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Água pouca no Iguaçu é bobagem

Marcos Sá Corrêa - http://marcossacorrea.com.br
Autor: Marcos Sá Correa
26 de Abr de 2010

O aviso chegou no meio do almoço de sábado, dia 24 de abril. Era um desses dias de chuva, em que se acorda com vontade de ficar na cama. Mas, para provar mais uma vez que o parque nacional do Iguaçu é à prova d'água e de chatura, o quarto amanheceu coalhado de mariposas e outros insetos notívagos, que escaparam do temporal durante a noite, passando por qualquer fresta disponível, na porta ou na janela.

E, logo cedo, estavam todos lá, espalhados pelas paredes ou pelo chão, pedindo um exame de perto e, depois de rápida aprovação, uma sessão de fotografia da natureza em ambiente artificial, com lentes de aproximação e muito flash, porque a manhã estava escura. Foi uma colheita mais farta do que o bom tempo costuma garantir em caminhadas às vezes longas pelas trilhas da floresta. E servida em casa, praticamente trazida na cama.

Mas os insetos terão que ficar para depois, porque na hora do almoço a pasmaceira do sábado encharcado foi sacudida por outra novidade. O Iguaçu estava enchendo tão depressa que era preciso interditar a passarela que, nas cataratas, avança até a beira da Garganta do Diabo, passando por pilares de concreto por cima de um braço do rio. O chefe do parque, Jorge Pegoraro, foi tirado da mesa pelo recado. E correu para lá, antes que o espetáculo fosse, literalmente, por água abaixo.

Desarmar os parapeitos metálicos numa emergência daquelas é uma trabalheira insana. Cada painel tem que ser libertado de duas porcas de grosso calibre, antes que se possa desencaixá-lo dos pilares de apoio. E, como não poderia deixar de ser, a rotina da manutenção acaba sempre cobrindo as roscas com tinta fresca, uma demão em cima da outra. E, na hora de desaparafusar o conjunto, haja braços.

Felizmente, havia braços de sobra naquela hora. Uma dúzia de homens metidos em capas de plástico amarelo, correndo debaixo da chuva para tirar os guarda-corpos, antes que enxurrada, passando por cima do piso, pudesse jogar contra a estrutura galhos pesados ou árvores inteiras, que costumam descer com a correnteza nessas ocasiões. Sem as grades, esses aríetes têm mais chance de atravessar a passarela, deixando a estrutura incólume.

E, como tudo nas cataratas, a enchente é um espetáculo. Banidos da passarela, que costuma ser o ponto alto da trilha, os turistas se aglomeravam nos mirantes do elevador, uma torre que geralmente passa a poucos metros do salto Floriano e abre, em vários planos, belveredes suspensos sobre as cachoeiras. Nesse fim de semana, a água espirrava para dentro das plataformas. Embaçava as paredes de vidro do elevador. Sacudia, com a vibração do solo, as portas da loja de souvenirs, como se alguém estivesse empurrando com força as maçanetas.

Era um programa diferente. E bastava olhar para as caras ensopadas dos visitantes para ter a certeza de que era isso mesmo que estava acontecendo, enquanto a turma da casa corria lá embaixo para evitar o pior. Uma cheia do Iguaçu, naquele ponto, é coisa séria. No sábado de manhã, antes de receber o primeiro aviso da Copel, a Companhia Paranaense de Eletricidade, a vazão das quedas estava no nível de 1.400 metros cúbicos por segundo.

Alta, para a temporada. Mas nada parecido com os 10 mil metros cúbicos por segundo que atingiria no começo da tarde. No domingo, continuava subindo. Parecia a caminho dos 12 mil metros cúbicos por segundo. E todo o cenário mudara diante da cheia. As pedras do rio despareceram nas águas. O Iguaçu corria pelo cânion como um mar barrento, encrespado por ondas altas. A névoa que subia do choque com as pedras do fundo engolia, numa névoa esbanquiçada, até a Garganta do Dia, de ponta a ponta. A mata das margens gotejava sem parar, mesmo quando a chuva dava uma rara trégua.

Em poucas palavras, tudo isso é um grande contratempo, sobretudo para as concessionárias dos serviços turísticos, que precisam alterar roteiros, encurtando-os aos limites de segurança, e para administração do parque, que nesses casos costuma indenizar os ingressos já pagos, revalidando-os para uma visita posterior. Sem falar nas cidades que ficaram inundadas, como Pato Branco. Mas, paradoxalmente, os visitantes que levam o passeio até o fim, com ou sem chuva escorrendo por suas câmeras e telefones celulares, deixavam estampados em suas fisionomias que pagariam satisfeitos pelo privilégio de estarem ali, naquele lugar, naquela hora, debaixo daquela tempestade.

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