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América Latina e África: níveis semelhantes de desigualdade

OESP, Metrópole, p. C12
23 de Out de 2008

América Latina e África: níveis semelhantes de desigualdade
Segundo relatório da ONU, São Paulo e Rio são mais injustas que Nairóbi, capital do Quênia

Felipe Werneck

Relatório sobre o Estado das Cidades Mundiais 2008/09, divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que a desigualdade nas maiores cidades da América Latina está no mesmo nível de um conjunto de 26 cidades africanas. O início do capítulo Harmonia Social, que traz a comparação, é ilustrado por foto de Tuca Vieira que mostra um prédio com varandas e quadra de tênis separado de uma favela por um muro, em São Paulo.

O grupo de 19 cidades da América Latina e do Caribe apresentou coeficiente Gini de 0,55, ante 0,54 para as 26 cidades africanas selecionadas pela ONU. São Paulo está no mesmo nível de Bogotá (0,61), na Colômbia, mas o índice na capital foi superior, por exemplo, ao de Nairóbi (0,59), no Quênia.

"A América Latina é campeã de desigualdade. Colômbia e Brasil são os dois que têm a maior quantidade de cidades com grande índice de desigualdade", afirmou Cecilia Martinez, diretora para a América Latina do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos.

Gini é o sobrenome do matemático italiano Corrado Gini, que desenvolveu o coeficiente, adotado pela ONU para medir igualdade ou desigualdade dos países na distribuição de renda da população. O cálculo leva em consideração variáveis econômicas para verificar o grau de espalhamento da renda, em escala de zero a 1. Quanto mais próximo de zero, mais igualitária é a sociedade. Quanto mais se aproximar de um, maior é a desigualdade. O Gini não mede riqueza ou pobreza de um país, e sim a homogeneidade econômica e social. "As cidades que têm mais de 0,4 (limite internacional de alerta) devem procurar melhorar essa diferenciação", disse Cecilia.

A manutenção da desigualdade em grandes metrópoles não é exclusividade de países africanos e latino-americanos. "Algumas cidades dos EUA, como Atlanta, Washington, Nova Orleans e Nova York, têm índice de Gini muito grande, o mais alto do País, similar ao de cidades como Buenos Aires (0,52). É um fenômeno que acontece não só aqui", disse Cecilia. "O importante agora não é saber de onde veio (o problema), mas o que fazer. Temos de trabalhar mais nas zonas de maior pobreza, onde há um índice maior."

PAC

Ela avalia que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, "pode melhorar a situação". "Deve-se trabalhar muito nas zonas de pobreza. É importante melhorar os sistemas de transporte e certamente a condição social e econômica. A sustentabilidade da cidade implica em buscar a igualdade", disse. "Ou seja: investimentos públicos e privados devem estar dirigidos para as zonas de mais pobreza, e não somente continuar em zonas de riqueza, que vão favorecer novamente os que têm mais. Isso é o mais importante."

A ONU faz uma projeção do crescimento populacional em São Paulo, que deverá chegar a 2025 com 21,4 milhões de habitantes, a quinta maior população do mundo. No período, São Paulo deverá superar Nova York e Cidade do México, como mostrou o Estado na revista Megacidades, e terá à sua frente, em 2025, Tóquio, Mumbai, Nova Délhi e Daca. "No Brasil, cerca de 70 cidades nos últimos 15 anos deixaram de ser pequenas, com 50 mil habitantes, e chegaram a 150 mil ou 200 mil", disse. Paraopebas (PA), por exemplo, tinha 71 mil em 2000, e chegou a 133 mil neste ano.

Porto Seguro (BA), por conta do turismo, pulou de 95 mil para 114 mil habitantes no mesmo período. O crescimento populacional em Itaquaquecetuba (SP) chamou a atenção da ONU. Eram 272 mil em 2000 - agora são 334 mil. "Indústria e turismo geram muito emprego e crescimento rápido, mas há categorias diversas", comentou Cecilia, para concluir: "É preciso trabalhar intensamente com as comunidades mais pobres. Não se pode falar de grandes políticas urbanas se não for para trabalhar diretamente com essas comunidades."

Lote irregular fez 'Itaquá' dobrar
'O terreno estava baratinho', diz moradora que nunca viu escritura
Mônica Cardoso
Para realizar o sonho da casa própria, a dona de casa Maria Bernadete de Almeida, de 51 anos, teve de mudar de cidade há cinco anos. A família trocou Arujá, onde pagava aluguel de R$ 230, pela vizinha Itaquaquecetuba, onde adquiriu um lote por R$ 2,8 mil no assentamento irregular Piratininga 2. "Uma amiga me falou que o terreno estava baratinho. Meu marido tinha sido despedido e íamos parar embaixo da ponte". Segundo ela, os lotes pertenciam a dois irmãos, que teriam invadido o local há alguns anos. Ela guarda o comprovante de compra, mas não tem escritura da casa.

Maria Bernadete tem o perfil de boa parte dos moradores de 'Itaquá', que vieram de cidades vizinhas e bairros da zona leste atraídos pelo preço baixo dos terrenos. Isso fez dobrar a população, que passou de 164 mil habitantes, em 1990, para atuais 334 mil.

A dona de casa e o marido colocaram telhado e piso na pequena casa de três cômodos - cozinha, quarto e banheiro. Os vizinhos improvisaram uma rede de esgoto. As ruas não são pavimentadas. O bairro não tem posto de saúde, escola, supermercado ou ponto de ônibus. Ela tem de ir até Piratininga 1, um assentamento mais antigo.

A mesma falta de infra-estrutura é vista em outro assentamento irregular, o Vila Celeste, que existe há mais de 30 anos, onde o esgoto ainda corre a céu aberto. "Comprei um terreno da minha tia, mas não recebi comprovante", diz o motorista Antônio dos Passos, de 55 anos. "Mas boa parte das casas é de invasão. Volta e meia aparecem grileiros vendendo terrenos".

O prefeito Armando Tavares Filho (PL) reconhece o problema. "Ainda temos 65 loteamentos irregulares na cidade". Segundo ele, fraudadores vendem terrenos particulares e dão até contrato. A Prefeitura recebeu R$ 14 milhões de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e está comprando os terrenos dos assentamentos para a legalização.

OESP, 23/10/2008, Metrópole, p. C12

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