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Amazônia nacionalizada

O Globo, Economia, p. 33-3
07 de Out de 2007

Amazônia nacionalizada
Governo busca verba para assumir 100% de projeto científico que tem dinheiro da Nasa

Liana Melo
Enviada especial Palmas, Tocantins

O governo decidiu nacionalizar um projeto na Amazônia que tem verba da Nasa (a agência espacial americana) e é o maior programa de cooperação científica do mundo na área ambiental. O Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, da sigla em inglês), que completa dez anos em 2008, envolve cerca de dois mil pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Muitas vezes acusado de ferir a soberania nacional, o LBA passará a contar exclusivamente com recursos brasileiros - e o governo está atrás de financiamento, pois tem pouco mais de um terço do necessário. A Nasa, que financiou 15 torres de observação espalhadas atualmente pelas regiões Norte e Centro-Oeste, é, hoje, o principal parceiro financeiro.

Em Tocantins, as pesquisas já influenciaram a economia local: o setor de cerâmica começa a promover uma mudança na sua matriz energética.
Além da nacionalização, o Brasil vai criar uma convergência entre todos os projetos científicos desenvolvidos na região amazônica, o que inclui o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). A decisão foi tomada na quarta-feira, numa reunião liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ficou acertado também que o novo projeto - que informalmente já vem sendo chamado de Programa Amazônia - vai abranger todas as áreas de pesquisa científica, e não apenas as de base ambiental. Falta decidir a que ministério ficará subordinado.

- Gostaríamos que ele ficasse no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Mas admito que, pela abrangência e importância do programa, será necessário negociar com todas as pastas, inclusive com a Casa Civil e o Ministério da Defesa - admitiu o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, Luiz Antonio de Castro.

Governo precisa de R$ 10 milhões anuais
O secretário está convencido de que a sinergia entre os projetos na Amazônia é fundamental e urgente, até porque alguns deles são considerados conflitantes, enquanto outros são vistos como redundantes. Castro fez questão de frisar que a nacionalização do LBA não foi uma decisão motivada por qualquer movimento em defesa da soberania nacional. Ele admitiu que, em muitas ocasiões, esse questionamento ocorreu sim, até porque a Nasa chegou a ser intransigente em muitas negociações. Só que preferiu não entrar em detalhes.

- A neurose da soberania ficou totalmente sem sentido no mundo de hoje - comentou o secretário, informando que, recentemente, recebeu imagens da Amazônia, tiradas pelo satélite da China, em altíssima resolução.

Cálculos preliminares dão conta de que a Nasa já teria investido cerca de US$ 60 milhões no LBA, dos US$ 100 milhões consumidos desde o nascimento do projeto, em 1998. O LBA é fruto de acordos internacionais de cooperação científica - tem também investidores europeus - e está sob a responsabilidade do MCT e do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa). Cabe ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) gerir seu banco de dados.

Ao nacionalizar o LBA, o governo será obrigado a investir R$ 10 milhões por ano - mas conta apenas com R$ 3,6 milhões. Além de recursos do próprio Plano Plurianual (PPA), pretende lançar mão do suporte financeiro de alguns fundos setoriais, que têm dinheiro da iniciativa privada. As negociações já começaram. O Fundo Setorial do Agronegócio foi o primeiro a ser abordado, e o próximo alvo será o Fundo Setorial de Biotecnologia.

Já está decidido que todos os ativos do LBA, como as torres da Nasa e os equipamentos, serão absorvidos pelo governo. A maior preocupação é dar uma aplicação prática aos resultados das pesquisas.

- Muitos dos dados que embasaram os relatórios do Painel Intergovenamental em Mudança do Clima (IPCC) levaram em consideração as conclusões de algumas pesquisas feitas pelo LBA - comenta o coordenador do programa, Antonio Manzi.

Mas, afinal, para que serve o LBA? As imagens captadas pelas torres ajudam a explicar, por exemplo, como a mudança no uso da terra, as queimadas e a expansão da fronteira agrícola vêm afetando o clima regional e global. E como as mudanças climáticas globais, por sua vez, afetam a sobrevivência da floresta e de outros ecossistemas, como o cerrado e o pantanal.

Entre as muitas descobertas feitas pelos pesquisadores, está o fato de a capacidade de resistência da Amazônia à seca ser bem maior do que se supunha. Essa conclusão contradiz, em parte, a tese recorrente de que, se parasse de chover por um tempo prolongado, o efeito sobre a floresta seria imediato.

Isso não significa, no entanto, que a iminência de "savanização" de algumas regiões da Amazônia - o que já foi alertado pelo IPCC - esteja totalmente descartada. O risco existe, mas a floresta tem condições de reagir a pelo menos um ano de seca.
O resultado da pesquisa foi publicado na revista "Science"

Nasa monitora reações da floresta
Foi do alto de uma torre de 42 metros de altura, fincada na Ilha do Bananal, em Tocantins, numa região onde convivem três ecossistemas - floresta tropical, cerrado e pantanal -, que os pesquisadores do LBA conseguiram chegar a essa conclusão, depois de observarem o comportamento da natureza. A Ilha do Bananal, considerada a maior ilha flutuante do mundo, é uma das cinco áreas úmidas brasileiras protegidas pela Convenção de Ramsar, da Organização das Nações Unidas.

- Temos percebido que os eventos climáticos estão ficando cada vez mais intensos. Em 2006, choveu 1.500 milímetros durante todo o ano. Até setembro deste ano, já tínhamos detectado um índice pluviométrico de 1.700 milímetros - calcula o polonês Dariusz Kurzatkowski, que trabalha no Centro de Pesquisa Canguçu, um dos parceiros locais do LBA, em Tocantins.

Ele passa o dia embrenhado na floresta manejando equipamentos que medem desde a quantidade de carbono captada pelas folhas até a velocidade dos ventos, passando pela capacidade de absorção de água pelas raízes das árvores. Isso sem falar nas inúmeras vezes em que sobe e desce a torre para coletar os dados captados num raio de 200 metros quadrados. O levantamento de informações é feito a cada dez segundos. Todo esse material acumulado nestes dez anos já se constitui num dos maiores bancos de dados sobre Amazônia.
(*) A repórter viajou a convite do Instituto Ecológica

Em Tocantins, casca de arroz queima nos fornos em vez da tradicional lenha
Velocidade de uso da madeira chamou a atenção dos pesquisadores

Liana Melo* Enviada especial Palmas, Tocantins.

Prestes a completar 20 anos de existência, o estado de Tocantins virou alvo fácil de uma combinação bombástica. Para atender ao aquecimento repentino da demanda local por material de construção, os empresários adotaram as queimadas e o desmatamento como prática para alimentar seus fornos. Só que a velocidade com que a madeira vinha sendo queimada chamou a atenção dos pesquisadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, da sigla em inglês).

Mudar a matriz energética do setor de cerâmica era a única opção à vista, e a escolha recaiu sobre a casca de arroz.
A troca foi triplamente rentável. Os custos foram reduzidos à metade. A casca do arroz, que estragava a céu aberto, emitindo gás metano, agora tem serventia.

E há a possibilidade de investir no mercado de créditos de carbono, que pode se tornar uma das mais importantes commodities do mundo. Em sete anos, a Milenium - uma fabricante de médio porte local, com uma produção mensal de um milhão de peças - vai faturar R$ 3,4 milhões com a venda de 240 mil toneladas em créditos de carbono. Por esse mecanismo, empresas que adotam tecnologias limpas convertem a redução de emissão de gás carbônico em créditos de carbono, vendidos a companhias poluentes.

- Foi uma das boas tacadas deste ano - diz Ezequiel de Souza, dono da Milenium.

O projeto de substituição adotado em Tocantins é fruto da parceria entre o Instituto Ecológica e o Sebrae. Tudo começou há três anos, com o Arranjo Produtivo da Cerâmica Vermelha (APL, que define a aglomeração de empresas com a mesma especialização operando num mesmo local).

O avanço das empresas sobre a floresta e o cerrado vinha devastando Tocantins. Num universo de 65 empresas de cerâmica incluídas no diagnóstico do instituto, um quarto vinha consumindo mensalmente 7.500 metros de lenha. Para zerar esse passivo ambiental, seria necessário o plantio de 45 mil árvores anualmente. Só que a reposição florestal, como foi diagnosticado, é uma prática sonegada.

Uma única empresa de cerâmica consome, em média, 900 hectares de cerrado por ano.
A São Judas, outra cerâmica de médio porte, está vendendo créditos de carbono, num volume total de R$ 3 milhões, apenas com a substituição da lenha pela casca de arroz.

Outros estados alteram matriz energética
Modelo já foi adotado por 12 fábricas de cerâmica no Pará

Não é só Tocantins que está adotando uma mudança de matriz energética no setor de cerâmica. O presidente do Instituto Ecológica, Stefano Merlin, já percorreu, no último ano, 17 municípios no entorno do Arco do Desmatamento (região da Amazônia Legal), para replicar a experiência em outras empresas do setor. Somente no Pará, o modelo já foi adotado por 12 fábricas de pequeno e médio portes. Outros estados que estão aderindo são Rio Grande do Norte, Ceará, Rondônia, Alagoas e São Paulo.

Merlin está convencido de que a adesão das empresas de cerâmica pode melhorar o desempenho do Brasil no mercado de carbono. O país vem perdendo espaço para a China e a Índia. Dos 2.382 projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do Acordo de Kioto, o Brasil detém 10%, enquanto a China e a Índia dominam, com 31% e 30%, respectivamente. No começo do ano, o Brasil detinha 30%.

Como o desmatamento é considerado a segunda maior fonte de emissão de gases de efeito estufa que provocam a mudança do clima, Merlin está convencido de que a troca da matriz energética em Tocantins pode contribuir para reduzir os reflexos do aquecimento global regionalmente. O efeito da mudança do clima na região já é evidente: as chuvas estão mais intensas e a estiagem, mais longa.

Além do mais, como o desmatamento vinha atingindo uma velocidade de cruzeiro, em cinco anos, calcula Merlin, as empresas de cerâmica local entrariam em colapso financeiro, já que a madeira estava ficando cada vez mais distante e cara. (Liana Melo, enviada especial)

O Globo, 07/10/2007, Economia, p. 33-34

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