VOLTAR

A aceitarão dos transgênicos

OESP, Notas e Informacões, p. A3
23 de Mai de 2004

A aceitarão dos transgênicos

Dois fatos recentes de repercussão mundial devem contribuir para que a racionalidade enfim prevaleça sobre o preconceito e a má-fé na definição das normas referentes à pesquisa, plantio e comércio de produtos geneticamente modificados (GM) no Brasil. Essas normas estarão consubstanciadas na Lei de Biossegurança, que já devia ter sido votada no Senado. Em fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou uma versão do projeto encaminhado pelo governo que representa um patente retrocesso em relação ao substitutivo original preparado pelo então líder da maioria Aldo Rebelo, atual ministro de Coordenação Política.
O substitutivo aprovado reduz drasticamente as atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência e Tecnologia. O órgão foi criado no governo anterior para dar a última palavra, com base em critérios exclusivamente científicos, sobre a segurança para a saúde e o ambiente dos transgênicos a serem cultivados e oferecidos ao mercado. A Câmara resolveu que a CTNBio, concebida de modo a garantir decisões isentas e fundamentadas, pode autorizar pesquisas, mas não o plantio comercial das novas variedades. Isso dependerá de licença do Ibama, reduto dos partidários de um "Brasil livre de transgênicos".
O que se espera do Senado é que restabeleça o substitutivo Rebelo, elaborado com a preocupação de evitar que o País perca "o bonde da história", nas palavras do seu autor. Pois de nada servirá pesquisar se os experimentos não conduzirem à exploração agrícola daquelas espécies comprovadamente viáveis e inofensivas.
Agora, os senadores não podem ignorar as últimas evidências de desmoralização da fantasiosa teoria ecofundamentalista de que todo e qualquer transgênico é uma ameaça potencial à natureza e ao homem, sendo necessárias pesquisas literalmente intermináveis antes que um deles seja liberado.
O fato mais novo é a autorização da União Européia à importação e consumo de milho verde GM, encerrando uma moratória de quase seis anos ao comércio de transgênicos, com exceção daqueles permitidos até 1998. A moratória, resultado da campanha contra o que a mídia sensacionalista passou a chamar "alimentos Frankenstein", está sendo contestada na Organização Mundial do Comércio por falta de base científica. Desde então, por sinal, a CTNBio não se pronuncia sobre a segurança daquela e de outras quatro variedades de milho transgênico - porque a sua decisão de aprovar a soja modificada RR foi levada aos tribunais, sem desfecho à vista.
Dois dias antes do ato da União Européia, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgou um relatório de 106 páginas criticando não os transgênicos, mas o fato de serem poucos.
Praticamente toda a área global de culturas transgênicas - cerca de 70 milhões de hectares - é ocupada por soja, milho, algodão e canola, e 70% dessa área se concentra nos Estados Unidos e Canadá. (Os outros grandes produtores são Argentina, China, África do Sul e, no caso da soja, Brasil.) A FAO defende uma forte intensificação das pesquisas com transgênicos que possam ser produzidos e consumidos no mundo pobre, onde mais de 800 milhões de pessoas vivem em estado crônico de fome.
O que a organização preconiza é exatamente o que a Embrapa vem tentando fazer no Brasil, apesar das dificuldades criadas pela área ambiental do governo e que só agora parecem dar sinais de se atenuar. Na última quarta-feira, a empresa - um centro de excelência de reputação internacional - foi autorizada a fazer testes de campo com um tipo de batata GM. A muito custo ela tinha conseguido licença para o plantio experimental de uma variedade geneticamente alterada de feijão resistente à praga do mosaico. A FAO propõe ainda que as pesquisas não se limitem a criar plantas resistentes a insetos (como o milho Bt liberado na Europa) ou a herbicidas (como a soja RR).
No ano passado, em um trabalho que já ressaltava o potencial da biotecnologia para o combate à desnutrição e à pobreza nos países em desenvolvimento, mediante a redução dos gastos com pesticidas e fertilizantes - em benefício do ambiente -, a entidade sustentava a necessidade de se pesquisar transgênicos com características mais complexas, como tolerância a secas e a altos índices de salinidade do solo. A FAO não sugere que se dê carta branca à transgenia: também para ela, cada caso é um caso. Mas atesta a segurança dos produtos existentes. Os legisladores brasileiros, portanto, precisam saber a quem dar ouvidos.

OESP, 23/05/2004, Notas e Informacões, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.