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Xavantes: Oito crianças estão internadas

Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Karoline Garcia
03 de Ago de 2004

Depois de nove meses acampadas à beira da rodovia, elas apresentaram quadro de pneumonia e desnutrição

Oito crianças xavantes estão internadas em hospitais dos municípios de Barra do Garças e Água Boa, na região leste de Mato Grosso. Duas delas estão desde a semana passada. Ontem pela manhã outras duas foram levadas em estado grave. À tarde, mais quatro precisaram ser encaminhadas para o hospital.

As internações foram motivadas por quadros clínicos de pneumonia e desnutrição, ocasionados pelas péssimas condições em que se encontravam com outros 456 índios na BR-158, na região de Alto Boa Vista.

Eles pertencem ao grupo que luta na Justiça pelo direito de voltar à terra onde está localizada a fazenda Suiá Missu. Eles estão na rodovia há nove meses à espera de uma definição.

Na semana passada três crianças morreram também apresentando pneumonia e desnutrição. Todas com idades entre um e dois anos. De acordo com o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Goiânia, Edson Beiriz, a situação é grave.

Os índios estão vivendo em acampamentos, sob barracas de lonas plásticas, aspirando a poeira da estrada, bebendo água contaminada por coliformes fecais, sem as menores condições de higiene e saúde, de acordo com o administrador da Funai.

No dia da primeira morte, os índios interditaram a BR. Num ato de desespero oito deles entraram na fazenda e cavaram a sepultura onde foi enterrada a criança.

"A cultura deles está totalmente comprometida. Não estão se alimentando com o que é próprio da sua cultura, da caça e da pesca. Estão vivendo de doação de cestas básicas", informou Beiriz. Ele disse ainda que as crianças estão expostas a toda sorte de perigo na estrada, recebendo desde fumaça de caminhão até hábitos que fogem àquilo a que estão acostumadas. Cinco funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) estão na rodovia dando assistência aos índios.

Os xavantes disseram que vão aguardar a volta das crianças hospitalizadas - com ou sem vida - para decidirem o que fazer. "Eles estão transtornados e ameaçam entrar na área mesmo com os fazendeiros estando lá", disse Beiriz, que não descartou a possibilidade de confronto. "A situação está insustentável".

Os xavantes de Marãiwatsede (nome da terra indígena) aguardam o julgamento de uma liminar que os impede ocupar uma área que, segundo a Funai, tradicionalmente pertence à etnia. Saíram do local na década de 70 e passaram por diversas outras aldeias, mas não conseguiram se adaptar a nenhuma. O conflito entre índios e fazendeiros envolve uma área de 168 mil hectares. Em outubro do ano passado, os xavantes resolveram retornar às origens, mas foram impedidos porque posseiros derrubaram uma ponte e fecharam a estrada.

De acordo com a coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Maristela Souza, políticos e fazendeiros da região estimularam a invasão da área para impedir o retorno dos indígenas. "São grandes latifundiários que estão destruindo a mata, derrubando arvores para plantar soja", disse ela ontem.

Cerca de 400 posseiros ocupam a área. Destes, cerca de 250 são clientes da reforma agrária que esperam pelo direito de ocupação de uma outra área. "Com estes aí, os índios já disseram que convivem até que o governo defina a terra em que devem morar". O restante, entretanto, são fazendeiros que se recusam a sair de lá. Maristela explica que a expectativa é que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assente os clientes e assim os índios possam voltar.

Juiz determinou que fosse feito novo laudo na área

A última audiência sobre a disputa pela Suiá Missu ocorreu em março, quando o juiz da 5ª vara federal, José Pires da Cunha, pediu que um terceiro laudo técnico da região fosse feito.

O laudo apresentado à época foi anulado pelo juiz, que reconheceu falhas na vistoria. O antropólogo Eugênio Gervásio Wenzel, responsável pela perícia, foi afastado da Justiça Federal pois se descobriu que ele sequer esteve na área para fazer o laudo.

Segundo a coordenadora do Cimi, Maristela Souza, que acompanhou as audiências e esteve na BR, até agora a vistoria não começou. Na 5ª Vara Federal a informação é de que o juiz José Pires da Cunha está em férias.

"Esta é uma situação que eu nunca vi em toda a minha vida. Eles estão passando por cima de um decreto presidencial. Estão desobedecendo a uma decisão superior e a própria Constituição", disse o administrador da Funai, Edson Beiriz.

Representante dos posseiros há dez anos, o advogado Luiz Francisco Caetano Lima alega que os índios não estão tão desamparados assim, já que estavam na Reserva Pimentel Barbosa, próximo a Água Boa. "Lá eles tinham suporte. Não precisavam ficar nessa situação". Luiz Francisco defende interesses de mais de 700 famílias e diz que espera uma definição da Justiça com a mesma ansiedade que os índios.

O drama dos xavantes recebe apoio de diversas instituições, como o Conselho Indigenista Missionário e a prelazia de São Félix do Araguaia.

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