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Após dois anos de sua aprovação e sanção, é positivo o balanço da Lei de Biossegurança?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: PERONDI, Darcísio; SERRANO JUNIOR, Vidal; SALAZAR, Andrea
24 de Mar de 2007

Após dois anos de sua aprovação e sanção, é positivo o balanço da Lei de Biossegurança?

Sim
Força à esperança

Darcísio Perondi

O Brasil está no caminho certo na área de desenvolvimento científico e tecnológico? Na área de biotecnologia, por causa de uma legislação atrasada e da desinformação da população e dos políticos, não estava. Mas, há dois anos, com a aprovação da Lei de Biossegurança e sua sanção pelo presidente Lula, no dia 24/3/2005, o país passou a contar com um marco legal para a realização de pesquisas com organismos geneticamente modificados, os chamados OGMs ou transgênicos, e nossos cientistas, a desfrutar de mais liberdade para pesquisar.
Os transgênicos são produtos acrescidos de um novo gene ou fragmento de DNA para que desenvolvam uma característica em particular, como mudanças do valor nutricional ou resistência a pragas.
Além dos cientistas, os agricultores também comemoraram, pois puderam, enfim, plantar, colher e comercializar a soja transgênica sem medo. A nova tecnologia está propiciando ou vai propiciar, por exemplo, soja resistente à seca, feijão resistente ao mosaico dourado, batatas-vacinas, que evitam doenças como a hepatite B, frutas e vegetais fortalecidos com vitaminas C e D e bananas-vacinas contra doenças infantis. Por precisarem de menos agrotóxicos, esses produtos também são bons para a proteção ambiental.
Nesses últimos dois anos, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), totalmente reformulada, já autorizou a realização de 421 pesquisas, apesar da ação de grupos obscurantistas, que não aceitam a evolução da ciência, usando o "risco" ao meio ambiente como desculpa.
Em dezembro último, aprovamos a primeira mudança na lei, aproveitando a medida provisória no 327/06, e estabelecemos um quórum mais flexível para as decisões da CTNBio sobre a liberação comercial de OGMs e realização de pesquisas. Felizmente o presidente Lula sancionou a medida, que se torna a lei no 11.460. Os obscurantistas se utilizavam da dificuldade para obtenção do quórum (dois terços dos 27 membros) para impedir as deliberações da comissão. Na prática, a mudança aprovada reduz de 18 para 14 o número de votos necessários.
O avanço tecnológico no Brasil não pode ser comprometido pela posição intransigente de pessoas mal-informadas. Felizmente, venceram o bom senso, a ciência e o Brasil. Perderam a hipocrisia, o obscurantismo e a ignorância científica.
Mas não foi só o setor agrícola que comemorou a lei. A medicina também pode ser beneficiada num futuro não muito distante. Para ter uma idéia, estão sendo desenvolvidas 41 pesquisas com células-tronco embrionárias e adultas, retiradas principalmente da medula óssea e do cordão umbilical. Essas células têm a capacidade de se transformar em qualquer tipo de tecido do corpo humano.
A lei estabeleceu que, para a retirada das células-tronco, só podem ser utilizados embriões "in vitro", congelados há mais de três anos e doados com o consentimento dos pais. São proibidas sua comercialização e manipulação genética, bem como as clonagens humana e terapêutica.
Essa é uma área nova da pesquisa mundial e é considerada a maior esperança para o tratamento de doenças hoje incuráveis. Já existem grandes avanços no tratamento de problemas cardíacos e doenças degenerativas, diabetes, mal de Parkinson, mal de Alzheimer e lesões medulares.
A esperança nasceu com toda a força nos corações dos brasileiros. Afinal, 3% da população têm algum tipo de doença genética e uma pessoa em cada mil nasce com alguma doença degenerativa.
O Brasil segue numa posição de vanguarda nessa área. É difícil prever quando os resultados dessas pesquisas serão aplicados efetivamente. O que importa é que muita gente, desde a aprovação da Lei de Biossegurança, se agarra nessa esperança para voltar a desfrutar de uma vida saudável. Precisamos continuar avançando.
A Lei de Biossegurança, aliada à nova política do Brasil para a biotecnologia, pretende articular estrategicamente as áreas de saúde humana, agropecuária, industrial e ambiental, tornando o país um dos maiores pólos mundiais de pesquisa do setor.

Darcísio Perondi, médico pediatra, é deputado federal (PMDB-RS). Foi o relator da Lei de Biossegurança na Câmara dos Deputados.

Não
Ciência ou cartório?

Vidal Serrano Junior e Andrea Lazzarini Salazar

Desconsiderando os argumentos de 87 organizações, de 88 parlamentares e da ministra do Meio Ambiente, o presidente Lula aceitou mudar a Lei de Biossegurança para facilitar a liberação de transgênicos.
Antes, eram necessários 18 votos dos 27 membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para autorizar o plantio em grande escala, a comercialização e o consumo de uma espécie transgênica. Agora, são necessários apenas 14.
Significa que, ainda que 13 cientistas -quase a metade do grupo- justifiquem tecnicamente a rejeição, sustentando, por exemplo, haver riscos graves à saúde, o produto será aprovado para consumo humano. Será que o Congresso Nacional e o presidente Lula sabem mesmo o que fizeram?
As notas taquigráficas das reuniões da CTNBio têm revelado a forma simplista como os trabalhos são conduzidos, e as decisões, tomadas.
Os processos que estão na iminência de aprovação impressionam pela falta de referências a estudos independentes e submetidos à "peer review". A fragilidade dos argumentos apresentados pelas empresas ficou patente em audiência pública nesta semana. Os questionamentos feitos não foram respondidos, tornando inaceitável qualquer decisão.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) acompanha esse assunto há mais de uma década e vem questionando a existência de benefícios associados a essa tecnologia. O certo é que os transgênicos que estão na pauta de liberação só interessam às grandes empresas de biotecnologia, sem nenhum benefício para a sociedade. Mesmo para os agricultores, que hoje acreditam no marketing da indústria, os aparentes benefícios imediatos escondem os impactos óbvios da maior dependência em relação às empresas devido à compra de sementes patenteadas e de mais agrotóxicos no futuro próximo.
O Idec defende a avaliação rigorosa de riscos à saúde e ao meio ambiente.
A falta de estudos científicos independentes tem sido a tônica. Alimentos transgênicos têm sido autorizados baseados na falsa premissa de que são substancialmente equivalentes aos convencionais. Assim, a soja transgênica Roundup Ready seria o mesmo que a soja natural, o milho transgênico Liberty Link seria equivalente ao milho natural e assim por diante.
Parece, mas não é. Por exemplo, o milho Liberty Link carrega consigo um gene de resistência a antibiótico, contrariando recomendações de OMS/FAO, Comissão Européia, Royal Society, Academia Nacional de Ciências, entre outros. Usa também um gene extraído de uma bactéria que não faz parte da nossa cadeia alimentar e pertence a um gênero que causa doenças em plantas e animais.
A ausência de efetiva avaliação de risco com fundamento na equivalência substancial é uma omissão perigosa que pode causar danos irreversíveis. O Idec acredita que a nova dinâmica de liberações comerciais recém-definida transformará a CTNBio num cartório de liberação de transgênicos.
Para minimizar as pressões de um setor poderosíssimo, é necessária a construção de uma sólida política de biossegurança, sedimentada em princípios que regem o Estado democrático de Direito, como a soberania nacional, o bem-estar da população, a precaução, a transparência e o respeito a bens maiores, a saúde, o meio ambiente e a vida das presentes e futuras gerações -consagrados e protegidos pela Constituição Federal de 1988.
Em dois anos da lei, houve intensa produção da comissão em estímulo à pesquisa. Foram elaboradas normas, aprovados 155 experimentos, autorizados CQBs e relatórios. Mesmo assim, as empresas conseguiram convencer de que "nada funciona", pois seus pedidos de liberação comercial não foram autorizados ainda. Retrocedemos ao mudar o quórum.
Mas, para o governo Lula, cego pela bandeira do crescimento a qualquer custo, a biossegurança parece ser um entrave. Assim, de governo em governo, ano após ano, ficamos mais distantes da concretização da tão necessária política de biossegurança.

Vidal Serrano Junior, promotor de Justiça, é membro do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e ex-membro da CTNBio.
Andréa Lazzarini Salazar é advogada e consultora do Idec.

FSP, 24/03/2007, Tendências/Debates, p. A3

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