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Adesão russa abre apostas para pós-Kyoto

FSP, Ciência, p. A13
06 de Nov de 2004

Adesão russa abre apostas para pós-Kyoto
Presidente Vladimir Putin assinou ontem o acordo contra os gases-estufa, que deverá entrar em vigor no início de 2005

Cristina Amorim
Free-Lance para a Folha
Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou ontem o Protocolo de Kyoto, acordo internacional que prevê a redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa. O ato era o último passo a ser dado para que tratado entrasse em vigor, o que deve acontecer em fevereiro de 2005, 90 dias após a ONU protocolar a participação russa.
A assinatura de Putin era decisiva para a vigência do acordo, que precisava da participação de 55 países, responsáveis por 55% das emissões do mundo industrializado em 1990. Como os Estados Unidos -que respondiam sozinhos a 36% da emissão mundial do dióxido de carbono na época- deixaram o acordo por razões econômicas, a decisão ficou a cargo da Rússia -o segundo maior poluidor, com 17%.
Cenários
Com a ressurreição de Kyoto, que a comunidade internacional julgava morto até este ano, abrem-se as discussões para o segundo período de compromisso do tratado, compreendido entre 2013 e 2017 -que prevê reduções de 20% a 45% das emissões em comparação a 1990, de acordo com o país, a fim de estabilizar na atmosfera os níveis de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e outros gases emitidos por atividades humanas que causam o aquecimento anormal do planeta.
"Você agora tem um novo fato, e qualquer negociação deve começar daqui", disse à Folha o economista Henry "Jake" Jacoby, analista de mudanças climáticas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA.
Um dos cenários possíveis é a participação de grandes nações do Terceiro Mundo, como Índia, China, Brasil e México, que foram desobrigadas de reduzir emissões no primeiro período. "Minha visão é que não deve haver um segundo período de compromisso sem a participação dos EUA", diz Jacoby. "Por que a China reduziria suas emissões se os Estados Unidos não o fazem?"
A China é um dos principais opositores a taxas de redução das emissões e recorre aos mesmos motivos propagados pelos americanos. Com uma taxa média de crescimento de 10%, o país teme que mudanças radicais na matriz energética freiem sua economia.
O Brasil tem uma matriz energética limpa -em vez de queimar combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, o país usa energia hidrelétrica e só emite 80 milhões de toneladas de carbono ao ano, contra 1,6 bilhão dos EUA.
O calo nacional aperta por causa das cerca de 200 milhões de toneladas de carbono emitidas por desmatamento, especialmente na Amazônia, que deverão ser motivo de pressão internacional.
O físico Luiz Gylvan Meira Filho, da USP, que participou da gênese do acordo de Kyoto, vê duas possibilidades para o futuro pós-Kyoto: uma é a convivência de dois regimes de combate às mudanças climáticas -um dentro do protocolo, liderado pela Europa e pelo Japão, e o regime americano, baseado em reduções voluntárias e em acordos bilaterais.
O outro cenário é um regime que inclua prazos mais longos para redução de emissões. "O Japão, por exemplo, está pensando em 50 anos, porque a tecnologia [energética] deve se desenvolver mais no futuro", afirma. "O regime futuro manterá algumas das características de Kyoto, mas a meta única de redução [que leva em conta emissões totais] não é necessária", disse Meira Filho.
Sem efeito
Apesar dos esforços políticos, o protocolo não deve ter o efeito ambiental pretendido. As emissões de gases só cresceram desde sua idealização, em 1997. Atualmente, os países ricos emitem, em média, 15% a mais do que o índice registrado em 1990 -ou seja, têm de reduzir 20% para alcançar as metas acordadas. Isso até 2012, lembra o secretário do Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg. "Alguns países começaram a mudar seus sistemas industriais mais cedo, então podem alcançar a meta. Outros terão de passar instruções para os grandes emissores e começar a cortar", diz.

Rússia definirá preço do carbono

Da redação
Free-Lance para a Folha

O tão aguardado comércio de carbono, no qual países pobres vendem direitos de poluição aos ricos que precisam reduzir emissões, terá seu formato e preços definidos pela Rússia.
Com o colapso da União Soviética, que tinha uma indústria suja, o país ficou com um estoque enorme de "créditos" de poluição -o chamado "ar quente"-, que ela pode vender no mercado de emissões. Há o temor de que essa avalanche de títulos deprecie o valor global da tonelada de carbono. Isso seria ruim para o Brasil, que quer ganhar dinheiro vendendo esses créditos, por meio do chamado MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).
Segundo Jacoby, do MIT, o mercado de carbono está superestimado. "O custo de transação do MDL é alto demais por causa da burocracia. E a Rússia não tem condição institucional de montar um mercado para o ar quente."

FSP, 06/11/2004, Ciência, p. A13

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