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Ambientalistas temem perdas

CB, Economia, p. 11
29 de Fev de 2004

Ambientalistas temem perdas
Representantes do Greenpeace diz que, com o tempo, os ganhos iniciais com a soja modificada vão se perder porque doenças ficarão mais resistentes. Estudo mostra que uso de agrotóxico aumentou nos EUA

O ganho de produtividade e a manutenção da competitividade do produtor brasileiro de soja no mercado internacional não convencem os defensores da proibição do comércio de organismos geneticamente modificados. A coordenadora da campanha de Engenharia Genética da organização não-governamental Greenpeace, Mariana Paoli, afirma que, ao longo do tempo, os ganhos iniciais com a redução da aplicação de herbicidas proporcionados pela soja geneticamente modificada se perdem e os produtores ficam reféns dos donos da tecnologia que impõe venda casada de sementes e agrotóxicos.
Contrariando os argumentos da multinacional norte-americana Monsanto, dona da tecnologia que desenvolveu a soja geneticamente modificada para tolerar o herbicida glifosato, Mariana diz que, nos Estado Unidos-onde o uso do glifosato está liberado desde 1996-, a aplicação de herbicidas aumentou.
Segundo a Monsanto, a soja transgênica permite a economia de R$ 200 por hectare plantado graças à facilidade no plantio e à redução da aplicação de herbicidas. Mas o Greenpeace se baseia em um estudo de 2001, publicado pelo Centro de Política Ambiental e Científica do Noroeste Americano, que contesta os argumentos da Monsanto.
O estudo revelou que várias ervas daninhas tornaram-se resistentes ao herbicida Roundup Ready, nome comercial dado pela Monsanto ao glifosato, e isso obrigou os agricultores a utilizar mais agrotóxicos para obterem o mesmo resultado. Na média, o uso de herbicidas nas culturas transgênicas seria 11,4% maior do que nas convencionais.
Precaução
"Não somos contra a biotecnologia. Defendemos o princípio da precaução e os indispensáveis estudos de impacto ambiental que as novas tecnologias exigem. 0 Brasil só tem a ganhar mantendo-se livre de transgênicos que prejudicam a natureza e contaminam variedades convencionais, diminuindo a liberdade de escolha de agricultores e consumidores", alerta Mariana.
O superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Geraldo Eugênio de França, é favorável ao desenvolvimento dos transgênicos. Ele defende que as pesquisas continuem sendo feitas e pede maior agilidade nas definições sobre a regulamentação dos organismos geneticamente modificados. França diz que é preciso evitar sacrifícios à pesquisa nacional, sob ameaça de perder competitividade e qualidade tecnológica. "No futuro, essas perdas vão custar caro em novas áreas cultivadas e na destruição de ecossistemas", justifica.
José Carlos Carramate, gerente de negócios da soja na Monsanto, informa que a empresa cede sua tecnologia para programas de adaptação das variedades vegetais aos diferentes ambientes. Só ganha quando recebe parte dos royalties pagos pelos produtores quando compram as sementes. Nos Estados Unidos, a média é de US$ 30 por hectare. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o agricultor pagará quando entregar suas sacas de 60 quilos nos armazéns. Para este ano, serão cobrados R$ 0,60 por saca.
Segundo Carramate, há 18 herbicidas à base de glifosato no Brasil, mas nenhum foi liberado definitivamente. Já passaram pelas análises do Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda falta o sinal verde do Ministério da Agricultura. Só depois disso a aplicação sobre a planta da soja estará liberada oficialmente. (AG)
Projeto de lei é alvo de críticas
0 Projeto da Lei de Biossegurança é fundamental para disciplinar a pesquisa e a venda de organismos geneticamente modificados, mas o texto aprovado na Câmara ainda tem de passar por um rigoroso teste. 0 senador Osmar Dias (PDT-PR) acredita que há condições políticas para mudanças que evitem o que chama de "retrocesso científico" em relação a outros países.
Segundo Dias, o texto do relator, deputado Renildo Calheiros (PC do B-PE), aprovado em 4 de fevereiro na Câmara, dá a palavra final sobre o uso de transgênicos ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNB), integrado por 15 ministros de Estado. 0 senador paranaense quer reverter o esvaziamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), devolvendo a esse órgão o poder de liberar a comercialização de transgênicos. Dessa maneira, evita-se a sobreposição de critérios políticos sobre os técnicos, dando mais segurança aos que investem em pesquisas.
Sem a perspectiva de ganhos comerciais com os produtos desenvolvidos, não há financiamento de pesquisas privadas. E também é fato que faltam recursos públicos para toda a demanda. "A biotecnologia é vital para o agronegócio. Não há como competir em eficiência e produtividade sem acompanhar essa evolução", garante Dias.
0 superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Geraldo Eugênio de França, também defende mudanças no projeto da Lei de Biossegurança. Sobre o tão criticado esvaziamento da CTNBio, ele alerta para o fato de que os Estados Unidos, o país mais liberal em relação aos transgênicos, são muito cuidadosos para liberar a comercialização. O processo é complexo e passa por três análises estritamente técnicas. Depois de ser aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) e pela Environmental Protection Agency (EPA), quem dá a palavra final é o United States Department of Agriculture (USDA).
No agronegócio, o projeto de Lei de Biossegurança aprovado pelos deputados não foi bem recebido. Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) aguarda o recomeço das discussões no Senado. "A CTNBio foi esvaziada. A comercialização depende de um colegiado de ministros que só decidirá por consenso. Se isso permanecer, acaba o incentivo às pesquisas. O Brasil sempre esteve na frente nas pesquisas de soja. Não temos o direito de dar mais um tiro no pé", alerta Lovatelli.
Logística cara
Segundo a Abag, o Brasil pode continuar competitivo com a soja convencional, mas os produtores estão sedentos por reduções de custo que compensem o preço da falta de logística adequada no Brasil. As grandes carências da infra-estrutura reduzem as vantagens conseguidas nas fazendas. Parte do esforço das pesquisas que desenvolvem sementes mais resistentes é perdida com rodovias esburacadas, falta de ferrovias e hidrovias e portos ineficientes. Lovatelli informa que o custo da logística nos Estados Unidos é de US$ 8 por tonelada transportada. No Brasil, são US$ 17. (AG)

CB, 29/02/2004, Economia, p. 11

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