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Após 22 anos, Novaes volta ao Xingu e vê "Terra Mágica ameaçada"

G1.Globo.com
29 de Jul de 2007

Após 22 anos, Novaes volta ao Xingu e vê "Terra Mágica ameaçada"

Por Maria Pia Palermo

Parque do Xingu (Reuters) - A volta de Washington Novaes ao cenário "mágico" do Xingu marcou um encontro com aldeias ameaçadas pela devastação ambiental e pelo contato cada vez maior com as cidades da região. Para o jornalista, que retorna ao local duas décadas depois de registrar num documentário a vida dos índios, o Parque Indígena do Xingu é hoje uma ilha cercada pelo avanço da soja, pecuária, madeireiras e estradas: uma terra ameaçada.
Depois de ter filmado "Xingu, a Terra Mágica", o retorno a aldeias resultou numa nova série, a ser exibida a partir de domingo pela TV Cultura, que ele batizou de "Xingu, a Terra Ameaçada".
"Cada vez que eu venho aqui eu fico com o coração apertado, de ver o agravamento da questão dos conflitos. E não por acaso eu escolhi o nome da série, porque é ameaçado de fora para dentro", disse Novaes, 73 anos, referindo-se ao parque que reúne uma população de cerca de 5 mil habitantes, de 14 etnias, em aproximadamente 27 mil quilômetros quadrados no Mato Grosso.
"Naquela época o meu olhar era um olhar maravilhado, encantado com esse mundo. E hoje eu sou uma pessoa de coração apertado. Chego, olho, vejo o que está acontecendo e fico com o coração apertado", insistiu Novaes, que fez o lançamento da nova série que dirigiu na noite do dia 21, numa dessas aldeias, a dos kuikuro.
Em um telão instalado no centro da aldeia e sob um céu estrelado, os habitantes locais e convidados de outras etnias puderam ver, e alguns se ver, no documentário. A sessão teve ainda a apresentação de filmes feitos por cineastas indígenas, fruto de uma parceria do Vídeo nas Aldeias com a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (Aikax).
No novo trabalho, Novaes retrata as mudanças pelas quais passaram os cinco grupos indígenas -- kuikuro, metuktire, panará, yawalapiti e waurá -- visitados nas gravações da série original, que foi ao ar em 1985.
A retomada do trabalho, segundo Novaes, é um esforço para comparar esses dois tempos, "pelo olhar de uma pessoas que tem uma profunda admiração por essas culturas, que está preocupada com elas e quer retratar essa situação".
Os habitantes do parque têm vivenciado a devastação ambiental à sua volta, que acaba refletindo-se dentro do parque.
Para André Villas Boas, coordenador do programa Xingu do Instituto Socioambiental, o parque é um oásis numa região castigada pelo desmatamento. Ali se encontra a única área contínua de floresta, mas o processo perverso, de derrubada de árvores e poluição dos rios, que se observa fora, acaba tendo reflexos dentro dessa área protegida. O plantio da soja tem avançado na região, muito valorizada pelas qualidades do solo e pelo clima bem definido que permite a programação do plantio.
Jovens X Tradição
Além disso, Novaes cita o aumento do acesso e contato com as cidades, e a invasão de "tecnologias dos brancos", como as antenas parabólicas. Antes não havia contato por terra com o Xingu, só se chegava de avião ou de barco, e hoje há estradas que comunicam as aldeias com várias cidades. Para algumas lideranças indígenas, esse contato tem despertado o interesse e mudado hábitos especialmente entre os mais jovens, que aspiram ter uma vida como a dos brancos, deixando suas tradições para trás.
A queixa dos mais velhos de que em praticamente todas as aldeias os jovens não querem mais ser pajé, cujo caminho do aprendizado é longo e cheio de sacrifício, é aos olhos dos índios uma conseq¼ência desse contato entre os dois mundos.
"O pajé é um ponto central da visão de mundo deles. Aqui o mundo espiritual está presente 24 horas por dia", disse Novaes, lembrando que em 1984 os waurá tinham 13 pajés e hoje só têm 3 e não há nenhum jovem em formação.
"Os jovens não querem assumir esse compromisso, porque querem viver de uma forma mais próxima da nossa cultura, usando nossas roupas, tênis, moto. Para ter isso, o jovem já esta passando por uma transformação. Não está se dedicando às tarefas tradicionais. Não está indo para a roça para plantar mandioca. Ele está fazendo artesanato para vender ao branco e ganhar dinheiro", afirmou. "Então isso está levando a certos impasses."
Para Novaes, a idéia que a sociedade branca no Brasil tem hoje sobre os índios ainda é uma idéia de um ser exótico, que anda pelado, que canta, que dança e não aprendeu ainda a ver nas culturas indígenas coisas admiráveis.
A programação sobre o Xingu começa neste domingo, às 18h, com um episódio que é uma síntese do que é o parque hoje, depois serão reapresentados dez capítulos de "A Terra Mágica" e logo vão ao ar cinco programas da série "Xingu, a Terra Ameaçada" gravados nas aldeias revisitadas.

G1.Globo.com, 29/07/2007

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