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'Ainda há tempo de destravar projetos'

OESP, Economia, p. B 3
15 de Jul de 2007

'Ainda há tempo de destravar projetos'
Para especialistas, com empenho do governo, várias centrais hidrelétricas podem operar antes das do Madeira

Renée Pereira

Boa parte dos projetos hidrelétricos paralisados pode sair do papel se o governo tiver o mesmo empenho dedicado às usinas do Rio Madeira, segundo especialistas do setor. Eles defendem a idéia de se criar um grande mutirão para resolver os problemas dessas usinas, que poderiam entrar em operação antes das unidades do Rio Madeira e ajudar o Brasil nos períodos críticos previstos para 2009, 2010 e 2011.

'Se isso não ocorrer, o governo vai ter de lançar mão de outras fontes de energia, como o óleo e o carvão, para aumentar a oferta do sistema', afirma o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires. Na opinião dele, o governo está olhando lá na frente e não vê o cenário que se aproxima. Mas ainda há tempo para destravar as hidrelétricas, diz. 'Pena que não vejo nenhum movimento nesse sentido.'

O Ministério de Minas e Energia, no entanto, garante que as ações para destravar projetos licitados em outros governos já estão dando frutos. De um total de 45 empreendimentos concedidos até 2002, 18 estão em pleno funcionamento, 17 em construção e apenas 10 têm pendências. Entre as usinas licitadas após 2002 ou que ainda serão licitadas, o ministério destaca algumas unidades que ainda contam com pendências. Trata-se de Salto Grande (53,4 MW), Telêmaco Borba (120 MW), Ipoeiras (480 MW), Baixo Iguaçú (340 MW) e Cambuci (50 MW), entre outras.

Outro problema difícil de ser resolvido é o fato de muitos licenciamentos dependerem de secretarias estaduais. Durante algum tempo, a Aneel manteve um convênio com os Estados para tentar solucionar o problema, mas a cooperação terminou há algum tempo.

No Paraná, por exemplo, onde há duas hidrelétricas (Cachoeirinha e São João) e várias Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) paradas, o licenciamento está suspenso. Isso porque o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), vinculado à Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, aguarda a conclusão do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), que deverá apontar as fragilidades e potencialidades dos rios e bacias hidrográficas para a construção de barragens. A conclusão do zoneamento está prevista para o início do próximo ano.

Em Minas Gerais, o analista ambiental da Superintendência da Região Central de Meio Ambiente, André Ruas, afirma que o número de processos é muito elevado para uma equipe tão reduzida. Ele explica que o principal problemas das duas hidrelétricas localizadas no Estado é a questão do reassentamento das famílias. 'Os empreendedores estão alterando o projeto para minimizar a área a ser inundada e diminuir a população atingida.'

Ele explica que, embora tratada de forma superficial, a questão dos peixes é muito importante. 'Os projetos de PCHs, embora de menor porte, podem causar graves problemas a várias espécies de peixes.' Isso porque, completa ele, para ter uma potência maior, os investidores deslocam a casa de força, criam um canal e diminuem a vazão de água no leito original do rio. Mas o analista garante que há como contornar o problema e reduzir os impactos.

Investidores até desistem de usinas
Problemas ambientais e jurídicos fizeram a Votorantim, por exemplo, tentar se livrar da obra, sem conseguir

A paralisação das hidrelétricas já licitadas é decorrente de uma série de problemas ambientais e jurídicos. Em alguns casos, os investidores até já desistiram de levar os projetos adiante, mas não receberam o aval da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Tecnicamente, eles têm de responder pelo empreendimento.

O consórcio que arrematou a Hidrelétrica de Santa Isabel (1.087 MW), formado por Vale do Rio Doce, BHP Billiton, Alcoa, Votorantim Cimentos e Camargo Corrêa, já pediu várias vezes a devolução do contrato de concessão.

O investidores pagaram ágio de 1.694% na concessão de Santa Isabel, que seria construída no Rio Araguaia, ainda sem hidrelétricas. O projeto é complexo. A usina foi originalmente planejada para 2.245 MW, mas acabou dividida em duas para diminuir os impactos ambientais. Apesar disso, a região inundada afeta áreas do parque estadual Serra dos Martírios. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pediu um novo EIA-Rima do projeto.

Outra usina que corre o risco de não sair do papel é Couto Magalhães, de 150 MW, cujo projeto foi idealizado em 1963. A usina, que também seria construída no Rio Araguaia, foi arrematada em 2001 pelo consórcio formado por Grupo Rede e EDP (hoje Energias do Brasil), com ágio de 3.000%. O Ibama não aceitou os Estudos de Impacto Ambiental apresentados e emitiu um novo termo de referência. Para o consórcio (hoje sem o Grupo Rede), a exigência eleva consideravelmente os custos e, por isso, há a intenção também de devolver a concessão.

Os empreendedores da Usina de Pai Querê, no Rio Pelotas, ainda não chegaram ao ponto de pedir a suspensão da concessão, mas as dificuldades não são menores. Licitado em 2002, o projeto tem capacidade de 292 MW e está incluído entre as obras do PAC. A usina teve o licenciamento suspenso pelo Ibama no início do ano passado até que fosse concluída a avaliação integrada da Bacia do Rio Uruguai, prevista para julho de 2006. Até hoje, no entanto, o processo de licenciamento não foi retomado. As obras deveriam ter sido iniciadas em 2005, para que a usina entrasse este ano em funcionamento.

Segundo relatório da Aneel, algumas usinas estão paralisadas por causa de ações judiciais, como Passo São João - cujo contrato de concessão foi assinado no ano passado, com a novas regras do setor -, Barra dos Coqueiros e Caçú. Todas essas usinas, assim como as do Rio Madeira, têm forte oposição de ambientalistas. Na avaliação deles, provocam graves impactos ambientais, já que a inundação de áreas afeta importantes ecossistemas naturais e espécies da flora e fauna endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção.

De outro lado, especialistas argumentam que, se as hidrelétricas não forem construídas, o País terá de lançar mão de usinas térmicas movidas a óleo diesel e óleo combustível, bastante poluentes. Entre os que defendem as hidrelétricas está o professor da USP José Goldemberg, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Mas ele é a favor de projetos ambientais de melhor qualidade, para evitar danos à natureza e à sociedade.

OESP, 15/07/2007, Economia, p. B 3

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