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A Amazônia do passado

OECO - http://www.oecoamazonia.com
11 de Abr de 2011

"Nos últimos 20, anos uma série de estudos começou a sacudir posições tidas como estabelecidas e a constatar que a Amazônia compôs, na pré-história, um rico e diversificado cenário de sociedades humanas de grande complexidade econômica e sofisticação cultural", afirma Márcio Souza no livro História da Amazônia. Algumas teorias chegam a comparar a organização de nações indígenas ao que entendemos por "Estado", apesar dos grupos nômades que viviam de caça, pesca e coleta. A maior floresta tropical do planeta era, portanto, habitada, ao contrário do que muita gente imaginava. Não apenas isso: os povos que viveram nela souberam lidar com todas as dificuldades impostas pelo ambiente natural. O legado de seus modos de vida é a floresta que conhecemos hoje. Só que grande parte destes exemplos foi massacrada pela colonização europeia e por doenças importadas do velho continente.

Os europeus saquearam e mataram indígenas que habitavam a Amazônia. "Quando chegaram, havia populações em escala urbana, sistema intensivo de produção de ferramentas e cerâmicas, agricultura diversificada, rituais, sistema político centralizado. Essas sociedades foram derrotadas pelos conquistadores", afirma Souza. Evidências encontradas em Mato Grosso indicam que a floresta é ocupada há pelo menos 14 mil anos. O que havia sido construído neste período, diz o escritor, "foi aniquilado em menos de 100 anos, soterrado em pouco mais de 250 e negado em quase meio milênio de terror e morte".

Ao contato com os europeus, os indígenas foram assassinados ou escravizados. Quem sobrou para contar alguma história colaborou para a formação da cultura indígena como a conhecemos atualmente. E como é possível descobrir tudo isso? Literalmente revirando o passado por meio da arqueologia, uma ciência interdisciplinar que começou a ser aplicada na região na segunda metade do século XIX. Graças a ela estamos, aos poucos, desvendando alguns mistérios das populações da grande floresta.

Descobertas em destaque

Evidências da existência destas civilizações são cerâmicas, restos mortais, terra preta de índio (altamente fértil graças à ação humana, que "adubou" o solo com fragmentos de cerâmicas, carvão e ossos de animais) e castanhais (apenas cutias e seres humanos são capazes de abrir o ouriço e dispersar as sementes). Ninguém sabe ao certo o número total de sítios arqueológicos na Amazônia brasileira - ou seja, até agora são milhares, mas podem existir milhões. Entre alguns dos mais comentados estão o Hatahara e o Laguinho, no Amazonas, a cidade de Santarém, no Pará e os geoglifos do Acre, Amazonas e Rondônia.

O Hatahara tem sido estudado desde 1999. Fica em Iranduba, na margem esquerda do rio Solimões sobre um terraço elevado, tem 160 mil m² e chama a atenção pelos inúmeros sepultamentos humanos encontrados e pela terra preta, o que indica ocupação densa e por longos períodos. O site do Centro de Arqueologia dos Biomas da Amazônia afirma que ele é "excepcional" pelo tamanho, conteúdo, ocupações e estado de conservação do material humano, animal e vegetal. O sítio Laguinho, de 25 hectares, também fica sobre um barranco na margem esquerda do Solimões, no Amazonas. O local teria sido ocupado por pelo menos três povos de 400 a 1300 d.C.

Por volta do ano 1000, onde hoje está Santarém, havia outra cidade provavelmente do tamanho da atual (22.887 km² ). Seus habitantes permaneceram por séculos no mesmo lugar. Lá foram encontradas as cerâmicas mais antigas das Américas: 6 mil a.C. Elas eram bem elaboradas, com iconografia rica, e possuem imagens femininas. "Não digo que as Amazonas existiram, mas temos indícios de que as mulheres tinham importante papel social e eram lideranças nesta cidade", explica Eduardo Góes Neves, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos nomes mais respeitados do mundo quando o assunto é arqueologia amazônica.

Por fim, o que merece destaque são os geoglifos, enormes figuras construídas entre 200 e 220 metros de altitude. Cerca de 271 já foram encontradas. Imagens de satélite têm ajudado nesta tarefa e o número de descobertas cresce graças à tecnologia e, infelizmente, aos desmatamentos que deixam as figuras à mostra. Até agora foram encontrados cerca de 20 no sul do Amazonas e 10 em Rondônia. O restante está no Acre, onde as figuras são formadas por valetas com 12 metros de largura e até 5 de profundidade. A parte interna chega a ter 300 metros de diâmetro e as figuras são perfeitas geometricamente. Denise Shaan, professora da Universidade Federal do Pará e especialista em geoglifos, afirma que eles eram utilizados para encontros, rituais e, em alguns casos, moradia. "Este é um fenômeno regional que perdurou por cerca de mil anos", diz.

Além dos sítios citados, vale destacar que descobertas ocorreram em diversos outros locais, como no Marajó, Pará, onde foram encontradas esculturas e no Alto Xingu, em Mato Grosso, onde existem evidências de "cidades" de até 700 anos. Em relação aos rios, Góes destaca Solimões e Amazonas, cuja calha era antes habitada pelas primeiras populações mortas pelos europeus. "Grandes afluentes do Amazonas são virtualmente desconhecidos. Muitos ainda não foram pesquisados, como o Japurá, Juruá, Javari, médio e baixo Purus", diz. Imagine, portanto, quanta informação ainda está soterrada por ali.

Conhecimento ameaçado

Com discurso desenvolvimentista, o governo não tem colaborado para a proteção dos sítios arqueológicos na Amazônia. "A maior ameaça é a economia. No Acre, pela criação de gado e agricultura; em Santarém, pela agricultura e falta de planejamento por parte dos municípios, que não se importam com sua proteção. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem poucos funcionários e recursos e, quando acontece, "apaga incêndios". Nossas denúncias geralmente dão em nada", afirma Denise.

"Descobrimos que estes povos desenvolveram a ocupação estável da Amazônia. Corremos o risco de perder informações sobre este modo de vida, o que nos ajudaria a estabelecer parâmetros para repensar o que vemos hoje em dia", diz Góes. De acordo com ele, asfaltamento de estradas e hidrelétricas são preocupantes. "Se o complexo de usinas do Tapajós sair, vai ser uma catástrofe. Faltam arqueólogos qualificados para atuar na região. Licenciamentos são feitos com base em pesquisas de qualquer pessoa. Está cheio de pirata dizendo que é arqueólogo", complementa.

O caminho da conservação

"Sou otimista com relação às pesquisas para o futuro. Vários formandos da USP estão vindo para a região. Somente formando pessoas na Amazônia é que poderemos desenvolver pesquisas e melhorar a gestão do patrimônio arqueológico", afirma Denise. Góes defende o mapeamento da diversidade arqueológica na Amazônia e a formação de mais cursos de graduação e de pós na região. Ele é a favor da criação de unidades de conservação onde existam importantes sítios arqueológicos. Mudanças e melhorias são, portanto, necessárias. Como ele mesmo diz, "a gente tem que respeitar o passado".

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