação está péssima", desabafa. "A reforma agrária não melhorou a minha vida. Tinha esperança de conseguir plantar e ter uma vida melhor, mas não foi o que aconteceu."
Pai de 11 filhos, Santos optou por investir seu primeiro financiamento na plantação de 20 mil pés de café. Sem orientação nem assistência técnica, não cuidou do solo, a doença atacou o cafezal e a safra não rendeu o que esperava. Para piorar, perdeu completamente outras plantações de algodão e de milho, por falta de seguro agrícola. Em outros anos, quando conseguiu colher milho e algodão, vendeu a colheita a atravessadores, que não pagaram.
No total, sua dívida chega a R$ 18 mil.
Neste ano, quem está dando o calote, diz ele, é o governo federal. O Programa Compra Antecipada, vinculado ao Fome Zero e destinado a estimular a agricultura familiar, ainda não repassou o dinheiro para o plantio da mandioca. Os pés de mandioca já nasceram, mas o dinheiro que deveria ser repassado em maio ainda não chegou.
A manutenção da lavoura é feita por Santos, seus filhos e parentes, que não receberam remuneração nenhuma pelo trabalho. No assentamento da Fazenda Reunidas, são 45 os assentados que levaram o calote do Fome Zero.
Santos arrenda a área de pasto de seu lote para um fazendeiro. "Ele dá o leite que a gente tira da vaca em troca do pasto e do bezerro que nasce", diz. Hoje a família consegue renda de R$ 400 mensais, que, somados a uma aposentadoria de R$ 260, garantem a sobrevivência.
Dos três filhos que ainda moram com ele, dois trabalham como operários na cidade. "Faltou orientação para mim, que é o que não quero que falte ao meu filho", diz Santos, se referindo a Walter, um dos seus filhos, que voltou às fileiras do MST para conseguir outro lote. (C.S.)

OESP, 15/08/2004, Nacional, p. A12-A13

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