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Água: serviço de 1o Mundo para todos

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: KELMAN, Jerson
22 de Mar de 2015

Água: serviço de 1o Mundo para todos
Como a lei não permite regularizar o fornecimento de água sem prover coleta de esgoto, a maioria das favelas é inacessível para a Sabesp

Jerson Kelman

A lei assegura ao cidadão uma infinidade de direitos que, em sua maioria, devem ser providos pelo poder público. No entanto, é impossível num estalar de dedos construir e operar a infraestrutura necessária para fazer valer esses direitos.
É dever da administração pública ter um plano de investimentos e de operação dos sistemas que permita evoluir da situação real, em muitos casos semelhante ao que se observa no quarto mundo, para a situação ideal, o padrão suíço, exigida pelas nossas leis. Exemplo disso são as favelas, onde companhias de saneamento encontram obstáculos para instalar redes de água e esgoto.
Nessas comunidades, o principal obstáculo é a ausência de arruamento para passagem dos dutos de esgoto, cujo escoamento ocorre por gravidade. Seria simples regularizar o fornecimento de água, mas isso não ocorre com a rede de esgotos, que precisa passar por ruas, calçadas ou faixas, e cuja implementação é dever das prefeituras.
Como a legislação não permite que se regularize isoladamente o fornecimento de água sem prover ao mesmo tempo o serviço de coleta de esgoto, a maior parte das favelas continua inacessível para a Sabesp. Mas é claro que a população dá um jeito e não fica sem água.
Enquanto a Sabesp é impedida de solucionar o problema, mangueiras e tubos de reduzido diâmetros são utilizados para conduzir ineficientemente a água, com diversos vazamentos. Cerca de 8% da produção de água na Região Metropolitana de São Paulo trafega por essas gambiarras, sem faturamento.
O plano de investimentos pode ser visto como uma fila de projetos de obras, ordenados por um critério de prioridade e concebidos para melhorar as condições de vida da população e/ou do meio ambiente.
O critério de prioridade precisa ser claro. Por exemplo, os primeiros lugares da fila devem ser ocupados pelos empreendimentos com a melhor relação custo-benefício social. Isto é, as obras que, com o mesmo desembolso, beneficiem o maior número de pessoas. Assim é na Sabesp.
É forçoso reconhecer, porém, que há situações nas quais os primeiros lugares da fila não são ocupados pelos mais necessitados, e sim pelos mais influentes. Essa distorção cria um clima de desconfiança que estimula pessoas a tentar "furar a fila".
Às vezes, conseguem que a Justiça determine a instalação, num prazo curtíssimo, da infraestrutura de saneamento de uma localidade, com base no preceito legal de que é obrigação da concessionária assegurar um meio ambiente saudável e/ou a universalização desse serviço.
É razoável supor que tal decisão seja influenciada pela percepção de que a concessionária não realiza o necessário investimento por incúria ou insensibilidade social.
Aparentemente faz-se Justiça. Mas, no caso da Sabesp, a presunção de incompetência ou insensibilidade não é verdadeira e a "furada de fila" causa prejuízo à comunidade. Devido à limitação de recursos, a população mais necessitada terminará cedendo a vez àquela que conseguiu a sentença favorável.
Como resultado, existem comunidades com infraestrutura de primeiro mundo e regiões metropolitanas adensadas sem sequer fornecimento regular de água. Isso não é justo.
Pior ainda ocorre nos casos em que a Justiça sobrevaloriza o direito do cidadão de optar ou não pelo serviço de saneamento, com base na Lei de Proteção aos Consumidores. Esse tipo de situação costuma ocorrer quando a Sabesp instala uma rede de coleta de esgotos e algum cliente decide não fazer a conexão, para não pagar pelo serviço.
Se tiver amparo de alguma sentença judicial, terá passe livre para prejudicar vizinhos, pela disposição inadequada do esgoto, e jogar parte do custo da infraestrutura que lhe caberia nas costas dos demais.
A Sabesp quer diminuir esses desacertos, dando transparência para os critérios da composição da fila. Em 2015, investimentos prioritários são destinados a aliviar a difícil situação de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo.
Estamos executando obras para aumentar a disponibilidade dos sistemas Guarapiranga e Alto Tietê para que possamos atravessar a seca excepcional do Cantareira sem impor o rodízio à população. Os recursos são limitados e teremos que adiar e realinhar alguns importantes investimentos em saneamento.
Buscaremos ainda renegociar compromissos anteriormente assumidos. Este é o momento de reajustar rotas e redefinir prioridades em benefício da população paulista.

JERSON KELMAN, 67, é presidente da Sabesp

FSP, 22/03/2015, Tendências/Debates, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/212928-agua-servico-de-1-mundo…

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