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Apenas 2,1% das multas ambientais aplicadas na Amazônia são pagas

OESP, Vida, p. A22-A23
25 de Jan de 2006

Apenas 2,1% das multas ambientais aplicadas na Amazônia são pagas
Levantamento da Imazon revela que, entre 2001 e 2004, a União deixou de receber milhões de reais

Herton Escobar

Levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revela que apenas uma parcela irrisória das multas ambientais aplicadas pelo Ibama na Amazônia é paga à União. O estudo analisou 55 processos por infrações florestais iniciados no Pará entre 1999 e 2003, após a regulamentação da Lei de Crimes Ambientais. De um total de quase R$ 1,5 milhão em multas, apenas R$ 45 mil, ou 3%, haviam sido arrecadados até 2004. Em toda a Amazônia, a média de arrecadação entre 2001 e 2004 foi ainda menor: 2,1%.
As razões incluem deficiências graves de todo o sistema, desde o preenchimento do auto de infração até a execução das multas nas esferas administrativa e judicial. Poucos processos são levados adiante. E menos ainda resultam em cobrança ou reparação do dano ambiental. O resultado é um sentimento de impunidade entre os infratores e de desânimo entre os funcionários do Ibama encarregados de fiscalizá-los.
"Em primeiro lugar, é um grande desperdício de dinheiro. E, como a maioria dos processos não chega a lugar nenhum, a sensação de impunidade é muito grande", diz o pesquisador Paulo Barreto, que assina o estudo com a colega Brenda Brito. "A conseqüência disso é que os crimes continuam."
Ao mesmo tempo em que as multas aplicadas na Amazônia saltaram de R$ 218 milhões para R$ 611 milhões entre 2001 e 2004, o desmatamento na região aumentou de 18.165 quilômetros quadrados para 27.200 quilômetros quadrados.
Quando um fiscal escreve uma multa - por exemplo, para o motorista de uma carreta com madeira ilegal -, o processo é encaminhado ao Ibama e, depois, ao Ministério Público e à Justiça. O primeiro é encarregado de cobrar a multa (esfera administrativa); os outros dois, de punir legalmente o infrator (esfera judicial). O Imazon analisou os processos em ambas as esferas e o resultado foi igualmente desanimador, segundo Barreto.
O estudo foi focado nas infrações florestais, envolvendo desmatamento e comércio ilegal de madeira. Os 55 casos foram selecionados entre 177 processos iniciados pelo Ibama de Belém de 1999 a 2002 e encaminhados pelo Ministério Público à Justiça Federal de Belém, entre 2000 e 2003. O Pará é o campeão nacional de multas ambientais, com cerca de 2 mil infrações somente em 2003. É também o maior produtor de madeira da Amazônia, responsável por cerca de 45% da produção regional - a maior parte dela, ilegal.
Multa mal preenchida
Os problemas começam no momento em que o fiscal preenche o auto de infração. Um simples detalhe, como a omissão do CPF do acusado, pode inviabilizar a execução da multa. Em outros casos, a soma dos metros cúbicos apreendidos não corresponde ao valor da infração - problemas que podem ter origem na corrupção ou na falta de treinamento dos fiscais. O erro processual mais freqüente, segundo os pesquisadores, foi a falta de homologação do auto de infração pelo gerente executivo do Ibama.
Dentre os 55 processos administrativos analisados, 74% estavam condenados e não pagos até 2004, o que correspondia a 78% do valor total de multas. Os casos condenados e pagos somavam 15% dos processos, ou 3% do valor das multas.
Apenas 2% foram absolvidos e 9%, contestados pelos acusados (análise de defesa). Segundo o Ibama em Brasília, mais de 20 mil autos foram lavrados entre janeiro e outubro de 2005 (o dado mais recente disponível), somando R$ 2,2 bilhões em multas. O órgão não informou quanto desse valor foi arrecadado.
O dinheiro do pagamento de multas ambientais vai para o caixa geral da União, sem garantia de que será revertido ao Ibama ou outros órgãos ambientais.
Morosidade
A duração média dos processos administrativos do Ibama no Pará foi de 806 dias úteis. A morosidade continuou na Justiça, que em 62% dos casos não foi capaz de localizar os acusados para dar seguimento ao processo.
"A média de tempo entre a emissão de multa do Ibama e o início da ação penal foi de 244 dias úteis. A demora era suficiente para que os infratores mudassem de endereço", anotam os pesquisadores. Isto, é claro, quando o acusado informa o endereço certo.
Cerca de metade das multas foi para pessoas jurídicas e metade, para pessoas físicas. No último caso, a maioria dos infratores era motorista de caminhão ou piloto de balsa transportando madeira ilegal. A multa é nominal ao motorista, enquanto aqueles que derrubam e comercializam a madeira seguem impunes. "Não adianta multar o motorista sem mapear toda a cadeia", afirma Barreto. "Tem de saber de onde veio e para quem vai a madeira."
Segundo o coordenador de Fiscalização do Ibama em Brasília, Arty Fleck, a detecção dos infratores é dificultada pelo uso de "laranjas" - pessoas que vivem na floresta, muitas vezes sem identidade nem conta bancária. "Isso é comum na Amazônia. A fiscalização chega a uma área desmatada, em uma terra sem titulação, e quem está lá e assume a culpa é o laranja", disse. "A multa acaba sendo perdida, porque, mesmo que seja executada, o sujeito não tem como pagar."
O mais importante, segundo Fleck, é aprimorar o sistema de cobrança e melhorar a agilidade da Justiça. "A fiscalização é um trabalho muito árduo, especialmente na Amazônia", disse. "Saber que os infratores ficam impunes depois de tanto esforço é mesmo muito frustrante."
Na Justiça, segundo o Imazon, os infratores foram denunciados criminalmente em apenas 9% dos casos . Em 91% do processos, o Ministério Público propôs acordos chamados de transação penal, que podem substituir a pena pela reparação do dano ambiental. Entretanto, 95% dos acordos eram de caráter social, envolvendo apenas a doação de remédios e cestas básicas.

Nove empresas devem mais de R$ 700 milhões
Recursos para multas acima de R$ 50 mil dificultam cobrança
Carlos Mendes
Duas multas pesadíssimas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no ano passado no Pará jamais serão pagas. Elas foram aplicadas a um fazendeiro que derrubou 2 milhões de árvores em Altamira e contra produtoras de ferro gusa que destroem a Floresta Amazônica na região de Marabá e no Estado do Maranhão. Os multados alegam que irão à falência se forem obrigados a pagar o que devem. E já ingressaram com recursos que devem levar no mínimo três anos para ser julgados.
As multas contra nove siderúrgicas de ferro gusa passam de R$ 700 milhões, enquanto o fazendeiro José Pereira Dias, que derrubou uma área maior que 10 mil campos de futebol, foi autuado em R$ 20 milhões.
O gerente executivo do Ibama no Estado, Marcílio Monteiro, explica que um dos problemas para dar agilidade ao pagamento das multas é a possibilidade de ampla defesa por meio de recurso administrativo em casos de multas superiores a R$ 50 mil. Primeiro, o recurso é remetido à presidência do Ibama, depois à ministra do Meio Ambiente e por último ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A outra dificuldade é que nem sempre o multado é o verdadeiro proprietário da madeira extraída ilegalmente da floresta ou o responsável pela queimada. "Geralmente quem aparece são capatazes ou empregados, ou seja, pessoas sem condições financeiras para pagar as multas. E quando identificamos os verdadeiros responsáveis, eles sempre residem em outro Estado, o que dificulta a localização", diz Monteiro.
Serviço de cobrança
Para Monteiro, o Ibama não deve ser visto como um órgão encarregado de cobrança de multas. Como isso ocorre, servidores acabam sendo desviados de sua função. As multas aplicadas no Pará em 2005 passaram de 1,7 mil, colocando o Estado em sexto lugar no País pelo critério de arrecadação.
Hoje, segundo o órgão, os infratores embutem nos custos de produção o valor da multa, amortizando-o ao longo de uma década. Mesmo se fosse pago integralmente, o valor das multas é insignificante diante dos lucros do comércio ilegal de madeira. "A multa poderia passar a ser paga em 30% no momento do flagrante, e ser questionada pelo infrator posteriormente na Justiça", defende o presidente do órgão, Marcus Barros.
Se a multa não for paga, o infrator terá seu nome incluído no cadastro federal de inadimplentes. Caso insista em não pagar, o Ibama ingressa com ação de cobrança na Justiça Federal, reivindicando a penhora de algum bem do devedor.

OESP, 25/01/2006, Vida, p. A22-A23

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