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Alex Atala: Mandioca é a espinha dorsal da cozinha brasileira

Valor Econômico - https://valor.globo.com/eu-e/noticia
07 de Jan de 2022

Alex Atala: Mandioca é a espinha dorsal da cozinha brasileira

Por Maria da Paz Trefaut
Para o Valor, de São Paulo 07/01/2022

Há mais de dez anos, em mesas de debate internacional sobre gastronomia, Alex Atala já dizia que se fosse eleger um ingrediente que simbolizasse o Brasil no mundo, seria a mandioca. Eis que no fim do ano passado ele lançou "Manihot utilissima Pohl: Mandioca", quase um tratado de mais de 400 páginas de diversos autores idealizado e supervisionado por ele (Editora Alaúde, R$ 199).
O compêndio, resultado de mais de dois anos de trabalho, reúne textos de indigenistas, antropólogos e chefs renomados e confere ao ingrediente dos povos originários seu merecido reconhecimento. "Sou um apaixonado pela cozinha brasileira e entendo que a mandioca é sua espinha dorsal, sua raiz, lato sensu e stricto sensu", diz ele.
A mandioca estava aqui antes da chegada dos portugueses e passou por todos os momentos, do período pós-colonização ao Brasil moderno. É um ingrediente presente de norte a sul, em diferentes preparos, em todas as mesas. Do pampa gaúcho às refeições pré-cabralinas, a farinha de mandioca é onipresente. É um ingrediente que se sofisticou sem perder sua essência.
Por isso, quando fala de terroir, Atala não fala apenas de território, mas de cultura. "É fundamental entender isso. O terroir não é só o conjunto de solo e clima, é também a forma de fazer. O termo vem da indústria do vinho, que começou a usá-lo, mas as múltiplas formas de preparar vinho também refletem a cultura local, e quando a gente usa a palavra terroir para ingredientes brasileiros, tem sempre que render homenagem e louros à cultura local."
A ideia inicial era que fosse ele mesmo a escrever "Mandioca", mas depois achou que era muito mais justo fazer um livro plural e inclusivo no qual atuaria mais como organizador. "Percebi que se eu falasse coisas de mandioca que estão escritas ou que aprendi com amigos, muitas vezes até verbalmente, me sentiria plagiando. Eu queria o contrário. Todas as pessoas que estão no livro, mais algumas, foram fontes de inspiração. Usei a referência deles no meu trabalho do dia a dia, e achei que num livro sobre mandioca não deveria falar delas, mas mostrar essas figuras e seus trabalhos, rendendo uma homenagem", explica o chef, que defende a tese de que todo o mundo copia e que a cópia só é ruim quando é plágio e esconde o verdadeiro autor.
Entre o diverso número de cozinheiros presentes no livro estão Mara Salles, Claude Troisgros, Rodrigo Oliveira, Helena Rizzo, que Atala considera "bastiões da cozinha brasileira contemporânea". Durante muitos anos ele reinou como divulgador da culinária brasileira e uma espécie de guru da nova geração, que hoje tem múltiplos expoentes.
No livro há um capítulo sobre bebidas elaboradas a partir da mandioca, e ele conta que, apesar de ainda não terem a divulgação dos pratos, estes devem ganhar visibilidade num futuro próximo. "Há uma importante destilaria na Dinamarca, a Empirical, que fez um destilado à base de mandioca, muito mais parecido com o processo de destilação de spirits, diferente da cachaça, enfim, uma destilação muito elegante, muito técnica. Isso acena um caminho para o Brasil olhar e conhecer melhor essas bebidas originarias, os caxiris, os aluás"
De certa maneira, sua percepção da importância da mandioca na cultura gastronômica brasileira tem a ver com as viagens que fez para a Amazônia acompanhado por antropólogos que o levaram a conviver com cozinheiras indígenas como Dona Brazi, em São Gabriel da Cachoeira. Mas também se deve ao contato da infância com as casas de farinha.
"Tenho a felicidade de ter nascido numa família simples que sempre gostou de viajar e comeu o que tinha disponível. Foi uma benção" Filho de imigrantes de origem palestina e irlandesa, Atala diz ter, como todo brasileiro, um pouco de sangue de todo o lado. A isso se somou "uma paixão pela cozinha brasileira e o prazer de andar pelo Brasil, conversar com caboclos, com indígenas, com caipiras, com quem for", tendo o alimento sempre como fonte de inspiração.
Em 2021, Atala voltou a integrar a lista "Latin America's 50 Best Restaurants" com o paulistano D.O.M. na terceira posição e o mais bem colocado do Brasil. Mas ele é lacônico quanto a isso: "Não tenho muita opinião a respeito, fico feliz sempre que ganho um prêmio". O que ele celebra é o fato de seus dois restaurantes (D.O.M. e Dalva e Dito) terem sobrevivido à pandemia.
"Muita gente não sobreviveu, e isso é triste. Muitos bons trabalhos deixaram de existir. O nosso é um dos segmentos mais sofridos", diz. "Atualmente existe uma retomada, e a gente está mais feliz ainda, mas existe um agravante que é a crise econômica, o custo dos insumos é um fato, não um achismo. Os ingredientes subiram demais, e a margem dos donos de restaurantes obviamente vai ficar mais apertada."
Os próximos passos, portanto, serão para tentar se manter vivo. "Brinco dizendo: bom viajante, mala pequena. Gostaria de diminuir a minha mala, mas já que não dá para diminuir, vamos fazer tudo para manter."

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