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Assenta, desmata e não paga

O Globo, O País, p. 3
15 de Out de 2011

Assenta, desmata e não paga
Incra responde por 11% das multas do Ibama por destruição de floresta e falta de licença

João Sorima Neto
joao.sorima@sp.oglobo.com.br

Nem o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) escapou das multas aplicadas pelos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Pará. Só este ano, de acordo com o órgão ambiental, elas já somam R$42,8 milhões e representam 11% do total aplicado em todo o país. As multas resultam de programas de assentamento da reforma agrária criados sem licenciamento do Ibama e de desmatamento da floresta nas referidas áreas.
- O Ibama é absolutamente independente e nunca esteve tão atuante. Caso contrário, não teria conseguido reduzir o desmatamento em toda a Amazônia - disse ao GLOBO a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, observando que o número de multas, de uma maneira geral, tem crescido no país, nos últimos anos.
Para o pesquisador Paulo Amaral, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), as multas que o Ibama aplica ao Incra são quase simbólicas e não têm força para deter o desmatamento. Como ambos são órgãos federais, as autuações viram uma batalha judicial interminável, afirmou Amaral, acrescentando que sequer 1% das multas são pagas.
- Só multar o Incra pelas irregularidades não adianta. O Incra recorre e a multa vira um processo sem fim. Na maioria das vezes, ela nem é paga, e o problema do desmatamento não é resolvido. Sempre que o Ibama encontrar irregularidades nos assentamentos, o correto seria o Incra assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal (MPF), se comprometer a fazer um cronograma e resolver o problema.
Incra: "Multar não resolve o problema"
Presidente do Incra, Celso Lisboa de Lacerda admitiu ao GLOBO que, invariavelmente, o órgão recorre das multas aplicadas pelo Ibama e afirmou que, desde 2008, há um "estoque de milhões" delas. Mas ressaltou que a Justiça costuma dar ganho de causa ao Incra, ou até anular as multas, pois o entendimento dos juízes, segundo Lacerda, é de que o órgão não comete crime ambiental.
- O Incra cumpre a legislação. O desmatamento em assentamentos é cometido pelo proprietário ou por quem arrenda a terra. Na maioria dos casos, há madeireiros que arrendam lotes e até pressionam o pequeno agricultor para desmatar. Ameaçam e matam as lideranças que atrapalham o negócio da madeira. Há pressão do comércio local, das serrarias, que compram essa madeira. Portanto, não é a política de reforma agrária que é a causa do desmatamento. E multar o Incra não resolve o problema. A questão é como estancar a derrubada da floresta, que ocorre, até, em áreas de proteção ambiental - rebateu Lacerda.
Segundo ele, quando se confirma que é o pequeno agricultor que está desmatando, ele é punido pelo Incra com multa e pode até mesmo perder o direito à terra, pois, embora todos tenha direito à renda, ela não pode ser decorrência da destruição da floresta. Diante de tal infração, cabe também multa do órgão ambiental. Segundo o o Ibama do Pará, centenas de pessoas assentadas em projetos do Incra já foram multadas individualmente pela derrubada da floresta.
Lacerda destacou ainda que o desmatamento hoje nos assentamentos vem caindo ano a ano e responde, hoje, por cerca de 13% do desflorestamento total da Amazônia Legal.
- Considerando que temos 65 milhões de hectares com assentamentos, o número de 13% nos assentamentos representa muito pouco. E é preciso considerar que muitos dos assentamentos que criamos já tinham parte de sua área desmatada. O objetivo agora é recuperar esse passivo - afirmou o presidente do Incra.
Porém, estudo do Imazon mostra que, até 2004, os assentamentos foram responsáveis, por, pelo menos, 15% do desmatamento da Amazônia, sendo que, no sul do Pará, onde atualmente existem 500 assentamentos, o percentual de devastação de mata nativa nas referidas áreas sobe para 50%. Com a criação de novos assentamentos em regiões de floresta nativa, o desmatamento avança a uma taxa de 3% ao ano, avaliou o Imazon.
Só no primeiro semestre deste ano, o Ibama embargou 113,3 mil hectares de terras e aplicou multas no valor de R$392 milhões. Em uma principais operações no Pará, o órgão ambiental apreendeu, pela primeira vez, cabeças de gado em propriedades particulares situadas em cidades líderes em desflorestamento. As criações estavam em áreas já embargadas. Por isso, os proprietários foram multados e serão processados civil e criminalmente.
- O novo modelo de fiscalização do Ibama não visa apenas a pessoa física, mas a cadeia do crime. Queremos quebrar o fluxo econômico dos criminosos. Só este ano, em Belém, o Ibama fechou 22 serrarias que compravam madeira extraída ilegalmente - afirmou a ministra do Meio Ambiente.
Ela disse que vem trabalhado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual o Incra é subordinado, para resolver o problema dos licenciamentos ambientais nos assentamentos.

Árvores que viram pasto

As irregularidades no assentamentos da reforma agrária no Pará que levaram o Ibama a multar o Incra são muitas. Na primeira semana de outubro, os fiscais do órgão ambiental descobriram exploração de madeira dentro do Projeto de Assentamento Rio Cururuí, em Pacajá, no sudeste do estado. No local, encontraram 266 hectares de florestas destruídos. Já no Assentamento Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, sudeste do Pará, o Ibama descobriu recentemente que 340 hectares de floresta viraram pasto. Lá, as 200 famílias assentadas em 1997 são agora 400.
Coordenador da operação do Ibama em Nova Ipixuna, Marco Vidal disse, à época, que o número de famílias aumentou porque muita gente invadiu o assentamento ou adquiriu terra de forma ilegal. Segundo ele, a maioria dos assentados não vive do agroextrativismo, mas da exploração ilegal de madeira e carvão, além da criação de gado.
O então ministro do meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou, em 2008, que o Incra encabeçava a lista dos maiores desmatadores da Amazônia. Isso porque todas as seis maiores áreas desmatadas, desde 2005, pertenciam ao Incra. Nelas, foram derrubados 223 mil hectares de mata por colonos. A madeira foi vendida e a área, ocupada por lavoura.
Na ocasião, Minc esclareceu que o Incra ocupou os primeiros lugares na lista de desmatadores porque, formalmente, é dono das terras. Aos agricultores só é dado o direito de posse. De acordo com ele, o problema estava em desflorestamentos pequenos, de 20 ou 30 hectares, que, reunidos em milhares, resultavam em desmatamentos de grandes proporções.

O Globo, 15/10/2011, O País, p. 3

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