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A zona franca e a conservação da Amazônia

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/
Autor: Carlos Durigan
10 de Abr de 2014

Desde o primeiro turno de votação da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que busca prorrogar por mais 50 anos os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, o discurso que enaltece o Polo Industrial de Manaus (PIM) como um dos responsáveis pela conservação da biodiversidade no Amazonas tem ganhado força e adeptos. Mas será mesmo?

O Projeto Zona Franca de Manaus idealizado e implementado pela ditadura militar em fins dos anos 60 fez parte de um conjunto de ações estruturantes para a região que envolviam a abertura de uma rede viária e complexa de transporte, com foco especial para a abertura de rodovias, a construção de inúmeras hidroelétricas nos rios amazônicos, a exploração em escala industrial das commodities regionais (minérios, gás, petróleo, madeira, etc.), a criação de distritos agropecuários, o incentivo da imigração em grande escala para a região, entre tantas políticas direcionadas à integração nacional, era como bem sabemos a política do "integrar para não entregar".

Passava-se a impressão para a população brasileira não-amazônica que a Amazônia era um grande vazio humano, órfã de um ciclo econômico baseado no extrativismo da borracha, região desprovida dos benefícios da nova urbanidade ligada à industrialização que já se faziam notar nas grandes capitais de outras regiões do país.

Era comum ouvirmos nesta época notícias falando do "Inferno Verde", as dificuldades logísticas de se "desenvolver a região" de "rasgar a floresta para abrir as estradas do progresso" entre tantas pérolas e equívocos que nortearam até os dias atuais uma agenda que mais degradou do que desenvolveu a região.

Citando apenas um exemplo, o da integração regional através de rodovias, que se mostrou catastrófica. Os segmentos finalizados da grande malha prevista representados pelos eixos nunca finalizados integralmente da Transamazônica, BR-163, BR-319, BR-174 entre outras, simplesmente foram responsáveis pela maior taxa de desmatamento vivenciada na Amazônia ao longo das últimas décadas e que ainda persiste.

Comunidades amazônicas, indígenas e não indígenas, assim como as tantas famílias assentadas ao longo destas estradas, viveram e vivem um dia-a-dia de dificuldades, violência e exclusão.

O famoso Arco do Desmatamento, que compreende uma extensa faixa na parte sul da Amazônia, concentra a maior área de degradação social e ambiental de toda a região. Imaginemos então como estaria constituído o cenário atual se estas obras estivessem integralmente concluídas, este sistema de rodovias federais certamente teria promovido a destruição de uma porção muito maior das florestas e rios e ao mesmo tempo afetado ainda mais suas populações.

Em termos econômicos a Zona Franca de Manaus gerou sim números impressionantes. O crescimento do PIB de Manaus impulsionado pela meteórica ascensão da indústria na cidade possibilitou um volume de investimentos nunca antes experimentado. A ampliação gradativa do parque industrial gerou dezenas de milhares de postos de trabalho ao longo das últimas décadas.

Em termos sociais, o que mais salta aos olhos foi o crescimento populacional - antes de 1967, a população de Manaus não passava de 300.000 habitantes e atualmente chega quase aos 2 milhões. Atrelado a este crescimento acelerado, somam-se políticas públicas inadequadas, falta de planejamento nas suas implementações, deficiência nos serviços públicos oferecidos a este novo contingente populacional e o resultado - que vivenciamos atualmente - está expresso em dados referentes à qualidade de vida experimentada não só em Manaus, mas em todo o estado do Amazonas.

A qualidade dos serviços básicos oferecidos, notadamente os de saúde, educação, transporte, infraestrutura urbana, provimento de energia e água, decresce vertiginosamente e proporcionalmente ao crescimento populacional e econômico. Fica aí evidente a falta de investimento local de boa parte do PIB gerado pelo PIM (Polo Industrial de Manaus) e a profunda desigualdade social do modelo. Ao mesmo tempo, seus limitados benefícios não conseguem atingir adequadamente os demais municípios do estado.

As referências ambientais também não são boas, ao observarmos o que tem acontecido no Estado, principalmente na região metropolitana de Manaus. Falta de saneamento básico, desmatamento, queimadas, pesca e caça predatória são atividades bem documentadas tanto nas áreas urbanas como em seu entorno e inclusive no interior de Unidades de Conservação, áreas que deveriam estar recebendo proteção.

Claro, nas regiões mais distantes da capital, ao longo dos grandes rios, nas grandes extensões de florestas ainda existentes e bem conservadas, temos um cenário positivo constituído por áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas), mas ainda inacabado por requerer fortes investimentos e interesse político. Seria este o cenário encontrado se o projeto desenvolvimentista, do qual a Zona Franca de Manaus foi um componente, tivesse atingido integralmente seus propósitos? Ou ainda, o que será deste cenário se os atuais projetos idealizados a partir da mesma concepção equivocada e retrógrada do passado tomarem corpo?

Entendo que o modelo é de fato importante para a manutenção do que se construiu na região e a grande dependência gerada em termos econômicos, e um final abrupto seria de fato uma tragédia, mas uma mudança em seus paradigmas se mostra cada dia mais necessária.

Lembro os inúmeros debates em torno de propostas para se iniciar um processo de transformação positiva do modelo, buscando desenvolver e incentivar uma economia mais inclusiva e de fato regional, através do desenvolvimento de cadeias produtivas baseadas no uso sustentável dos recursos amazônicos.

Também já ouvi falar de se buscar um comprometimento maior das empresas que se beneficiam dos incentivos gerados para que de fato invistam na construção deste novo e sonhado modelo. Gradativamente poderíamos ter ao menos parte do capital gerado pelo PIM comprometida e investida em iniciativas já em curso e que sofrem justamente com a falta de investimentos mais robustos. Seria bom ouvir novamente em que pé estamos nesta busca por mudanças positivas no modelo.

No entanto, a cada dia, o oposto é o que parece mais ganhar corpo. Estão de volta os discursos sobre "trazer o desenvolvimento", reativar projetos idealizados lá nos idos dos 70, como aqueles velhos projetos rodoviários, as altamente impactantes barragens e tantos outros, sem nenhuma novidade ou inovação e com um baixo comprometimento socioambiental.

Entendo que mudanças neste cenário são necessárias, ideias que de fato busquem construir o desenvolvimento e fazê-lo de baixo para cima e de dentro para fora, com respeito e ética, sem demagogia. Quem sabe assim ainda teremos tempo de ver uma agenda de fato diferenciada e comprometida com a região, sua biodiversidade e sua gente.

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