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102 milhões não têm acesso a esgoto

FSP, Cotidiano, p. C1 e C3
23 de Mar de 2004

102 milhões não têm acesso a esgoto
Segundo novo levantamento do IBGE, 76,1% dos brasileiros são servidos por rede de água

Pedro Soares
Da sucursal do Rio

Mais da metade (60%) da população brasileira não tem acesso à rede de esgoto, informa o "Atlas de Saneamento" apresentado ontem, Dia Mundial da Água, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O esgoto sanitário por meio de rede geral é a forma de saneamento menos difundida no país. Numa população de 169,8 milhões de pessoas, apenas 67,9 milhões têm acesso a esse serviço, de acordo com dados do Censo de 2000 e da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do mesmo ano.
A distribuição de água é mais abrangente: 76,1% dos brasileiros estão ligados à rede.
Entre as regiões do país existem grandes distorções tanto em um caso como no outro. "As desigualdades no saneamento retrataram e explicam, em parte, as desigualdades sociais que existem no país", disse o diretor de Geociências do IBGE, Guido Gelli.
A pior situação do esgoto ocorre no Norte: 97,2% da população não é atendida. No Sudeste, a cobertura é a mais ampla do país -só 36,4% não são atendidos. Por unidades da Federação, a maior rede fica no Distrito Federal (apenas 12% dos habitantes não possuem acesso). A menor, no Tocantins, onde 98,7% dos habitantes não estão ligadas à rede.
Em relação à água, a situação é parecida. O atendimento no Sudeste atinge 84,6% da população, enquanto no Norte é de 51,9%.
Para a técnica do IBGE Ivete Oliveira Rodrigues, a baixa cobertura no Norte é menos preocupante. Aí a densidade demográfica é menor e a capacidade dos rios de absorver o esgoto é maior. O grande problema, disse, está nas grandes cidades. Em muitas delas a rede geral ainda é pequena. "A questão do saneamento é eminentemente urbana", disse.
É a primeira vez que o IBGE divulga a população atendida pelas redes de água e esgoto. Já haviam sido levantados anteriormente os municípios cobertos -97,9% e 52,2%, respectivamente- e os lares atendidos -63,9% e 33,5%.
Segundo Rodrigues, o fato de a água atingir mais gente está ligado à mobilização social. "A água mobiliza mais. É um motivo de reivindicação maior. As pessoas cobram mais dos políticos."
Regionalmente, ela destaca uma aparente contradição. O Sul, que lidera vários indicadores sociais, não possui uma cobertura muito ampla de esgotamento sanitário -26,1% da população. É que a região, disse a especialista, tem muitos municípios pequenos e uma concentração em grande centros mais restrita, além da solução alternativa da fossa séptica ser largamente utilizada.

Bacias
Para relacionar a degradação ambiental com as condições de saneamento, o IBGE cruzou os dados por bacias hidrográficas. Nas do Amazonas e do Tocantins, somente 7% das cidades coletam o esgoto. Na bacia do Parnaíba (Piauí), 2%. A maior rede está na bacia costeira do Sudeste (95% das cidades).

Agência quer rever concessão em Manaus

Kátia Brasil
Da agência Folha, em Manaus

A Assam (Agência Reguladora dos Serviços Concedidos do Estado do Amazonas) quer rever as metas de instalação da rede de esgoto e de investimentos em Manaus, que teve o sistema privatizado em 2000, durante o governo de Amazonino Mendes (PFL).
O órgão vai preparar um relatório sugerindo à prefeitura, que deu a concessão à empresa Águas do Amazonas, que estipule metas mais rigorosas para ampliação do acesso ao saneamento básico.
Na época da privatização, a prefeitura disse que 11% da população tinha acesso a saneamento básico e estipulou, no contrato, uma meta de 31% para 2006.
Mas uma pesquisa da Assam apontou que, em 2000, apenas 6,74% da população (de um total de 1,4 milhão de habitantes) era atendida pela rede de esgoto.
A empresa Águas do Amazonas, controlada pelo Grupo Suez (antes Lyonnaise des Euax), da França, ganhou a concessão. Pagou R$ 193 milhões, num processo que envolveu três cancelamentos de leilão por ordem judicial. A concessão tem prazo de 30 anos, renováveis por mais 15.
Segundo o Ministério Público estadual, a empresa ainda não se adequou às normais ambientais.

Outro lado
César Seabra, diretor de Relações Institucionais da empresa, afirma que hoje a rede de esgoto atinge 7,62% da população, mas concorda que há necessidade de revisão das metas para 2006.
"Precisamos nos adequar, inclusive em relação à legislação ambiental", afirmou Seabra.

Desigual, SP tem a melhor situação do país

Da sucursal do Rio
Da reportagem local

Na cidade de São Paulo, o abastecimento de água e a coleta de esgoto são praticamente universais; e as redes, das mais extensas entre as capitais avaliadas pelo IBGE.
Na capital paulista, 98,6% dos domicílios têm acesso à rede de água e 87,2% estão ligados à de esgoto. A abrangência é grande até mesmo para padrões internacionais, de acordo com o IBGE.
Os dados acima da média escondem, porém, diferenças entre distritos mais centrais e ricos e os da periferia.
A cobertura de água e esgoto é quase de 100% em bairros das zonas sul, oeste e central, como Itaim Bibi, Alto de Pinheiros, Vila Mariana, Moema, Liberdade, Cambuci e Sé. Já distritos como Marsilac, Parelheiros, Grajaú (no extremo sul) e Anhangüera (extremo norte) têm baixa cobertura.
Há basicamente quatro explicações para a "exclusão sanitária", diz a Sabesp (empresa de saneamento de SP).
As regiões deficitárias estão muito distantes fisicamente do centro, portanto ficaram anos sem investimentos; localizam-se, em grande parte, nas áreas de proteção de mananciais, onde há limitações legais à colocação de infra-estrutura; tiveram um aumento abrupto de população em pouco tempo ou não têm núcleos urbanos adensados o suficiente para justificar os gastos com expansão da rede.
Parte dos problemas na região sul deve ser solucionado até o fim de 2005, com a conclusão da segunda fase da despoluição do rio Tietê. Para o outro extremo da cidade, apesar de reconhecer as carências, a Sabesp ainda nem tem projeto de ampliar o atendimento de esgoto.
Das capitais pesquisadas pelo IBGE, São Paulo é a que apresenta o melhor resultado. No Rio, 90,1% dos domicílios estão ligados à rede de esgoto; e 97%, à de água. As maiores coberturas são nos bairros da Lagoa, Flamengo, Glória (todos na zona sul) e Maracanã (zona norte).
Em Salvador, os percentuais são de 77% e 93% respectivamente. Em Belém, 17% e 57%. Mesmo em Porto Alegre, que tem bons indicadores sociais, só 48% dos domicílios estão ligados à rede de esgoto. Segundo o IBGE, lá muitas casas usam fossa séptica, solução alternativa considerada como adequada. Na cidade, 98,1% dos domicílios são atendidos pela rede de água.
Expectativa é selecionar até o início de abril os projetos que serão incluídos nos investimentos deste ano.

União prevê R$ 2,9 bi para saneamento

Da sucursal de Brasília

Com o uso de recursos de dois fundos -FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)-, o governo federal pretende selecionar até o início de abril os projetos que serão beneficiados com os R$ 2,9 bilhões previstos neste ano para financiar ações de saneamento no país.
O uso da verba será possível porque o governo, no acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), negociou uma folga no ajuste fiscal.
As propostas de empresas e de operadoras interessadas no financiamento somavam R$ 6 bilhões. O Ministério das Cidades, responsável pelo programa, pré-selecionou pedidos no valor de R$ 4,8 bilhões. A maior parte é de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas.
Segundo Sérgio Gonçalves, diretor de articulação institucional da Secretaria de Saneamento Ambiental, ligada ao ministério, o governo analisa a capacidade de pagamento dos interessados.
"Depois vamos dar uma hierarquia aos projetos, com base em critérios já definidos, porque temos mais pedidos do que recursos", disse Gonçalves.
Há ainda a possibilidade de o governo gastar outro R$ 1,61 bilhão previsto no orçamento de três ministérios (Cidades, Saúde e Integração Nacional) para o setor. Esse recurso, no caso da pasta das Cidades, é destinado, prioritariamente, a regiões metropolitanas, enquanto na Saúde o objetivo é atender a municípios com menos de 30 mil habitantes.
Em março do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu aos prefeitos que liberaria R$ 1,4 bilhão do FGTS para saneamento. O uso do dinheiro havia sido aprovado em dezembro de 2002, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso, pelo Conselho Curador do fundo.
A liberação, no entanto, aconteceu apenas no final de 2003, quando houve a contratação de projetos no valor de R$ 1,7 bilhão. Os pagamentos começaram em janeiro. São obras novas de saneamento em vários Estados, entre eles São Paulo, Ceará, Maranhão, Piauí, Sergipe e Paraná.
Gonçalves disse que a liberação dos recursos será feita paralelamente à discussão da Política Nacional de Saneamento Ambiental e das normas gerais para o setor.
Os textos dos projetos de lei, que vêm sendo discutidos desde o final de 2003, estão na Casa Civil. Devem ser encaminhados ao Congresso no próximo mês.
A proposta prevê que os municípios ficarão responsáveis pelo saneamento, podendo haver gestão compartilhada onde o sistema for integrado. Haverá uma transição por cinco anos. (Luciana Constantino)

Maioria das cidades ainda utiliza lixões

Da sucursal do Rio

Dos 5.507 municípios brasileiros, 63,6% usam lixões como destino final do material descartado, de acordo com o "Atlas de Saneamento", apresentado ontem pelo IBGE.
Segundo o instituto, o lixão é uma forma inadequada de armazenar os dejetos, pois provoca a contaminação de rios e lençóis de água e do solo.
O modo mais indicado de depositar o lixo é o aterro sanitário, utilizado por apenas 13,8% dos municípios brasileiros. Os dados são de 2000.
Nos lixões, o material fica exposto a céu aberto, sem nenhum tipo de controle. Já nos aterros, o solo é impermeabilizado por uma manta; o que foi descartado é coberto por terra; e os subprodutos líqüidos e gasosos que restam da decomposição dos resíduos orgânicos (maior fração do lixo doméstico) são drenados e tratados.
Além dessas duas formas, existem ainda os aterros controlados, adotados por 18,4% das cidades brasileiras. Nesse modo de armazenagem, a impermeabilização é realizada, mas não a drenagem de líqüidos -o que representa uma ameaça para a qualidade dos lençóis subterrâneos de água.
A boa notícia é que a coleta de lixo é amplamente difundida no país, revela o atlas do IBGE. Está presente em 99% das cidades. A má é que, apesar disso, somente 8% dos municípios afirmam ter coleta seletiva.
Um dos maiores problemas de não armazenar corretamente o lixo, segundo o IBGE, é a contaminação de rios e nascentes de água, que servem para o abastecimento público.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, de 2000, a distribuição per capita de água era de 260 litros/dia -mais do que em 1989, quando havia sido de 200 litros.
A proporção de água sem tratamento, porém, aumentou em relação ao total distribuído -de 3,9% em 1989 para 7,2% em 2000. A pesquisa diz ainda que as perdas das companhias distribuidoras de água podem chegar, em alguns casos, a 40% do volume produzido.
Outro perigo dos lixões é a proliferação de animais como os ratos, que se alimentam dos resíduos e são potenciais transmissores de doenças.

Enchente afetou 22% das cidades

Da sucursal do Rio

As enchentes afetaram 22,4% das cidades brasileiras em 2000, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Foram atingidos naquele ano 1.235 municípios, num universo de 5.507 no país.
Tanta chuva, porém, não foi suficiente para afastar o racionamento de água, que esteve presente em 1.267 municípios em 2000 -23% do total.
Mais freqüentes no verão, as enchentes afetaram mais cidades no Estado de São Paulo, em números absolutos. No Estado todo, 262 municípios sofreram inundações em 2000. Percentualmente, porém, o Rio de Janeiro ficou na dianteira no ranking dos prejuízos -63,7% das cidades do Estado sofreram enchentes. Em São Paulo, o percentual foi de 40,6%.
Segundo o IBGE, as principais conseqüências das inundações são a erosão do solo (deslizamentos) e o assoreamento (depósito de sedimentos no leito dos rios).
Dos municípios que foram atingidos em 2000, 60,5% enfrentaram problemas com o assoreamento de rios.
Um problema que, aparentemente, parece de simples solução é apontado pelas prefeituras como a causa mais recorrente das enchentes: 51,1% dos municípios culparam as obstruções de bueiros e das bocas-de-lobo pelas inundações.
Dos municípios que optaram pelo racionamento de água, 41,7% deles o fizeram em períodos de seca. Em 23% das cidades, o racionamento é constante: ocorre durante todo o ano.

Sem infra-estrutura, doença avança

Da sucursal do Rio
Da reportagem local

Enchentes, lixo, água sem tratamento e doenças. Existe entre todos esses fatores uma relação estreita, segundo dados do "Atlas de Saneamento", do IBGE.
São Paulo, por exemplo, foi o Estado com maior número de cidades afetadas por inundações em 2000. A capital paulista, naquele mesmo ano, foi a cidade que mais registrou casos de leptospirose, doença de veiculação hídrica cuja contaminação acontece por meio da urina de ratos.
Foram 242 ocorrências em São Paulo, de acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), compilados pelo IBGE.
Também bastante atingida por enchentes, Recife ficou com o segundo lugar: 203 casos. Na cidade, ocorreu o maior número de óbitos -21. Em São Paulo, foram 11 mortes. Em Pernambuco, 42 cidades sofreram inundações.
Relacionada ao tratamento da água e às condições gerais de saneamento, de acordo com o IBGE, a diarréia também fez mais vítimas em Pernambuco.
Morreram, em 2000, 421 crianças com menos de cinco anos. Em seguida, ficaram Bahia (387 mortes), Ceará (377), São Paulo (331) e Alagoas (214). "As condições de saúde estão diretamente ligadas às condições sanitárias; onde estas são melhores, a mortalidade infantil é menor", afirma Valdi Camarcio Bezerra, presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) -órgão responsável pela infra-estrutura de água e esgoto de municípios de até 30 mil habitantes, mais de 80% do total de cidades do país.
Diarréias, dengue, febre tifóide e malária são doenças de veiculação hídrica que preocupam.
"Sempre foi falado que o saneamento é fundamental para a saúde, mas nunca houve uma política voltada para a questão", afirma o presidente da Funasa.
Para acelerar a solução do problema de ausência de redes de esgoto em pequenas cidades, o governo busca "alternativas tecnológicas", diz Bezerra. No final do ano acontecerá um seminário para a seleção de projetos nacionais e internacionais mais simples e baratos, com o objetivo de aplicá-los na rede pública.
De acordo com Bezerra, as redes tradicionais de esgoto requerem altíssimos investimentos.
A Funasa tem R$ 1 bilhão para investir neste ano em saneamento, o que o presidente da fundação considera suficiente para o período. Segundo Bezerra, no entanto, a estimativa é que será preciso aumentar em 20% por ano esse recurso para dar conta do déficit.

FSP, 23/03/2004, Cotidiano, p. C1 e C3

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