VOLTAR

Zuenir Ventura recupera o tiro que ecoou pelo mundo

OESP, Caderno 2, p. D5
14 de Dez de 2003

Zuenir Ventura recupera o tiro que ecoou pelo mundo
Em 'Chico Mendes: Crime e Castigo', repórter detalha o assassinato do ambientalista

Ubiratan Brasil

Inúmeras mudanças aguardavam o jornalista Zuenir Ventura quando ele, em outubro, voltou ao Acre para descobrir o que mudara na região desde que, há quase 15 anos, ele lá estivera para escrever uma série de reportagens sobre o assassinato do líder sindical e ambientalista Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988. E não foi apenas a mudança de lugar do aeroporto internacional que lhe chamara atenção - as idéias de Chico Mendes continuam atuais e atuantes, graças, principalmente ao avanço da aplicação dos conceitos de justiça.
"Não existe mais aquela sensação do medo imperar em toda a cidade", conta Ventura, cujos textos foram reunidos em Chico Mendes: Crime e Castigo (248 páginas, R$ 33,50), mais um volume da coleção Jornalismo Literário editado pela Companhia das Letras. "Agora, finalmente, há uma satisfação em se viver."
Quando morreu, Chico Mendes estava com 44 anos e já era conhecido em boa parte do mundo por ter desenvolvido, à frente dos seringueiros, táticas pacíficas de resistência com as quais defendeu a Amazônia. Suas atitudes descontentavam os proprietários locais, responsáveis por um acelerado processo de desmatamento para dar lugar a grandes pastagens de gado. O choque tornou-se inevitável e a morte do ambientalista tornou-se anunciada.
O livro foi dividido em três partes. Na primeira, intitulada O Crime, estão as 11 reportagens que Ventura publicou no Jornal do Brasil entre março e abril de 1989. Ele viajou para passar uma semana no Acre, mas ficou um mês, período em que reconstituiu em detalhes o crime arquitetado pelo fazendeiro Darly Alves de Souza e executado por seu filho, Darci Alves Pereira. "O que mais impressionava era a consciência que Chico Mendes tinha da morte, afirmando, inclusive, que seria assassinado até o dia 30 de dezembro de 1988", conta Ventura. "Ele não era levado a sério nem pela polícia nem pela imprensa local e, mesmo sabendo que poderia até se mudar do País, preferiu ficar pois sua morte, se acontecesse, ao menos reverteria uma situação desfavorável."
A série de reportagens valeu ao jornalista os principais prêmios do ano, mas, mesmo assim, ele temia uma republicação em livro. "Pensei que o interesse intenso daquele momento fosse passageiro e os textos não resistiriam a uma nova edição", disse Ventura, convencido do contrário pelo editor Luiz Schwarcz.
A escrita, apesar de dedicada à publicação em um jornal diário, mantém, porém, um raro frescor graças à rigorosa reconstituição dos fatos feita por Ventura, que estava munido de um gravador, um caderninho e a necessária curiosidade profissional. De volta ao Rio, ele não apenas trouxe um farto material em histórias como também o adolescente Genésio, enteado do mandante do crime, que corria perigo de vida.
A vinda do garoto para o Rio marca o início da segunda parte do livro, O Castigo, com reportagens feitas por Zuenir Ventura em 1990, quando voltou a Xapuri, no Acre, para acompanhar o julgamento dos assassinos de Chico Mendes. O fato tornou-se um marco na justiça brasileira graças ao juiz Adair Longuini, que condenou o executante do crime e também seu mandante.
O julgamento foi acompanhado por dois estudantes de Direito, que perceberam a importância política e social do acontecimento. Pedro Francisco da Silva e Jair Facundes tornam-se, assim, a ponte para a terceira parte do livro, Quinze Anos depois, em que Ventura mostra, com seu estilo refinado, como os dois rapazes, agora juízes federais no Acre, contribuíram para a redenção da justiça local ao condenar à prisão o ex-deputado Hildebrando Paschoal, acusado de resolver questões envolvendo terras à base de motosserras. "A relação entre o campo e a cidade mudou profundamente, especialmente na questão ambiental", comenta Ventura. "Esse é o principal legado de Chico Mendes."

OESP, 14/02/2003, Caderno 2, p. D5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.