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Além de Kioto

O Globo, Opinião, p. 6
28 de Set de 2004

Além de Kioto

Enquanto o gelo da Antártica vai se derretendo em ritmo acelerado, confirmando as previsões mais pessimistas, os países ricos - os únicos que podem tomar medidas eficazes - continuam numa atitude de aparente indiferença. A começar pelos Estados Unidos.
A passividade tem sua razão de ser: é o alto custo econômico da redução na emissão de gases do efeito estufa. Foi por não querer arcar com esse efeito recessivo que os EUA rejeitaram o Protocolo de Kioto. Porque o lançamento de gases na atmosfera tem relação direta com o grau de desenvolvimento; tanto que, desde a revolução industrial, o teor de dióxido de carbono atmosférico aumentou 30%, como estima a Agência de Proteção Ambiental dos EUA.
A elevação do nível do mar ameaça inundar o pequeno arquipélago de Tuvalu, no Pacífico, e no Alasca começam a ruir casas construídas sobre o permafrost, que está se derretendo. São fatos que chamam a atenção pela singularidade; mas nenhum país está a salvo. Não se prevêem grandes catástrofes a curto prazo, mas o fato é que o caos nas próximas décadas só pode ser evitado por medidas tomadas agora.
No entanto, o que se está fazendo é pouco mais do que nada. O esquema de venda de créditos de carbono é de uma irrelevância que beira o ridículo: cada vez que uma baleia morrer encalhada na costa brasileira, poderemos vender créditos para algum país como a Holanda (desde que impeçamos a decomposição do animal, que produz gases). Pode ser bom negócio para os dois países, mas muito pouco mais do que isso.
Mesmo que os EUA, responsáveis por um quarto da emissão global de CO2, decidam finalmente assinar o Protocolo de Kioto - lamentavelmente, o aquecimento do planeta sequer faz parte dos temas previstos para os debates entre os candidatos à Presidência - isso não bastará. Kioto claramente já é resposta insuficiente para um problema de dimensões bem maiores do que se temia.
Resta esperar que as notícias sobre o derretimento de gelo na Antártica (e no Alasca, e na Groenlândia) criem finalmente nos governos o sentido de urgência hoje ausente. Somente a partir da percepção de que a ameaça é real e gravíssima poderá ser traçado um plano de ação adequado.

O Globo, 28/09/2004, Opinião, p. 6

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